Arte, fé e sociedade: muito além da inimizade

22 de novembro de 2017 às 17:17

Pastor Luiz Sayão
O di&aacute;logo entre f&eacute; e arte nem sempre foi poss&iacute;vel. Na hist&oacute;ria do monote&iacute;smo houve ruptura e suspeita. Judeus, crist&atilde;os e mu&ccedil;ulmanos viam na arte pag&atilde; apenas idolatria e imoralidade. Afinal, Deus proibiu imagens de escultura (&Ecirc;x 20.4-5) no culto. O mandamento foi seguido pelos judeus. No cristianismo a tend&ecirc;ncia prosseguiu, sob alguma controv&eacute;rsia. No islamismo a proibi&ccedil;&atilde;o permaneceu.<br /> &nbsp;<br /> Mas, a leitura unilateral n&atilde;o subsiste. O Deus que pro&iacute;be imagens de escultura ordena a arte do tabern&aacute;culo (&Ecirc;xodo 25-40), a confec&ccedil;&atilde;o de dois querubins (&Ecirc;x 25.18) e uma serpente de bronze (Nm 21.8,9). N&atilde;o havia problema na arte, mas na idolatria em si; afinal, Deus criou tudo bom/belo (hebraico: t&ocirc;v). <br /> &nbsp;<br /> Mas, afinal, o que &eacute; o belo? O que caracteriza uma obra de arte? Que crit&eacute;rios devem defini-la? Quem j&aacute; n&atilde;o se perguntou que amplitude h&aacute; nesses crit&eacute;rios numa exposi&ccedil;&atilde;o?&nbsp; Uma das primeiras teorias &eacute; a da arte como imita&ccedil;&atilde;o (mim&eacute;tica). Plat&atilde;o foi seu pioneiro. Arist&oacute;teles tamb&eacute;m seguiu a hip&oacute;tese mim&eacute;tica, considerando que o belo apela para o cognitivo, despertando prazer. <br /> &nbsp;<br /> Essa perspectiva levou fil&oacute;sofos cl&aacute;ssicos, gregos e medievais, a ver finalidade pedag&oacute;gica na arte, aliada da educa&ccedil;&atilde;o. Na modernidade (s&eacute;c.17), G. Vico e G. Hegel viam a finalidade metaf&iacute;sica da arte. Para Hegel, pela arte se conhece a natureza profunda das coisas. A obra art&iacute;stica &eacute; manifesta&ccedil;&atilde;o concreta do Absoluto. No s&eacute;culo 19, a arte adquire novo perfil: &eacute; express&atilde;o de sentimentos e fantasias. &Eacute; parte integral da manifesta&ccedil;&atilde;o de nossas capacidades n&atilde;o-racionais. Immanuel Kant, por exemplo, via na arte a poss&iacute;vel capta&ccedil;&atilde;o do universal, que se exprime no particular; para Kant &eacute; a express&atilde;o do &ldquo;n&uacute;meno no fen&ocirc;meno&rdquo;. Assim, o prazer est&eacute;tico traria harmonia entre as faculdades opostas dos sentidos e do intelecto.<br /> &nbsp;<br /> Hoje, o enfoque est&eacute;tico &eacute; a valoriza&ccedil;&atilde;o da express&atilde;o individual, da criatividade e da originalidade. O artista n&atilde;o imita, n&atilde;o pretende comunicar realidades superiores; cria o novo. &Eacute; o triunfo da express&atilde;o pessoal. A partir desse prisma, a arte &eacute; aut&ocirc;noma. Sua finalidade &eacute; a pr&oacute;pria arte. Vale a manifesta&ccedil;&atilde;o do artista. A avalia&ccedil;&atilde;o de conte&uacute;do, &eacute;tica-pedag&oacute;gica, &eacute; descartada, ainda que se fale de arte &ldquo;politicamente incorreta&rdquo;. Essa forma de pensar sugere que a arte &eacute; amoral, independe da &eacute;tica. <br /> &nbsp;<br /> &Eacute; aceit&aacute;vel que uma obra de arte seja avaliada mormente por seu aspecto est&eacute;tico. Todavia, &eacute; imposs&iacute;vel isolar a arte da vida. O artista n&atilde;o est&aacute; acima do bem e do mal. N&atilde;o &eacute; um sacerdote inquestion&aacute;vel, &ldquo;um ser superior&rdquo;. Afinal, a arte envolve express&atilde;o de ideias. Apreciaremos um filme nazista em nome da liberdade art&iacute;stica? Vamos incitar o &oacute;dio racial? Prestigiar a pedofilia? Achincalhar objetos religiosos? &Eacute; preciso ser coerente. Fatores pol&iacute;ticos e econ&ocirc;micos definem muito da &ldquo;liberdade art&iacute;stica&rdquo; atual. Ningu&eacute;m avalia uma obra de arte apenas esteticamente, pois ela promove ideias. <br /> &nbsp;<br /> N&atilde;o se pode esquecer a grande li&ccedil;&atilde;o da &eacute;poca do nazismo. O movimento racista foi fruto de uma obsess&atilde;o est&eacute;tica de um artista frustrado: Adolf Hitler. O document&aacute;rio de Peter Cohen Arquitetura da Destrui&ccedil;&atilde;o &eacute; &uacute;til para entender os desdobramentos do &ldquo;sonho est&eacute;tico&rdquo; que se tornou o maior pesadelo humanit&aacute;rio da hist&oacute;ria. Portanto, imunidade absoluta do artista &eacute; absurdo. Somos ao mesmo tempo um ser moral, religioso, est&eacute;tico, metaf&iacute;sico etc. A arte deve ser ben&eacute;fica &agrave; sociedade. Precisa dialogar com a f&eacute; e a &eacute;tica; s&oacute; assim teremos uma boa est&eacute;tica, para al&eacute;m da inimizade.<br /> &nbsp;<br /> <b><i>Luiz Say&atilde;o</i></b> &eacute; pastor, te&oacute;logo e hebra&iacute;sta da Igreja Batista Na&ccedil;&otilde;es Unidas (S&atilde;o Paulo-SP)<br />