Intolerância e religião? Onde está a razão?

24 de janeiro de 2018 às 09:48

Pastor Luiz Sayão
Recentemente, a Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Ateus e Agn&oacute;sticos (ATEA) declarou que &ldquo;quer odiar a religi&atilde;o, pois ela merece&rdquo;. Lament&aacute;vel. A justificativa &eacute; simples: Os religiosos s&atilde;o cheios de preconceitos. Cuidado com religi&atilde;o! Esse &eacute; o refr&atilde;o de grande parte da sociedade &ldquo;iluminada e secular&rdquo;. Faz sentido essa discrimina&ccedil;&atilde;o? O preconceito que v&ecirc; &ldquo;a religi&atilde;o&rdquo; como artigo de perfumaria n&atilde;o tem mais lugar. F&eacute; n&atilde;o &eacute; &ldquo;esquisitice&rdquo; de alguns, n&atilde;o se trata de um gosto pessoal toler&aacute;vel por amor &agrave; liberdade. Senti isso de perto nos anos de Universidade. Na sociedade secular, humanista, de pressuposto oposto ao da f&eacute;, particularmente do cristianismo, a religi&atilde;o &eacute; cuidadosamente vigiada. Por exemplo, os jornais e ve&iacute;culos de comunica&ccedil;&atilde;o a ignoram. N&atilde;o h&aacute; coluna sobre religi&atilde;o. N&atilde;o h&aacute; espa&ccedil;o para religiosos, exceto se houver raz&otilde;es pol&iacute;ticas. Todo tipo de ideologia merece espa&ccedil;o na educa&ccedil;&atilde;o formal, mas falar de religi&atilde;o &eacute; proibido: N&atilde;o pode! <br /> &nbsp;<br /> Nos EUA at&eacute; dizer &ldquo;Feliz Natal&rdquo; j&aacute; se tornou um problema. A Uni&atilde;o Europeia tentou extirpar Deus da sua constitui&ccedil;&atilde;o. Jogadores de futebol que expressam sua f&eacute; em campo precisam ser repreendidos. N&atilde;o h&aacute; curso sobre religi&atilde;o nas universidades p&uacute;blicas, nem numa prestigiada USP. Mesmo que mais de 90% do povo brasileiro se afirme religioso, nada muda. At&eacute; os cursos de teologia enfrentam uma grande batalha para serem reconhecidos.<br /> <br /> Tentativas recentes de reprimir a f&eacute; se multiplicam no mundo. A mais recente ocorreu na Bol&iacute;via, em plena Am&eacute;rica do Sul. Lament&aacute;vel e triste. Por que ser&aacute; que isso acontece? De onde vem essa marginaliza&ccedil;&atilde;o? A origem de tudo &eacute; hist&oacute;rico-dogm&aacute;tica. De acordo com os dogmas do s&eacute;culo 19, a religi&atilde;o deve ser vista como fen&ocirc;meno irracional, uma esp&eacute;cie de etapa evolutiva inferior. Os positivistas, por exemplo, a viam como o primeiro de tr&ecirc;s est&aacute;gios da hist&oacute;ria humana. A etapa cient&iacute;fica era o culminar de um processo que havia passado pelas fases religiosa e filos&oacute;fica. A verdade, por&eacute;m, &eacute; que a f&eacute; religiosa &eacute; experi&ecirc;ncia t&atilde;o aut&ecirc;ntica quanto &agrave; est&eacute;tica. Nunca foi encontrado um s&oacute; povo em toda a hist&oacute;ria humana que n&atilde;o tenha desenvolvido algum tipo de f&eacute;. Apesar disso, a religiosidade humana tem sido considerada neurose ou fruto da ignor&acirc;ncia. Os preconceituosos antirreligiosos do s&eacute;culo 19, como os positivistas, ficariam perplexos diante do decl&iacute;nio do racionalismo e do ate&iacute;smo est&eacute;ril e do crescimento do misticismo religioso nas sociedades industrializadas de hoje.