A PEC 287 fragiliza a previdência pública e a aposentaria dos brasileiros

11 de dezembro de 2017 às 18:36

Geraldo Seixas
A prote&ccedil;&atilde;o social deve perseguida como prioridade por qualquer sociedade que busca o desenvolvimento socioecon&ocirc;mico e a estabilidade pol&iacute;tica. No Brasil, ainda temos milh&otilde;es de cidad&atilde;os que vivem desprotegidos e necessitam do sistema de seguridade e de previd&ecirc;ncia p&uacute;blicos, sem os quais os impactos pol&iacute;ticos, econ&ocirc;micos e sociais atingiriam a todos.<br /> <br /> O fato &eacute; que a grande maioria das fam&iacute;lias brasileiras n&atilde;o pode abrir m&atilde;o dos recursos distribu&iacute;dos pela Previd&ecirc;ncia Social, independentemente da renda, sejam eles trabalhadores da iniciativa privada ou do servi&ccedil;o p&uacute;blico, aposentados e/ou pensionistas. Mesmo os que est&atilde;o na ativa dependem desse sistema de forma direta ou indireta, e em algum momento de suas vidas v&atilde;o necessitar dos recursos distribu&iacute;dos por benef&iacute;cios previdenci&aacute;rios ou assistenciais como aposentadorias, sal&aacute;rio-maternidade, aposentadoria por invalidez, aux&iacute;lio-doen&ccedil;a, pens&atilde;o por morte, Benef&iacute;cio de Presta&ccedil;&atilde;o Continuada da Assist&ecirc;ncia Social ou outros.<br /> <br /> De fato, a Previd&ecirc;ncia Social est&aacute; presente no dia a dia de cada cidad&atilde;o e, tamb&eacute;m por isso, precisa ser compreendida em toda a sua extens&atilde;o e percebida como uma parte extremamente importante do complexo processo social, pol&iacute;tico e econ&ocirc;mico de nosso pa&iacute;s. Assim, todo e qualquer debate envolvendo a Previd&ecirc;ncia Social n&atilde;o pode se limitar &agrave;s discuss&otilde;es sobre a exist&ecirc;ncia ou n&atilde;o de um d&eacute;ficit or&ccedil;ament&aacute;rio o que, portanto, j&aacute; aponta para um dos principais equ&iacute;vocos contidos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, que trata da reforma da Previd&ecirc;ncia.<br /> <br /> Aprovar a proposta de reforma da Previd&ecirc;ncia nos termos expressos na PEC 287 vai agravar ainda mais a crise econ&ocirc;mica e social em nosso pa&iacute;s. Os recursos da Previd&ecirc;ncia Social distribu&iacute;dos para aposentados e pensionistas superam a arrecada&ccedil;&atilde;o de 80% dos munic&iacute;pios. Em mais de 70% das 5.570 cidades brasileiras, o dinheiro dos trabalhadores aposentados e demais benefici&aacute;rios do Regime Geral da Previd&ecirc;ncia Social (RGPS) supera o valor repassado pelo Fundo de Participa&ccedil;&atilde;o dos Munic&iacute;pios (FPM).<br /> <br /> N&atilde;o se trata apenas da prote&ccedil;&atilde;o de parcela expressiva da popula&ccedil;&atilde;o, trata-se tamb&eacute;m do impacto direto na atividade econ&ocirc;mica de boa parte das cidades do Pa&iacute;s gerados pela transfer&ecirc;ncia dos recursos das aposentadorias, pens&otilde;es e demais benef&iacute;cios da seguridade. Reduzir o tamanho da Previd&ecirc;ncia, por meio da diminui&ccedil;&atilde;o do valor das aposentadorias e pens&otilde;es, ter&aacute; impacto direto na economia brasileira e afetar&aacute; a atividade econ&ocirc;mica, principalmente, de pequenas e m&eacute;dias empresas que t&ecirc;m seu faturamento associado ao consumo de produtos e servi&ccedil;os. A retra&ccedil;&atilde;o da atividade econ&ocirc;mica e o empobrecimento de parcela significativa da popula&ccedil;&atilde;o tamb&eacute;m trar&aacute; impactos negativos para a arrecada&ccedil;&atilde;o de tributos com efeito para o equil&iacute;brio fiscal ao longo do tempo.