É de ter vergonha do Ministério Público

29 de novembro de 2017 às 17:28

Editoria
Sem mais, nem menos, eis que o programa &quot;<b><i>Fant&aacute;stico</i></b>&quot; da Rede Globo exibe imagens de S&eacute;rgio Cabral e Garotinho, ex-governadores do Rio de Janeiro, na pris&atilde;o em que se encontram. Presos est&atilde;o, sem culpa formada, porque seriam, ao ver de ju&iacute;zes deformados pela tal &quot;<b><i>opini&atilde;o p&uacute;blica</i></b>&quot;, t&atilde;o perigosos quanto Hannibal Lecter, o assassino serial engaiolado no filme &quot;<b><i>O sil&ecirc;ncio dos inocentes</i></b>&quot;.<br /> <br /> As imagens dos pol&iacute;ticos preventivamente presos teriam sido obtidas com apoio imprescind&iacute;vel de membros do Minist&eacute;rio P&uacute;blico do Rio de Janeiro, aquela mesma institui&ccedil;&atilde;o que convidou Kim Kataguiri para palestrar sobre &quot;<b><i>bandidolatria</i></b>&quot;. Desviaram-se criminosamente de sua fun&ccedil;&atilde;o de fiscalizadores da execu&ccedil;&atilde;o penal para exporem a intimidade de pessoas presas preventivamente.<br /> <br /> H&aacute; algo de muito doentio com nossas institui&ccedil;&otilde;es persecut&oacute;rias, a&iacute; inclu&iacute;do o judici&aacute;rio com compet&ecirc;ncia penal, porque h&aacute; muito deixou de ser isento para comungar, com o minist&eacute;rio p&uacute;blico e a pol&iacute;cia, a cosmovis&atilde;o falso-moralista e punitivista. Hoje, quem cai nas garras dessa troika, que n&atilde;o espere justi&ccedil;a. N&atilde;o espere imparcialidade. Saiba que corre o risco de ser exposto, junto com sua fam&iacute;lia, &agrave; execra&ccedil;&atilde;o p&uacute;blica, conduzido de bara&ccedil;o e preg&atilde;o diante das c&acirc;meras de televis&atilde;o. Pouco interessa se o caso contra si &eacute; fr&aacute;gil ou forte; a gravidade da acusa&ccedil;&atilde;o que pesa &eacute; medida pela audi&ecirc;ncia que possa ser atra&iacute;da, composta de um p&uacute;blico c&uacute;pido em se deleitar com a desgra&ccedil;a alheia. Se o suspeito exposto &eacute; uma personalidade p&uacute;blica, a audi&ecirc;ncia vai ao del&iacute;rio, para regozijo da m&iacute;dia e, sobretudo, dos meganhas travestidos de ju&iacute;zes, promotores e investigadores.<br /> <br /> A Schadenfreude virou sentimento leg&iacute;timo. Nunca, depois do iluminismo, se festejou tanto, nestas terras, o supl&iacute;cio exposto de alvejados pelo sistema persecut&oacute;rio, quanto nos dias atuais, em tempos de Lava-Jato. Falta s&oacute; amarr&aacute;-los na roda e esquartej&aacute;-los em pra&ccedil;a p&uacute;blica. E a massa celerada ovaciona o minist&eacute;rio p&uacute;blico que lhe proporciona tamanho show. Pouco lhe interessa que o pr&oacute;ximo a cair nas malhas dessa institui&ccedil;&atilde;o sem freio e sem crit&eacute;rio pode ser cada um daqueles que ali est&atilde;o em espasm&oacute;dico orgasmo de ira descontrolada. Porque, para virar alvo de promotores ou procuradores falso-moralistas e redentoristas, basta estar no lugar errado, na hora errada.<br /> <br /> E, em tempos de Lava-Jato, os Dallagn&oacute;is da vida assumem abertamente que &quot;<b><i>sem exposi&ccedil;&atilde;o</i></b>&quot; n&atilde;o seria poss&iacute;vel responsabilizar os alvos de sua sacrossanta opera&ccedil;&atilde;o. Na falta de provas, de argumento t&eacute;cnico, o del&iacute;rio das massas legitima a repress&atilde;o. Por isso anunciam, para sua audi&ecirc;ncia de s&aacute;dicos psicopatas, que 2018 ser&aacute; o ano da &quot;<b><i>batalha final</i></b>&quot; da Lava-Jato, um cl&iacute;max imperd&iacute;vel, a coincidir com as elei&ccedil;&otilde;es gerais e, claro, com prometido potencial de influenci&aacute;-la em proveito de quem, por juizecos e promotorecos, s&atilde;o tidos como merecedores da confian&ccedil;a popular.