<br /> &nbsp;<br /> As principais interpreta&ccedil;&otilde;es hostis &agrave; religi&atilde;o, especialmente ao cristianismo podem ser resumidas. Ludwig Feuerbach, herdando o agnosticismo metaf&iacute;sico de Kant e o ceticismo de David Hume, entendeu o fen&ocirc;meno religioso como essencialmente psicol&oacute;gico. Feuerbach afirmava que Deus fora inventado pelo homem. Deus seria uma esp&eacute;cie de proje&ccedil;&atilde;o psicol&oacute;gica de todas as qualidades mais excelentes do ser humano. A consci&ecirc;ncia de Deus &eacute; autoconsci&ecirc;ncia. N&atilde;o foi Deus quem criou o homem, mas foi o homem que criou a divindade. J&aacute; Sigmund Freud, pai da psican&aacute;lise, escreveu uma obra chamada &ldquo;O Futuro de Uma Ilus&atilde;o&rdquo;. Nela Freud esbo&ccedil;a suas cr&iacute;ticas &agrave; religi&atilde;o. Para Freud a religi&atilde;o era uma neurose desenvolvida pela sublima&ccedil;&atilde;o dos instintos; Deus n&atilde;o passa da proje&ccedil;&atilde;o da figura do pai. O religioso &eacute; uma esp&eacute;cie de &ldquo;doente da alma&rdquo;. Outro cr&iacute;tico feroz da religi&atilde;o foi Karl Marx. Rejeitando o juda&iacute;smo e posteriormente o cristianismo, o ateu Marx definiu a religi&atilde;o como o &ldquo;&oacute;pio do povo&rdquo;. Para ele, o fen&ocirc;meno religioso era apenas uma arma dos opressores, &uacute;til para a manipular as classes dominadas. No caso de Friedrich Nietzsche, filho de pastor, a ideia era o oposto! Ele via a religi&atilde;o como uma defesa dos fracos contra os fortes. O &oacute;dio de Nietzsche pelo cristianismo se expressava na cr&iacute;tica de que a f&eacute; crist&atilde; elogia o pobre, o humilde, o necessitado e destina o rico e poderoso &agrave; condena&ccedil;&atilde;o; a religi&atilde;o era, portanto, uma arma ideol&oacute;gica dos miser&aacute;veis e inferiores contra os aristocratas e superiores.<br /> <br /> Mesmo que o cen&aacute;rio contempor&acirc;neo de estudo da religi&atilde;o tenha se libertado dos preconceitos do s&eacute;culo 19, a realidade pr&aacute;tica ainda n&atilde;o mudou. Vale mencionar a abordagem do fil&oacute;sofo e pastor S&ouml;ren Kierkegaard que ajudou a tirar a religi&atilde;o da marginaliza&ccedil;&atilde;o cultural. Ele entendia que a religi&atilde;o n&atilde;o se limitava &agrave; l&oacute;gica. Kierkegaard definia o est&aacute;gio superior da experi&ecirc;ncia humana como o est&aacute;gio religioso. S&oacute; se chega a ele por meio da intui&ccedil;&atilde;o e da f&eacute;. O homem cr&ecirc; em Deus n&atilde;o pela raz&atilde;o, mas apesar dela. Defendia uma f&eacute; subjetiva e apaixonada. A verdade religiosa era de natureza distinta das verdades objetivas da ci&ecirc;ncia. Todavia, era uma verdade t&atilde;o sublime que o crist&atilde;o ousa morrer por ela, enquanto que por uma lei da ci&ecirc;ncia, por exemplo, ningu&eacute;m jamais morreria. Outro destacado estudioso do assunto foi Rudolf Otto. Entendendo a categoria do sagrado como o numinoso, isto &eacute; o inef&aacute;vel, indefin&iacute;vel, visto por