Casuísmos na reforma política

12 de abril de 2017 às 15:36

Antônio Augusto de Queir
A sociedade reclama do Congresso Nacional mudan&ccedil;as nas regras para a distribui&ccedil;&atilde;o do poder entre os sujeitos do processo pol&iacute;tico, com o objetivo de resgatar a credibilidade do sistema representativo e fortalecer mecanismos de democracia direta e participativa.<br /> <br /> No sistema representativo, a ideia &eacute; aproximar os representantes dos representados, promover equil&iacute;brio na disputa eleitoral, dar consist&ecirc;ncia program&aacute;tica e ideol&oacute;gica aos partidos, combater a corrup&ccedil;&atilde;o e propor um modelo de financiamento que reduza a influ&ecirc;ncia do poder econ&ocirc;mico nas elei&ccedil;&otilde;es.<br /> <br /> Na democracia direta e participativa, o interesse &eacute; ampliar e fortalecer os mecanismos de consulta popular (plebiscito e referendo), facilitar a participa&ccedil;&atilde;o e a iniciativa popular (apresenta&ccedil;&atilde;o de projetos de leis e emendas &agrave; Constitui&ccedil;&atilde;o), bem como democratizar a informa&ccedil;&atilde;o e a comunica&ccedil;&atilde;o, inclusive com a amplia&ccedil;&atilde;o da transpar&ecirc;ncia no Poder Judici&aacute;rio.<br /> <br /> Entretanto, mesmo havendo consenso na sociedade e no Parlamento sobre a necessidade e at&eacute; urg&ecirc;ncia de uma reforma pol&iacute;tica, n&atilde;o h&aacute; acordo entre os atores pol&iacute;ticos sobre o conte&uacute;do ou melhor desenho. As disputas e os interesses envolvidos impedem a forma&ccedil;&atilde;o de maioria capaz de promover mudan&ccedil;as estruturais nos sistemas eleitoral e partid&aacute;rio.<br /> <br /> A C&acirc;mara e o Senado correm contra o tempo para aprovar mudan&ccedil;as que possam vigorar j&aacute; para o pleito de 2018 &ndash; e t&ecirc;m prazo at&eacute; final de setembro &ndash;, mas a desconfian&ccedil;a de que as mudan&ccedil;as possam favorecer ou proteger os atuais detentores de mandato pode contaminar iniciativas fundamentais para revigorar o sistema pol&iacute;tico, como o sistema de lista fechada, o financiamento p&uacute;blico de campanha e a ado&ccedil;&atilde;o da federa&ccedil;&atilde;o de partidos em substitui&ccedil;&atilde;o &agrave;s coliga&ccedil;&otilde;es nas elei&ccedil;&otilde;es proporcionais.<br /> <br /> Setores contr&aacute;rios a esses aperfei&ccedil;oamentos come&ccedil;am a espalhar na imprensa not&iacute;cias de que os parlamentares pretendem aproveitar a reforma para anistiar o caixa dois, fechar a lista para evitar puni&ccedil;&otilde;es individuais dos eleitores, colocando seus nomes entre os primeiros da lista preordenada, e garantir o foro privilegiado, envenenando a popula&ccedil;&atilde;o contra mudan&ccedil;as estruturais nos sistemas eleitorais e partid&aacute;rios.<br /> <br /> O relator da Comiss&atilde;o Especial da Reforma Pol&iacute;tica, deputado Vicente C&acirc;ndido (PT-SP), apresentou um parecer preliminar com suas propostas, e a Comiss&atilde;o de Constitui&ccedil;&atilde;o, Justi&ccedil;a e Cidadania da C&acirc;mara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda &agrave; Constitui&ccedil;&atilde;o (PEC) 282/16, que veio do Senado Federal e aguarda delibera&ccedil;&atilde;o na C&acirc;mara dos Deputados.