Correntina e a autodefesa popular

29 de novembro de 2017 às 19:14

Frei Betto
O preconceito suscita emo&ccedil;&atilde;o e a emo&ccedil;&atilde;o conduz &agrave; precipita&ccedil;&atilde;o e, por vezes, a ju&iacute;zos injustos e descabidos. Foi o que ocorreu a partir das imagens, mostradas pelos telejornais, de instala&ccedil;&otilde;es de uma fazenda em Correntina (BA) destru&iacute;das, no dia de Finados, por supostos invasores.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;<br /> Logo ecoou a grita geral de personalidades conservadoras: &ldquo;Foi coisa do MST!&rdquo; Como quem diz: &ldquo;Coisa de preto&rdquo;...<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> A fazenda Igarashi, de capital japon&ecirc;s, situada no oeste da Bahia, tem cinco mil hectares. Para irrigar a sua monocultura decidiu captar &aacute;gua dos rios Correntina, Grande e Carinhanha. Isso em uma regi&atilde;o marcada por longos per&iacute;odos de seca.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> Centenas de fam&iacute;lias de pequenos agricultores, que dependem da &aacute;gua dos rios, se sentiram amea&ccedil;adas em sua sobreviv&ecirc;ncia como produtoras e pessoas f&iacute;sicas. Reclamaram junto &agrave;s autoridades. N&atilde;o se tomou nenhuma medida.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> No dia 2 de novembro, decidiram promover uma a&ccedil;&atilde;o de protesto na fazenda. Logo atribu&iacute;da ao MST pelos que &ldquo;primeiro atiram e, depois, perguntam&rdquo;. Ora, o MST n&atilde;o se faz presente na regi&atilde;o, nem como n&uacute;cleo de base nem como acampamento ou assentamento.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> O protesto das v&iacute;timas da a&ccedil;&atilde;o nefasta do agroneg&oacute;cio nip&ocirc;nico foi organizado por movimentos pastorais e sociais da regi&atilde;o, e atingidos por barragens.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> Comprovou-se que os projetos de capta&ccedil;&atilde;o de &aacute;gua n&atilde;o levaram em conta os impactos socioambientais e, assim, secam os rios da regi&atilde;o e provocam queda de energia. Havia um evidente processo de monopoliza&ccedil;&atilde;o privada dos recursos h&iacute;dricos.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> Desde a d&eacute;cada de 1970 se multiplicam viola&ccedil;&otilde;es e crimes do agroneg&oacute;cio naquela &aacute;rea. E as autoridades se fazem de surdas. Em 2000, populares desativaram um canal que pretendia desviar as &aacute;guas do Rio Arrojado. Manifesta&ccedil;&otilde;es religiosas, conduzidas pelo canto f&uacute;nebre das &ldquo;Alimentadeiras de alma&rdquo;, foram promovidas para denunciar a morte das nascentes. Romarias, com milhares de pessoas, alertaram para a destrui&ccedil;&atilde;o dos Cerrados.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> Em 2015, um grande ato com 6 mil pessoas tentou impedir a outorga de &aacute;gua para as duas fazendas alvos dos protestos recentes. O ato foi ignorado pelos &oacute;rg&atilde;os ambientais da Bahia, que autorizaram a explora&ccedil;&atilde;o de 183 mil metros c&uacute;bicos/dia.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> Este volume de &aacute;gua, canalizado para apenas duas fazendas, equivale a mais de 106 milh&otilde;es de litros di&aacute;rios, suficientes para abastecer, por dia, mais de 6,6 mil cisternas dom&eacute;sticas de 16.000 litros na regi&atilde;o do Semi&aacute;rido. Segundo a Comiss&atilde;o Pastoral da Terra, agrava-se a situa&ccedil;&atilde;o devido &agrave; crise h&iacute;drica do Rio S&atilde;o Francisco.<br /> <br /> Hoje, a barragem de Sobradinho, considerada o &ldquo;cora&ccedil;&atilde;o artificial&rdquo; do rio, se encontra com o volume &uacute;til de apenas 2,84%. E a &aacute;gua consumida pela popula&ccedil;&atilde;o de Correntina, aproximadamente 3 milh&otilde;es de litros/dia, equivale a apenas 2,8% da vaz&atilde;o retirada pela fazenda do Rio Arrojado.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; <br /> O povo de Correntina exerceu o seu direito democr&aacute;tico de chamar a aten&ccedil;&atilde;o das autoridades e da opini&atilde;o p&uacute;blica para o sedec&iacute;dio a que est&aacute; sendo injustamente condenado.<br /> <br /> <b><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_frei-betto.jpg" align="left" width="60" hspace="3" height="80" alt="" /><br /> <br /> Frei Betto</b>. Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o pr&ecirc;mio Jabuti (1982, com &quot;Batismo de Sangue&quot;, e 2005, com &quot;T&iacute;picos Tipos&quot;) <br />