Otto como n&atilde;o-racional. A rela&ccedil;&atilde;o com o sagrado estabelece uma dualidade: a repulsa e a fascina&ccedil;&atilde;o. A repulsa &eacute; o mysterium tremendum, que envolve o aspecto de temor e repulsa do sagrado; o fasc&iacute;nio, mysterium fascinans diz respeito &agrave; bondade, &agrave; gra&ccedil;a e a tudo que atrai no sagrado. Poder&iacute;amos ainda mencionar outros como Mircea Eliade, Paul Tillich e Schleiermacher, que ajudaram a reconhecer o fen&ocirc;meno religioso como autenticamente humano e essencialmente positivo.<br /> &nbsp;<br /> A discuss&atilde;o sobre esse assunto &eacute; vital, pois hoje o problema principal do mundo &eacute; religioso. Os adeptos da religi&atilde;o dominante do ocidente, o humanismo ate&iacute;sta, h&aacute; muito trabalham para &ldquo;varrer&rdquo; o cristianismo do Ocidente. As ideias de amor, perd&atilde;o, gra&ccedil;a, repress&atilde;o volunt&aacute;ria das paix&otilde;es m&aacute;s, e o valor intr&iacute;nseco do ser humano, vindas da religi&atilde;o de Jesus de Nazar&eacute; incomoda e perturba a sociedade p&oacute;s-crist&atilde; que adora o &ldquo;deus-dinheiro&rdquo; e v&ecirc; grandes perdas financeiras caso a consci&ecirc;ncia &eacute;tica crist&atilde; tenha espa&ccedil;o e prejudique as &ldquo;ind&uacute;strias da morte, do sexo e da aliena&ccedil;&atilde;o&rdquo;. Centenas de milhares de crist&atilde;os foram assassinados por sua f&eacute; no s&eacute;culo 20. N&atilde;o recebe destaque na m&iacute;dia! Os crimes dos grupos jihadistas s&atilde;o rotina! Todavia, agora as coisas se complicaram. H&aacute; uma grande guerra pela frente! Os humanistas ateus, muitas vezes ressentidos e adeptos de uma milit&acirc;ncia controvertida de &ldquo;combate &agrave; f&eacute;&rdquo; est&atilde;o tendo confrontos com o mundo jihadista isl&acirc;mico. Acostumados a vilipendiar por filmes, seriados e document&aacute;rios o cristianismo, agora est&atilde;o diante de um grande impasse. Como ser&aacute; o conflito dessas duas grandes perspectivas apaixonadas e mal orientadas? Elas jamais concordariam com as palavras do rabino e mestre de Nazar&eacute;: &ldquo;Voc&ecirc;s ouviram o que foi dito: &lsquo;Ame o seu pr&oacute;ximo e odeie o seu inimigo&rsquo;. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que voc&ecirc;s venham a ser filhos de seu Pai que est&aacute; nos c&eacute;us. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. Se voc&ecirc;s amarem aqueles que os amam, que recompensa voc&ecirc;s receber&atilde;o? At&eacute; os publicanos fazem isso!&rdquo;&nbsp; (Mt 5.43-46).<br /> &nbsp;<br /> Est&aacute; na hora da sociedade, principalmente a classe dominante brasileira, discutir religi&atilde;o e tir&aacute;-la da marginalidade. Seguir cegamente as diretrizes falidas do humanismo ateu do s&eacute;culo 19, que semeou ideologias que colecionam centenas de milh&otilde;es de homic&iacute;dios (contando guerras, abortos e homic&iacute;dios), n&atilde;o nos levar&aacute; a nada. <br /> &nbsp;<br /> <b><i>Luiz Say&atilde;o</i></b> &eacute; pastor, te&oacute;logo e hebra&iacute;sta da Igreja Batista Na&ccedil;&otilde;es Unidas (S&atilde;o Paulo-SP)<br />