<br /> O texto do relator Vicente C&acirc;ndido prop&otilde;e altera&ccedil;&otilde;es em leis e na Constitui&ccedil;&atilde;o, tais como:<br /> <br /> <div style="margin-left: 40px;">1) o voto em lista fechada, preordenada por partido, nas elei&ccedil;&otilde;es proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores) de 2018 a 2022, com altern&acirc;ncia de g&ecirc;nero;<br /> <br /> 2) implanta&ccedil;&atilde;o do sistema distrital misto a partir da elei&ccedil;&atilde;o de 2026, com metade sendo votado no sistema proporcional na lista e metade no sistema majorit&aacute;rio, nos distritos;<br /> <br /> 3) cria&ccedil;&atilde;o do fundo eleitoral, destinado exclusivamente ao financiamento das campanhas eleitorais, com destina&ccedil;&atilde;o de 70% para a elei&ccedil;&atilde;o dos cargos do Poder Executivo e 30% para as elei&ccedil;&otilde;es para o Legislativo;<br /> <br /> 4) simplifica&ccedil;&atilde;o de apresenta&ccedil;&atilde;o de convoca&ccedil;&atilde;o de plebiscito e referendo por parlamentares e de proposta de iniciativa popular (proposi&ccedil;&otilde;es pela sociedade);<br /> <br /> 5) extin&ccedil;&atilde;o da reelei&ccedil;&atilde;o para o Poder Executivo, mandato de cinco anos e fim da figura dos vices no Executivo;<br /> <br /> 6) elei&ccedil;&otilde;es em datas diferentes para o Legislativo e para o Executivo; e<br /> <br /> 7) proibi&ccedil;&atilde;o de coliga&ccedil;&otilde;es nas elei&ccedil;&otilde;es proporcionais.</div> <br /> A PEC 282/16, por sua vez, prop&otilde;e seis importantes mudan&ccedil;as no sistema representativo brasileiro, dispondo sobre:<br /> <br /> <div style="margin-left: 40px;">1) o fim das coliga&ccedil;&otilde;es nas elei&ccedil;&otilde;es proporcionais;<br /> <br /> 2) a institui&ccedil;&atilde;o da cl&aacute;usula de barreira;<br /> <br /> 3) a ado&ccedil;&atilde;o do funcionamento parlamentar;<br /> <br /> 4) o direito dos eleitos;<br /> <br /> 5) a fidelidade partid&aacute;ria; e<br /> <br /> 6) a cria&ccedil;&atilde;o da federa&ccedil;&atilde;o de partidos.</div> <br /> Com 28 agremia&ccedil;&otilde;es partid&aacute;rias com representa&ccedil;&atilde;o no Congresso, sendo a quase totalidade de pequeno e m&eacute;dio portes, dificilmente se aprovam mudan&ccedil;as que limitem ou reduzam o n&uacute;mero de partidos, como o fim da coliga&ccedil;&atilde;o nas elei&ccedil;&otilde;es proporcionais e a cl&aacute;usula da barreira, especialmente se dependerem, como efetivamente dependem, de qu&oacute;rum qualificado de tr&ecirc;s quintos. A rejei&ccedil;&atilde;o a essas e outras mudan&ccedil;as estruturais em 2015 j&aacute; d&aacute; uma ideia da dificuldade nessa nova tentativa, na atual legislatura.<br /> <br /> Toda a aten&ccedil;&atilde;o deve ser dada a esse tema, porque as for&ccedil;as conservadoras pretendem votar um desenho de reforma que impe&ccedil;a ou dificulte o retorno dos partidos de esquerda ao poder. Por isso &eacute; fundamental uma vigil&acirc;ncia permanente em rela&ccedil;&atilde;o &agrave;s proposi&ccedil;&otilde;es que ser&atilde;o submetidas a voto. O fato de o relator, pelo menos na comiss&atilde;o especial, pertencer ao PT &eacute; importante, mas insuficiente para evitar a vota&ccedil;&atilde;o e aprova&ccedil;&atilde;o de destaques casu&iacute;sticos ou que contrariem os interesses da sociedade.<br /> <br /> O que n&atilde;o pode acontecer, em hip&oacute;tese alguma, &eacute; promover mudan&ccedil;as que, em lugar de avan&ccedil;ar no resgate da pol&iacute;tica e da representatividade do sistema pol&iacute;tico, representem retrocessos, como a volta do financiamento empresarial de campanha e a elimina&ccedil;&atilde;o do sistema proporcional de escolha dos deputados e vereadores. Isso seria a completa desmoraliza&ccedil;&atilde;o dos atuais detentores de mandato no Poder Legislativo Federal.<br /> <br /> <b>Ant&ocirc;nio Augusto de Queiroz</b> &eacute; jornalista, analista pol&iacute;tico, diretor de Documenta&ccedil;&atilde;o do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). E-mail: toninho@diap.org.br&nbsp;