<br /> <br /> N&atilde;o escondem que o teatro s&oacute;rdido montado contra personagens de visibilidade tem finalidade pol&iacute;tica. Depois de terem virado her&oacute;is nacionais por for&ccedil;a de midi&aacute;tica atua&ccedil;&atilde;o &agrave; margem da Constitui&ccedil;&atilde;o e das leis processuais, querem se assenhorar do Estado como um todo, avalizando, ou n&atilde;o, quem se candidate a cargo eletivo. Cria-se, assim, o index personarum prohibitorum do minist&eacute;rio p&uacute;blico.<br /> <br /> Resta-nos prantear essa institui&ccedil;&atilde;o, que traiu sua mui promissora miss&atilde;o constitucional de promotora dos valores democr&aacute;ticos e dos direitos fundamentais, para se tornar um c&iacute;nico verdugo a buscar aplauso de uma gentalha embrutecida, sem escr&uacute;pulos. Tudo em nome de um primitivo conceito de moralidade que n&atilde;o se sustenta diante dos abusos cometidos, da ambi&ccedil;&atilde;o desmedida e da gan&acirc;ncia por desproporcionais vantagens pela fun&ccedil;&atilde;o mal e conspiratoriamente exercida.<br /> <br /> Triste fim do minist&eacute;rio p&uacute;blico a que pertenci em atividade com tanta honra. Vulgarizou-se. Amesquinhou-se. Tornou-se um trambolho, um estorvo para as for&ccedil;as democr&aacute;ticas deste pa&iacute;s. Gordo e autossuficiente, deleita-se no seu bem-estar, sem preocupa&ccedil;&atilde;o com milhares de brasileiras e de brasileiros impactados pela baderna pol&iacute;tica e econ&ocirc;mica que causaram; brasileiras e brasileiros que n&atilde;o moram no Lago Sul de Bras&iacute;lia, n&atilde;o moram em Ipanema ou no Leblon do Rio de Janeiro e nem nos Jardins de S&atilde;o Paulo. N&atilde;o t&ecirc;m recursos para planos de sa&uacute;de eficientes que nem o Plan-Assiste do Minist&eacute;rio P&uacute;blico da Uni&atilde;o e nem para colocar filhos em escola privada. Ser&aacute; que os promotorezinhos e os procuradorezinhos pensam que essa popula&ccedil;&atilde;o se alimenta de bl&aacute;-bl&aacute;-bl&aacute; moralista? Acabaram os empregos, acabaram-se os direitos &mdash; &quot;<b><i>MAS temos o combate &agrave; corrup&ccedil;&atilde;o!</i></b>&quot; &Eacute; esse discurso que vai encher a barriga dos que foram esmagados pelo golpe do &quot;<b><i>mercado</i></b>&quot; e de seus interesseiros lacaios? N&atilde;o acredito...<br /> <br /> Um minist&eacute;rio p&uacute;blico que precisa de aplauso para trabalhar descarrilhou. A repress&atilde;o penal, lembra Foucault, por tangenciar perigosamente os fundamentos do Estado democr&aacute;tico de Direito e toda nossa autocompreens&atilde;o civilizat&oacute;ria, precisa ser levada a efeito, em nossos dias, com discri&ccedil;&atilde;o e at&eacute; certa vergonha. Porque se houve grave les&atilde;o a bem jur&iacute;dico fundamental, foi todo o sistema de preven&ccedil;&atilde;o que falhou. Falhou a educa&ccedil;&atilde;o, falhou a vigil&acirc;ncia, falharam os legisladores e falhou a pr&oacute;pria justi&ccedil;a que n&atilde;o soube cumprir seu papel de exemplo.<br /> <br /> Claro que &eacute; muito mais f&aacute;cil apontar para um culpado e extirp&aacute;-lo para deleite de um p&uacute;blico que se diz ofendido, do que perquirir as causas do comportamento desviante e propor medidas concretas para seu enfrentamento, que n&atilde;o seja mais repress&atilde;o midi&aacute;tica. Mas, pregui&ccedil;oso trabalha dobrado. A sociedade que se contenta com o atalho da persecu&ccedil;&atilde;o penal e festeja seus verdugos n&atilde;o superar&aacute; seus v&iacute;cios, mas afundar&aacute; na barbaridade e na ignor&acirc;ncia e, por isso, ser&aacute; o terreno f&eacute;rtil para aproveitadores inescrupulosos. A corrup&ccedil;&atilde;o n&atilde;o diminuir&aacute;, apenas se organizar&aacute; para driblar os falso-moralistas. E um dia inexoravelmente cair&aacute; a m&aacute;scara desse minist&eacute;rio p&uacute;blico que nada fez a n&atilde;o ser barulho e tanto nos envergonha. Trabalharemos dobrado para nos desvencilharmos desse trambolho e enfrentarmos seriamente a tal corrup&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Eug&ecirc;nio Arag&atilde;o, ex-ministro da Justi&ccedil;a<br /> Fonte: https://www.brasil247.com/