Menos barulho, mais análise!

20 de dezembro de 2017 às 17:07

Leide Albergoni
O pol&ecirc;mico relat&oacute;rio do Banco Mundial &ldquo;Um ajuste justo: Uma an&aacute;lise da efici&ecirc;ncia e da equidade do gasto p&uacute;blico no Brasil&rdquo; n&atilde;o traz grandes novidades para os economistas mais l&uacute;cidos e cr&iacute;ticos ao obeso Estado brasileiro. Encomendado pelo ent&atilde;o ministro da Fazenda Joaquim Levy &ndash; bem intencionado, mas ing&ecirc;nuo &ndash;, o trabalho elaborado por uma equipe de mais de 20 especialistas re&uacute;ne v&aacute;rios pontos criticados h&aacute; anos por economistas a favor da redu&ccedil;&atilde;o do tamanho do Estado na economia, com dados estat&iacute;sticos e modelo de an&aacute;lise de refer&ecirc;ncia internacional.<br /> <br /> O pressuposto do relat&oacute;rio &eacute; apontado logo no pref&aacute;cio: garantir um Estado que cumpra seu papel de corrigir as distor&ccedil;&otilde;es e injusti&ccedil;as para promover a redu&ccedil;&atilde;o da pobreza. Os dados apresentados, no entanto, apontam que o Estado brasileiro tem gerado efeito contr&aacute;rio, j&aacute; que alguns programas beneficiam os mais ricos em vez dos mais pobres e, se revistos, melhorariam a equidade e efici&ecirc;ncia. Das 19 medidas apontadas para melhorar a efici&ecirc;ncia dos gastos, sete delas melhorariam tamb&eacute;m a equidade e quatro s&atilde;o incertas, pois n&atilde;o t&ecirc;m medidas de avalia&ccedil;&atilde;o. Nenhuma, no entanto, piora a equidade distributiva.<br /> <br /> A maior pol&ecirc;mica gerada nas m&iacute;dias sociais foi em rela&ccedil;&atilde;o ao fim da gratuidade do ensino superior, rendendo manifesta&ccedil;&otilde;es superficiais e distorcidas, mas barulhentas. O trabalho aponta que os gastos com educa&ccedil;&atilde;o superior s&atilde;o ineficientes, j&aacute; que 65% dos estudantes de universidades p&uacute;blicas pertencem aos 40% mais ricos da popula&ccedil;&atilde;o. Educa&ccedil;&atilde;o superior gratuita deveria ser destinada aos que n&atilde;o tem condi&ccedil;&otilde;es de pagar, mas no caso brasileiro acentuam a desigualdade de renda. Ainda que atendessem aos mais pobres, os gastos por aluno em universidades federais s&atilde;o entre duas e cinco vezes superiores aos de universidades privadas.<br /> <br /> De modo geral, a educa&ccedil;&atilde;o &eacute; ineficiente no Brasil e o problema n&atilde;o &eacute; falta de recursos, mas seu mau gerenciamento. A m&eacute;dia da propor&ccedil;&atilde;o aluno/professor no ensino fundamental e m&eacute;dio &eacute; baixa, mas em determinados locais a rela&ccedil;&atilde;o &eacute; absurdamente elevada. Tentativas recentes de fechar escolas para melhorar a efici&ecirc;ncia da rela&ccedil;&atilde;o aluno/professor resultaram em protestos.<br /> <br /> Mas o relat&oacute;rio vai muito al&eacute;m disso. Aponta, por exemplo, a disparidade dos sal&aacute;rios do funcionalismo p&uacute;blico em rela&ccedil;&atilde;o ao setor privado, que s&atilde;o em m&eacute;dia 67% superiores em igual n&iacute;vel de escolaridade e experi&ecirc;ncia para os servidores federais e 30% para os servidores estaduais. Os sal&aacute;rios s&atilde;o mais elevados nos poderes Legislativo e Judici&aacute;rio. Esta atipicidade em rela&ccedil;&atilde;o ao padr&atilde;o internacional contribui para aumentar a desigualdade social, j&aacute; que 83% dos servidores p&uacute;blicos integram os 5% mais ricos da popula&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> A disparidade continua e se acentua na aposentadoria: enquanto quase todos os servidores se aposentam com sal&aacute;rio integral e benef&iacute;cios, na iniciativa privada isso &eacute; exce&ccedil;&atilde;o e ocorre especialmente para trabalhadores com renda muito baixa.<br /> <br /> N&atilde;o fica de fora a an&aacute;lise dos incentivos e subs&iacute;dios destinados ao setor produtivo. O trabalho aponta que s&atilde;o concentrados em grandes empresas, muitas vezes estrangeiras (do setor automotivo e de eletrodom&eacute;sticos, por exemplo) ou que contribuem para a redu&ccedil;&atilde;o da concorr&ecirc;ncia e mortalidade de pequenas empresas (frigor&iacute;ficos, eletr&ocirc;nicos, alimentos, vestu&aacute;rio, entre outros). N&atilde;o h&aacute; avalia&ccedil;&atilde;o da efici&ecirc;ncia dos programas e n&atilde;o se sabe se efetivamente geram emprego e renda &agrave; popula&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Mesmo os programas de prote&ccedil;&atilde;o social s&atilde;o descoordenados e sobrepostos, gerando inefici&ecirc;ncia em seu gerenciamento e em m&aacute; distribui&ccedil;&atilde;o dos recursos. Os programas para o mercado de trabalho s&atilde;o do tipo passivo, de apoio &agrave; renda, em vez de incentivar o emprego formal e est&aacute;vel. O relat&oacute;rio elogia o programa Bolsa Fam&iacute;lia como &ldquo;bem direcionado e eficaz em termos de custo&rdquo;.