O papel do professor diante da discriminação racial em sala de aula

16 de dezembro de 2017 às 10:18

Tereza Cristina Prazeres
&Eacute; consenso que a rotina de trabalho de um professor vai muito al&eacute;m do que exigem as atribui&ccedil;&otilde;es normais da fun&ccedil;&atilde;o. Ele atua como um verdadeiro gestor em sala de aula; como mediador de conflitos e opini&otilde;es e, acima de tudo, como exemplo de conduta para os seus alunos. <br /> <br /> Um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelas escolas &eacute; a discrimina&ccedil;&atilde;o racial, heran&ccedil;a do nosso tr&aacute;gico passado escravagista, o que gera rejei&ccedil;&atilde;o e bullying, ou seja, viol&ecirc;ncia psicol&oacute;gica e at&eacute; mesmo f&iacute;sica contra alunos negros. Frente a tal situa&ccedil;&atilde;o lament&aacute;vel, &eacute; evidente que se pergunte qual &eacute; o papel do professor face a esse problema? <br /> <br /> Uma crian&ccedil;a branca que entra em uma escola pode estranhar a exist&ecirc;ncia de um colega negro sem necessariamente que isso caracterize preconceito. O per&iacute;odo de adapta&ccedil;&atilde;o &eacute; um momento de transi&ccedil;&atilde;o e todas as novidades na escola podem parecer intimidadoras aos olhos da crian&ccedil;a. Quem precisa mediar &agrave; situa&ccedil;&atilde;o acolhendo os alunos, auxiliando-os em sua percep&ccedil;&atilde;o quanto &agrave;s demais crian&ccedil;as, &eacute; o educador. Na maioria dos casos em que o professor interv&eacute;m rapidamente, os acontecimentos envolvendo estranheza de alunos a colegas negros n&atilde;o chegam a virar problema. <br /> <br /> Existem ocasi&otilde;es em que uma crian&ccedil;a branca se recusa firmemente a sentar-se ao lado de um menino ou menina negra, negando-se a fazer os trabalhos juntos e a dividir o banco do refeit&oacute;rio. Nos casos em que a crian&ccedil;a apresenta ind&iacute;cios de discrimina&ccedil;&atilde;o racial por outra crian&ccedil;a, como o professor deve agir? Ele deve esperar at&eacute; o m&ecirc;s de novembro &ndash; Dia da Consci&ecirc;ncia Negra &ndash; para abordar o assunto em sala de aula? <br /> <br /> Os traumas que o sentimento de rejei&ccedil;&atilde;o e de exclus&atilde;o podem causar em uma crian&ccedil;a podem se tornar irrevers&iacute;veis. N&atilde;o se trata de um acess&oacute;rio de vestu&aacute;rio, por exemplo, que a crian&ccedil;a pode simplesmente se negar a vestir novamente. A cor de pele n&atilde;o &eacute; escolha dela e n&atilde;o poder&aacute; ser alterada por vontade pr&oacute;pria. Analisando a situa&ccedil;&atilde;o, o educador precisa agir para resolver a quest&atilde;o rapidamente e incluir em seu gerenciamento rotineiro a media&ccedil;&atilde;o de um problema que pode se propagar por toda a classe e at&eacute; ultrapassar os muros da escola. <br /> <br /> Sabemos que n&atilde;o &eacute; usual em nossa sociedade tomar a&ccedil;&otilde;es preventivas contra atitudes preconceituosas e as escolas seguem essa mesma tend&ecirc;ncia. A pr&oacute;pria cartilha de bullying retrata bem isso quando orienta o professor sobre como proceder depois que o fato j&aacute; ocorreu, mas em momento algum levanta quest&otilde;es sobre como prevenir o bullying. Estamos cientes da import&acirc;ncia da tratativa imediata e de forma adequada nesses casos, muito embora o ideal seria evitar que a agress&atilde;o ocorresse. <br /> <br /> Quando questionado sobre preconceito, bullying e agressividade das crian&ccedil;as, o profissional da educa&ccedil;&atilde;o geralmente responsabiliza exclusivamente a fam&iacute;lia e n&atilde;o se d&aacute; conta do quanto suas a&ccedil;&otilde;es t&ecirc;m influ&ecirc;ncia sobre os alunos. O aluno tem obviamente um direcionamento, uma percep&ccedil;&atilde;o para comportar-se desta ou daquela maneira, espelhando sua viv&ecirc;ncia familiar; por&eacute;m a escola tem igual influ&ecirc;ncia na forma&ccedil;&atilde;o de seu perfil comportamental. <br /> <br /> No momento em o professor chama os alunos brancos pelos seus nomes enquanto dirige-se &ldquo;carinhosamente&rdquo; ao aluno negro pelo apelido de &ldquo;neguinho&rdquo; ele abre um precedente para que os colegas tamb&eacute;m o chamem dessa forma. Ocorre o mesmo quando o professor chama uma aluna que est&aacute; acima do peso de &ldquo;fofinha&rdquo;. Neste caso