<br /> <br /> A proposta defendida pelo governo e por alguns segmentos da economia, em especial, os bancos, altera significativamente a previd&ecirc;ncia e a assist&ecirc;ncia social e tem forte car&aacute;ter de redu&ccedil;&atilde;o de direitos e gastos. A equipara&ccedil;&atilde;o dos regimes pr&oacute;prio (RPPS) e geral (RGPS) promover&aacute;, inevitavelmente, a privatiza&ccedil;&atilde;o do sistema previdenci&aacute;rio e favorecer&aacute; apenas empresas que j&aacute; operam no setor.<br /> <br /> Al&eacute;m do impacto or&ccedil;ament&aacute;rio, &eacute; preciso inserir no debate sobre o financiamento da Previd&ecirc;ncia P&uacute;blica todos os efeitos causados pelo hist&oacute;rico de isen&ccedil;&otilde;es fiscais, desvios e tamb&eacute;m da sonega&ccedil;&atilde;o ao longo dos anos. Somente entre 2005 e 2015, a Desvincula&ccedil;&atilde;o de Receitas da Uni&atilde;o (DRU), dispositivo que permite ao governo federal desvincular hoje 30% das receitas da seguridade social, ressalvadas as contribui&ccedil;&otilde;es previdenci&aacute;rias, retirou mais de R$ 520 bilh&otilde;es de recursos do caixa da Previd&ecirc;ncia. Em 2016, pelo mesmo ralo da DRU escoaram mais de R$ 92 bilh&otilde;es dos cofres da Previd&ecirc;ncia.<br /> <br /> A Previd&ecirc;ncia tamb&eacute;m perdeu mais de R$ 450 bilh&otilde;es em d&iacute;vidas tribut&aacute;rias n&atilde;o pagas por empresas privadas. Existem outros R$ 175 bilh&otilde;es em d&iacute;vidas previdenci&aacute;rias inscritas na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Dinheiro que empres&aacute;rios recolheram dos trabalhadores ao longo de d&eacute;cadas e que n&atilde;o foram repassados aos cofres da Previd&ecirc;ncia.<br /> <br /> As receitas da Previd&ecirc;ncia tamb&eacute;m foram esvaziadas por outros meios ao longo dos anos. Os recursos da previd&ecirc;ncia e da seguridade financiaram projetos de constru&ccedil;&atilde;o e infraestrutura, foram usados no pagamento de juros da d&iacute;vida p&uacute;blica e outros fins, servindo a decis&otilde;es pol&iacute;ticas de in&uacute;meros governos. At&eacute; por esses motivos as discuss&otilde;es sobre o chamado d&eacute;ficit da previd&ecirc;ncia ou rombo devem considerar todas essas decis&otilde;es. Nesse mesmo sentido, devem tamb&eacute;m ser consideradas como receita da seguridade social todas as ren&uacute;ncias fiscais vinculadas a essa esfera or&ccedil;ament&aacute;ria. Somente em 2016, o conjunto das ren&uacute;ncias totalizou R$ 271 bilh&otilde;es.<br /> <br /> Um estudo do Instituto de Pesquisa Econ&ocirc;mica Aplicada (IPEA) identificou que a previd&ecirc;ncia social brasileira destinou mais de R$ 400 bilh&otilde;es a finalidades estranhas a sua fun&ccedil;&atilde;o, do in&iacute;cio da d&eacute;cada de 1960 at&eacute; 1996. Corrigido esse valor, seria equivalente a R$ 5,2 trilh&otilde;es em janeiro de 2017. Pesquisas acad&ecirc;micas mostraram que de 1945 a 1980, a previd&ecirc;ncia acumulou um super&aacute;vit da ordem de R$ 598,7 bilh&otilde;es que corrigidos e atualizados esses valores chegariam a R$ 8,25 trilh&otilde;es aos cofres da Previd&ecirc;ncia. Todas essas s&atilde;o informa&ccedil;&otilde;es p&uacute;blicas que constam do relat&oacute;rio final aprovado pela Comiss&atilde;o Parlamentar de Inqu&eacute;rito do Senado Federal destinada a investigar a contabilidade da previd&ecirc;ncia social. Segundo o relat&oacute;rio, esses foram recursos retirados da receita previdenci&aacute;ria quando deveriam ser custeados pelo or&ccedil;amento dos governos. Uma conduta, diga-se de passagem, presente at&eacute; os dias de hoje.