A mensagem do Natal

23 de dezembro de 2017 às 12:51

Daniel Medeiros
Durante muitos anos, tive sempre uma certa dificuldade em captar a mensagem do Natal. Quando menino, ouvia as mais diversas explica&ccedil;&otilde;es, ditas apressadamente pelos adultos: &ldquo;&eacute; o nascimento do nosso Senhor&rdquo;; &ldquo;&eacute; a data mais importante do mundo&rdquo;; &ldquo;&eacute; tempo de amor e de paz&rdquo;; &ldquo;&eacute; dia do papai Noel trazer presentes&rdquo;. Como n&atilde;o hesitar diante de t&atilde;o desencontradas respostas? Se &eacute; anivers&aacute;rio de algu&eacute;m, cabe a n&oacute;s dar presentes, n&atilde;o? Se &eacute; a data mais importante do mundo, por que os governantes n&atilde;o v&atilde;o para a televis&atilde;o falar sobre ela? N&atilde;o, n&atilde;o pode ser um tempo de amor e paz, afinal, trata-se de um dia (ou uma noite). Al&eacute;m disso, tempo de amor e paz n&atilde;o &eacute; nunca, ou deveria ser sempre. Ou quase sempre, pois era preciso descontar&nbsp; quando eu sentia raiva do meu irm&atilde;o, por usar minhas camisas, do meu pai, por me bater de cinta, ou da minha m&atilde;e, por me obrigar a comer quiabo.<br /> <br /> Sobrava a resposta mais plaus&iacute;vel, mais razo&aacute;vel, pelo menos para uma crian&ccedil;a: era dia de ganhar presente. Isso implicava acreditar que, durante a noite, um homem velho, com barbas longas, silenciosamente pularia o muro, abriria a janela, entraria na sala da sua casa e deixaria presentes sob a &aacute;rvore. N&atilde;o, n&atilde;o l&aacute; em casa. N&atilde;o havia &aacute;rvore. O presente era deixado no p&eacute; das nossas camas. Ele, portanto, saltava o muro, entrava na casa, atravessava o corredor, abria a porta do nosso quarto, no escuro (os cachorros n&atilde;o latiam, os patos n&atilde;o grasnavam, o galo n&atilde;o cantava) e deixava o presente de cada um no lugar certo. Presentes embrulhados com papel das Lojas Americanas. Era ador&aacute;vel, mas n&atilde;o havia como n&atilde;o questionar tudo isso. Olh&aacute;vamo-nos, meu irm&atilde;o e eu, titubeantes frente &agrave;quelas incoer&ecirc;ncias. Mas, como o crente diante da teoria do criacionismo, deix&aacute;vamos as lacunas e as contradi&ccedil;&otilde;es &oacute;bvias de lado e agarr&aacute;vamo-nos na &uacute;nica certeza que interessava: ganhamos presentes!<br /> <br /> Outra coisa era igualmente impactante. Na noite de Natal - havia sempre frango assado, arroz a grega e farofa, al&eacute;m de refrigerante (rar&iacute;ssimo!) - pairava um clima de assustadora tranquilidade: meus pais falavam com a voz mais pausada e &eacute;ramos acarinhados com m&atilde;os nos cabelos e beijos nas bochechas, como se tiv&eacute;ssemos feito a li&ccedil;&atilde;o na hora e limpado o quintal sem ningu&eacute;m pedir. S&oacute; depois descobri que essa mudan&ccedil;a de atitude era produzida pelo &ldquo;clima de Natal&rdquo;. Que se, no dia seguinte, a impaci&ecirc;ncia e os ru&iacute;dos voltassem aos n&iacute;veis normais, ningu&eacute;m questionava. O clima era o que era: s&oacute; uma brisa passageira. Mas era t&atilde;o bom!<br /> <br /> D&eacute;cadas se passaram e, &eacute; l&oacute;gico, busquei repetir toda essa encena&ccedil;&atilde;o com meu filho. N&atilde;o importava o quanto eu o deixava confuso com a minha separa&ccedil;&atilde;o da m&atilde;e dele, nem com as minhas explos&otilde;es diante de suas perguntas sofridas; muito menos com as minhas aus&ecirc;ncias cada vez mais longas da sua pequena vida. No dia de Natal, havia festa e presentes e o papai Noel. Abra&ccedil;os, palavras tremidas pela emo&ccedil;&atilde;o, promessas de amor e paz. Eu tentava manter o clima. E passou-se ainda mais tempo desde ent&atilde;o. Hoje, distraio-me buscando a mensagem de Natal nas mem&oacute;rias dessas d&eacute;cadas de eventos repetidos. E de tanto perscrutar, percebo agora que havia uma coisa a mais que sempre me escapou. Na ceia, em um certo momento - curto, distra&iacute;do - algu&eacute;m lembrava, mesmo que para fazer algum tipo de gra&ccedil;a, de Jesus. E eu me lembrava (como ainda me lembro) da hist&oacute;ria de seu nascimento. E isso sempre me emocionava. N&atilde;o me refiro a estiliza&ccedil;&atilde;o ficcional da vaquinha, da manjedoura, dos tr&ecirc;s reis magos. Vinha-me &agrave; mente (quase como um cheiro) o medo de Jos&eacute; e Maria, o desamparo, o frio, a incerteza quanto ao que ia acontecer. Aquele menino chorando, a m&atilde;e aliviada da dor, mas angustiada com o momento seguinte; o pai atento e aflito. Esse momento de vida, esse instante na noite perdida no tempo - ou apenas criada pela imagina&ccedil;&atilde;o - resume para mim a mensagem do Natal (que eu demorei tanto para aprender): h&aacute; algu&eacute;m, agora, sempre, nascendo em perigo, e viver&aacute; em perigo, sem que isso seja absolutamente necess&aacute;rio. Algu&eacute;m vindo de uma m&atilde;e e de um pai, que n&atilde;o espera nada da vida, apenas est&aacute; a&iacute;, porque foi gerado. E tudo o que ser&aacute; dele depende de como o trataremos e do que seremos para ele. O primeiro milagre de Jesus foi tornar Maria m&atilde;e e Jos&eacute; pai. E esse &eacute; o come&ccedil;o e a possibilidade de tudo.<br /> &nbsp;<br /> <i><b>Daniel Medeiros</b></i> &eacute; doutor em Educa&ccedil;&atilde;o Hist&oacute;rica pela UFPR e professor no Curso Positivo. <br />