ser&aacute; ele, o professor, e n&atilde;o a fam&iacute;lia, quem est&aacute; abrindo a porta para um padr&atilde;o de atitudes das crian&ccedil;as que poder&aacute; resultar em discrimina&ccedil;&atilde;o, exclus&atilde;o ou bullying. <br /> <br /> A conduta do professor n&atilde;o pode em hip&oacute;tese alguma ser tendenciosa. O tratamento deve ser igual para todos, chamando todos os alunos pelo nome, sem adjetivar ningu&eacute;m em raz&atilde;o de suas caracter&iacute;sticas f&iacute;sicas. E a crian&ccedil;a &eacute; peralta! Em muitos momentos passa a repetir a fala do professor, mas a interpreta&ccedil;&atilde;o feita pela crian&ccedil;a pode n&atilde;o corresponder ao que o professor tinha como inten&ccedil;&atilde;o quando falou; ent&atilde;o para evitar esse tipo de mal-entendido, ele deve chamar cada aluno pelo nome pr&oacute;prio.&nbsp; <br /> <br /> Portanto, professor e fam&iacute;lia dividem as responsabilidades na forma&ccedil;&atilde;o do pensamento da crian&ccedil;a e de como ela se comporta diante das situa&ccedil;&otilde;es. As a&ccedil;&otilde;es, gestos e falas de todas as pessoas que fazem parte da vida da crian&ccedil;a t&ecirc;m grande influ&ecirc;ncia na forma&ccedil;&atilde;o de opini&atilde;o, para o bem ou para o mal, ajudando a construir sua vis&atilde;o de mundo. <br /> <br /> A&ccedil;&otilde;es pontuais n&atilde;o trazem resultados satisfat&oacute;rios para a forma&ccedil;&atilde;o de um cidad&atilde;o cr&iacute;tico e consciente. O combate ao preconceito, em suas diferentes facetas, n&atilde;o ter&aacute; resultados efetivos se s&oacute; acontecer uma vez no ano. A atua&ccedil;&atilde;o do professor para combater a discrimina&ccedil;&atilde;o deve ser permanente. <br /> <br /> E a discrimina&ccedil;&atilde;o atinge tamb&eacute;m outros grupos &eacute;tnicos, como os &iacute;ndios. Como conseguiremos conscientizar a crian&ccedil;a de que a cultura nativa faz parte da nossa forma&ccedil;&atilde;o cultural como na&ccedil;&atilde;o se s&oacute; nos lembramos dos &iacute;ndios no dia 19 de abril? Esse &eacute; um ponto em que o professor tem falhado gera&ccedil;&atilde;o ap&oacute;s gera&ccedil;&atilde;o. Ora, somos um povo fruto da miscigena&ccedil;&atilde;o; por que n&atilde;o assumir essa perspectiva e traz&ecirc;-la, por exemplo, para rotina dos trabalhos de classe?<br /> <br /> Precisamos conscientizar as crian&ccedil;as de que nossas ra&iacute;zes s&atilde;o ind&iacute;genas, negras e brancas para que nossas crian&ccedil;as, desde a Educa&ccedil;&atilde;o Infantil, aceitem com naturalidade o fato de ter amigos de todas as etnias. Transformar a fala sobre respeito e igualdade em um h&aacute;bito contribuir&aacute; significativamente para a diminui&ccedil;&atilde;o de um problema que paira sobre a nossa sociedade. <br /> <br /> O professor deve escolher para o seu material de apoio personagens e situa&ccedil;&otilde;es que representem essa realidade multi&eacute;tnica e multicultural, independentemente das efem&eacute;rides. Ele n&atilde;o deve esperar que um aluno de uma etnia oprimida consiga sozinho reconhecer-se ou desejar ser um her&oacute;i, um escritor, um pr&iacute;ncipe, um inventor ou personagem de sucesso, se em toda sua vida ele nunca se viu retratado dessa forma, se essa possibilidade nunca foi demonstrada pelo professor em sala de aula. Afinal, a principal miss&atilde;o do educador &eacute; desenvolver pessoas para torna-las cidad&atilde;s. <br /> <br /> Portanto, o educador n&atilde;o pode ficar neutro frente a uma injusti&ccedil;a cometida contra um aluno. Ele deve assumir um papel ativo contra todo tipo de discrimina&ccedil;&atilde;o, exaltando a import&acirc;ncia e a beleza de todas as etnias que juntas formam a nossa popula&ccedil;&atilde;o. E para isso ele n&atilde;o precisa ser um especialista em hist&oacute;ria, nem um ativista social. Precisa apenas ser um bom exemplo para seus alunos.<br /> &nbsp;<br /> <i><b>Tereza Cristina Prazeres</b></i> &eacute; instrutora t&eacute;cnica na empresa Planneta (www.planneta.com.br). Atua com Educa&ccedil;&atilde;o Infantil e, na rede municipal de Osasco, no programa Inform&aacute;tica na Escola, oferecendo o uso da Tecnologia Digital da Informa&ccedil;&atilde;o e Comunica&ccedil;&atilde;o como um recurso did&aacute;tico e pedag&oacute;gico no contexto educacional. <br />