<br /> <br /> Levantamentos atuais da Receita Federal mostram que a desonera&ccedil;&atilde;o da folha de pagamento das empresas, pol&iacute;tica de incentivo adotada entre os anos de 2012 a 2016 para enfrentar os impactos da crise econ&ocirc;mica atual retirou da Seguridade Social mais de R$ 80 bilh&otilde;es. Soma-se tamb&eacute;m a essa conta R$ 370 bilh&otilde;es em ren&uacute;ncias das contribui&ccedil;&otilde;es para a Seguridade Social, entre os 2014 e 2016. O caixa da Previd&ecirc;ncia tamb&eacute;m contabiliza de forma negativa outras ren&uacute;ncias, conforme aponta o relat&oacute;rio da CPI. Foram R$ 8 bilh&otilde;es para favorecer a exporta&ccedil;&atilde;o da produ&ccedil;&atilde;o rural; R$ 12 bilh&otilde;es em ren&uacute;ncias de entidades filantr&oacute;picas; R$ 22 bilh&otilde;es de ren&uacute;ncias do Simples Nacional.<br /> <br /> N&atilde;o fossem todas as contradi&ccedil;&otilde;es j&aacute; expostas, principalmente em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; exist&ecirc;ncia de um d&eacute;ficit que n&atilde;o se sustenta, como demonstrado de forma inequ&iacute;voca no relat&oacute;rio final aprovado pela CPI da Previd&ecirc;ncia, o debate em torno da PEC 287 torna-se ainda mais impr&oacute;prio e distante da realidade quando o mesmo governo aprova novas medidas de ren&uacute;ncias fiscais que agravar&atilde;o ainda mais o quadro da crise fiscal. Ou seja, sob pretexto de sanear as contas p&uacute;blicas, o governo imp&otilde;e um projeto de reforma que acaba com a Previd&ecirc;ncia P&uacute;blica, ao mesmo tempo em que aprova na C&acirc;mara um conjunto de projetos que permite novos parcelamentos de d&iacute;vidas de produtores rurais com o Fundo de Assist&ecirc;ncia ao Trabalhador Rural (Funrural) que v&atilde;o gerar um impacto de mais R$ 15 bilh&otilde;es em ren&uacute;ncias fiscais.<br /> <br /> H&aacute; poucos meses, o Congresso Nacional j&aacute; havia aprovado o chamado novo Refis, que possibilitou desonera&ccedil;&otilde;es de impostos superiores a R$ 543 bilh&otilde;es em um per&iacute;odo de tr&ecirc;s anos. S&atilde;o recursos que deixar&atilde;o de ser arrecadados para os cofres da Uni&atilde;o e que ir&atilde;o inviabilizar qualquer tentativa de ajuste fiscal ou de equaliza&ccedil;&atilde;o das contas p&uacute;blicas e, portanto, v&atilde;o impactar tamb&eacute;m no financiamento da previd&ecirc;ncia e da seguridade social.<br /> <br /> O mais estarrecedor &eacute; que essa roda de isen&ccedil;&otilde;es n&atilde;o para. O governo, nesse exato momento, tamb&eacute;m luta para aprovar a Medida Provis&oacute;ria 795, que concede incentivos fiscais de mais de R$ 1 trilh&atilde;o para petrol&iacute;feras estrangeiras, a chamada &quot;MP do Trilh&atilde;o&quot; ou &quot;MP da Shell&quot;.