<br /> <br /> Outro ponto abordado &eacute; a inefici&ecirc;ncia na contrata&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os da iniciativa privada por meio de licita&ccedil;&otilde;es. Al&eacute;m dos pre&ccedil;os acima da m&eacute;dia de mercado, a falta de planejamento nas aquisi&ccedil;&otilde;es resulta em estoques vencidos em alguns lugares e falta de suprimentos em outros.<br /> <br /> A vincula&ccedil;&atilde;o obrigat&oacute;ria de receitas a gastos, como na educa&ccedil;&atilde;o e sa&uacute;de, tamb&eacute;m &eacute; ineficiente, pois munic&iacute;pios muito pobres continuam gastando pouco e munic&iacute;pios com grande arrecada&ccedil;&atilde;o precisam alocar os recursos naquela despesa para cumprir a meta. Se a vincula&ccedil;&atilde;o tivesse como objetivo melhorar a qualidade de vida, deveria ser um valor em rela&ccedil;&atilde;o ao n&uacute;mero de habitantes, n&atilde;o em rela&ccedil;&atilde;o ao or&ccedil;amento, j&aacute; que isso acentua a desigualdade regional.<br /> <br /> Talvez o ponto mais fr&aacute;gil do relat&oacute;rio seja em rela&ccedil;&atilde;o ao sistema previdenci&aacute;rio. Embora mostre que 35% dos subs&iacute;dios previdenci&aacute;rios beneficiam os 20% mais ricos, ao passo que somente 18% dos subs&iacute;dios beneficiam os 40% mais pobres da popula&ccedil;&atilde;o, a fragilidade do relat&oacute;rio &eacute; justamente apontar que a proposta de reforma enviada em maio para o Congresso reduziria o d&eacute;ficit pela metade e amenizaria a desigualdade entre os aposentados. De fato a reforma &eacute; necess&aacute;ria, mas o mesmo relat&oacute;rio aponta que o principal problema &eacute; o regime previdenci&aacute;rio do setor p&uacute;blico, cujo impacto na reforma seria bem menor que do setor privado. O apoio &agrave; reforma, no entanto, serviu de argumento para criticar o relat&oacute;rio como apoio ao governo atual.<br /> <br /> Outro ponto que o relat&oacute;rio n&atilde;o aborda &eacute; o custo com a classe pol&iacute;tica, que, se reduzido pela metade, n&atilde;o impactaria o desempenho do pa&iacute;s e certamente renderia alguns milh&otilde;es de economia anualmente.<br /> <br /> De modo geral, o relat&oacute;rio quantifica cr&iacute;ticas conhecidas h&aacute; d&eacute;cadas no pa&iacute;s, mas que n&atilde;o foram e dificilmente seriam implementadas em sua totalidade, pois mexeriam no bolso de grupos muito articulados, como servidores p&uacute;blicos e estudantes de universidades p&uacute;blicas.<br /> <br /> Um grupo de economistas publicou um &ldquo;manifesto&rdquo; contra o relat&oacute;rio cheio de adjetivos pejorativos, o que j&aacute; indica a fragilidade dos argumentos. Este grupo faz parte da corrente que defende que a carga tribut&aacute;ria brasileira n&atilde;o &eacute; alta e que, mesmo que fosse, &eacute; dif&iacute;cil reduzi-la, pois os gastos s&atilde;o engessados e qualquer corte teria pouco impacto. O relat&oacute;rio, no entanto, aponta cortes que variam de 0,2% a 2% do PIB, totalizando uma economia anual de 7% &ndash; quase o d&eacute;ficit fiscal atual, que &eacute; de 8% do PIB. Mas a solu&ccedil;&atilde;o apontada pelos que protestam &eacute; o aumento da carga tribut&aacute;ria.<br /> <br /> Os autores n&atilde;o s&atilde;o ing&ecirc;nuos e concluem que as medidas s&atilde;o profundas e sua implementa&ccedil;&atilde;o dependeria de mais de um mandato presidencial, al&eacute;m de di&aacute;logo com os demais n&iacute;veis de governo, movimentos sociais, sindicatos, associa&ccedil;&otilde;es empresariais, entre outros. Ou seja, depende da vontade pol&iacute;tica de uma na&ccedil;&atilde;o em mudar seus rumos, mas ningu&eacute;m quer abrir m&atilde;o de seus privil&eacute;gios, pois os problemas s&atilde;o sempre os outros. Quem critica o relat&oacute;rio n&atilde;o o leu, ou &eacute; um dos privilegiados que seriam prejudicados.<br /> &nbsp;<br /> <i><b><img src="/uploads/image/artigos_leide-albergoni_economista-professora-up.jpg" align="left" hspace="3" alt="" /><br /> <br /> Leide Albergoni</b></i> &eacute; economista, professora da Universidade Positivo e autora do livro &ldquo;Introdu&ccedil;&atilde;o &agrave; Economia &ndash; Aplica&ccedil;&otilde;es no Cotidiano&rdquo;. <br />