Quando o Natal não for um dia

23 de dezembro de 2017 às 12:49

João Baptista Herkenhof
Via-se que era um homem rico. Pelos trajes, pela postura, pela maneira como olhava tudo ao redor.&nbsp; A impress&atilde;o que transmitia era justamente essa: tudo posso, sou senhor e sou dono.<br /> <br /> Eu olhava de longe, como simples observador.<br /> <br /> Era dif&iacute;cil enxergar com profundidade, naquele ambiente de compras apressadas, de barulho ensurdecedor. Prefiro a quietude, mas n&atilde;o posso fugir do burburinho, em algumas situa&ccedil;&otilde;es especiais.<br /> <br /> A crian&ccedil;a, rompendo as normas de seguran&ccedil;a, penetrou naquele lugar, sem portar no rosto e nos trajes a senha exigida: &ldquo;sou um consumidor em potencial&rdquo;.<br /> <br /> O homem rico baixou os olhos e viu a crian&ccedil;a pobre.&nbsp; Havia tristeza no olhar do menino.&nbsp; Tirou da carteira uma nota de 50 reais e disse ao garoto:<br /> <br /> &ldquo;Tome, compre um presente de Natal.&rdquo;<br /> <br /> O pirralho apanhou a nota, um sorriso de satisfa&ccedil;&atilde;o estampou-se em seu semblante.&nbsp; Saiu correndo com a nota bonita por entre os dedos pequeninos.<br /> <br /> Observei o rosto daquele homem que olhava para tudo como senhor e dono.&nbsp; Pude captar seu pensamento:<br /> <br /> &ldquo;Que coisa maravilhosa!&nbsp; Sinto-me feliz.&nbsp; Esse sorriso de crian&ccedil;a deu-me mais satisfa&ccedil;&atilde;o, mais contentamento do que as festas a que vou, do que os empregados que me servem, do que os autom&oacute;veis de que me sirvo, do que os amigos que me bajulam.&rdquo;<br /> <br /> Dialoguei em sil&ecirc;ncio com o homem rico:<br /> <br /> &ldquo;Sim, meu caro. Os homens fogem da felicidade.&nbsp; O mundo &eacute; triste porque o Natal &eacute; apenas um dia.&nbsp; Quando toda noite for semelhante &agrave; noite em que Jesus nasceu, quando toda manh&atilde; for manh&atilde; de Natal, nossa vida mudar&aacute;.&nbsp; Ah, se f&ocirc;ssemos uma corrente cont&iacute;nua de amor, se n&atilde;o f&ocirc;ssemos ego&iacute;stas, avaros, competidores, fera junto ao irm&atilde;o, construir&iacute;amos um mundo novo.&nbsp; Se pratic&aacute;ssemos a Caridade, como o Ap&oacute;stolo Paulo a descreveu numa ep&iacute;stola imortal, que bom seria viver neste mundo, ent&atilde;o transformado em morada fraterna.&nbsp; A Caridade &eacute; a ajuda que ningu&eacute;m testemunha, &eacute; a palavra de carinho, o conselho amigo, o sorriso e o aceno, a disponibilidade completa, a humildade cont&iacute;nua.&nbsp; A Caridade &eacute; a luta pela transforma&ccedil;&atilde;o das estruturas sociais, &eacute; o combate permanente para construir a Justi&ccedil;a e a Paz. A Caridade &eacute; a pugna incessante contra todas as formas de opress&atilde;o, marginaliza&ccedil;&atilde;o e discrimina&ccedil;&atilde;o, pugna que muitas vezes cobra, como pre&ccedil;o, a pr&oacute;pria vida dos lutadores, m&aacute;rtires da edifica&ccedil;&atilde;o de uma outra sociedade.<br /> <br /> Quando o Natal n&atilde;o for apenas um dia, at&eacute; o Dia de Natal ser&aacute; diferente.&nbsp; Ningu&eacute;m estar&aacute; fora da celebra&ccedil;&atilde;o, n&atilde;o haver&aacute; muros, n&atilde;o haver&aacute; divis&otilde;es.&rdquo;<br /> &nbsp;<br /> <b><i>Jo&atilde;o Baptista Herkenhoff</i></b>, Juiz de Direito aposentado (ES), professor aposentado (UFES), palestrante em atividade, escritor.<br /> E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com / Site: www.palestrantededireito.com.br <br />