<br /> <br /> Todo esse hist&oacute;rico de desvios e ren&uacute;ncias est&aacute; diretamente associados ao que se convencionou noticiar dia e noite pela imprensa de d&eacute;ficit da previd&ecirc;ncia ou rombo como muitos preferem. Fica evidente que n&atilde;o h&aacute; como debater o sistema previdenci&aacute;rio do Pa&iacute;s sem considerar os impactos estruturais gerados por esse hist&oacute;rico de ren&uacute;ncias, isen&ccedil;&otilde;es, desvios e sonega&ccedil;&atilde;o. Sem um diagn&oacute;stico amplo e transparente n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel construir um pacto social s&oacute;lido visando a supera&ccedil;&atilde;o desse problema estrutural do Pa&iacute;s.<br /> <br /> O que propomos &eacute; discutir todos os aspectos relacionados n&atilde;o apenas ao financiamento da Previd&ecirc;ncia e da Seguridade Social. &Eacute; preciso debater a real abrang&ecirc;ncia e os efeitos dos benef&iacute;cios e incentivos fiscais, que s&atilde;o instrumentos importantes, mas que precisam ser utilizados com base no interesse p&uacute;blico e n&atilde;o apenas visando o interesse de seletos grupos econ&ocirc;micos, conclus&atilde;o que est&aacute; presente no relat&oacute;rio final da CPI da Previd&ecirc;ncia.<br /> <br /> Da mesma maneira, &eacute; preciso investir na consolida&ccedil;&atilde;o de uma pol&iacute;tica nacional de enfrentamento da sonega&ccedil;&atilde;o fiscal, criando mecanismos efetivos de cobran&ccedil;a, o que inclui o fim dos programas de refinanciamento e parcelamentos de cr&eacute;ditos tribut&aacute;rios que j&aacute; se mostraram ineficazes e que da forma atual servem apenas como incentivo &agrave; inadimpl&ecirc;ncia. Conclus&atilde;o expressa tamb&eacute;m em estudos da Receita Federal do Brasil que demonstraram os terr&iacute;veis impactos gerados pelos parcelamentos especiais concedidos nos &uacute;ltimos 16 anos. Nesse per&iacute;odo, foram criados, aproximadamente, 30 programas de parcelamentos especiais, todos com expressivas redu&ccedil;&otilde;es nos valores das multas, dos juros e dos encargos legais e prazos extremamente longos para o pagamento de d&iacute;vidas tribut&aacute;rias.<br /> <br /> N&atilde;o se pode mais analisar a pol&iacute;tica fiscal de forma dissociada da atividade econ&ocirc;mica, o que pressup&otilde;e tamb&eacute;m um amplo esfor&ccedil;o para enfrentar os verdadeiros entraves ao crescimento que passam para um debate pol&iacute;tico da matriz econ&ocirc;mica do Pa&iacute;s. N&atilde;o &eacute; tarefa simples fazer o Pa&iacute;s voltar a crescer e n&atilde;o ser&aacute; a aprova&ccedil;&atilde;o da PEC 287 que vai ajudar o Brasil e os brasileiros a enfrentar todas essas limita&ccedil;&otilde;es e obst&aacute;culos.<br /> <br /> Somos amplamente a favor do debate e acreditamos que &eacute; preciso discutir o sistema previdenci&aacute;rio, defendemos mudan&ccedil;as na Administra&ccedil;&atilde;o Tribut&aacute;ria e Aduaneira, trabalhamos intensamente pela moderniza&ccedil;&atilde;o da Receita Federal e do Estado brasileiro e, justamente, por todos esses motivos temos plena consci&ecirc;ncia de todas as amea&ccedil;as e preju&iacute;zos contidos na PEC 287 e no projeto de reforma da Previd&ecirc;ncia do governo, que tentar&aacute; votar a proposta ainda este ano na C&acirc;mara.<br /> <br /> J&aacute; est&aacute; provado! A PEC 287 fragiliza a previd&ecirc;ncia p&uacute;blica e a aposentaria dos brasileiros, enquanto instrumento de promo&ccedil;&atilde;o do bem-estar social.<br /> <br /> <i><b>Geraldo Seixas</b></i> &ndash; Presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tribut&aacute;rios da Receita Federal do Brasil - Sindireceita