O ESPÍRITO DO TEMPO

14 de fevereiro de 2018 às 16:49

Gaudêncio Torquato,
O melhor caminho para descobrir onde estamos e para onde vamos &eacute; dedicar um tempinho a analisar o esp&iacute;rito do tempo: situa&ccedil;&otilde;es que levam as pessoas a avaliar sua condi&ccedil;&atilde;o, movimentos que enchem as ruas, frustra&ccedil;&otilde;es geradas por expectativas que n&atilde;o ocorrem, circunst&acirc;ncias que determinam a maneira de agir das pessoas, enfim, o motor que gira a roda da vida.<br /> <br /> Zeitgeist &eacute; a palavra alem&atilde; que define esse conceito, onde se abriga todo o conhecimento humano acumulado ao longo dos tempos e que, de repente, se faz presente em determinado momento da hist&oacute;ria. Ou, em outras palavras, o esp&iacute;rito do tempo &eacute; o estado social, intelectual e cultural de uma &eacute;poca.<br /> <br /> Edgar Morin, o grande pensador franc&ecirc;s, nos ajuda a interpretar o esp&iacute;rito do tempo em Cultura de Massas no S&eacute;culo XX: o Esp&iacute;rito do Tempo e em outros ensaios. Abrir uns minutinhos nesses dias de carnaval para refletir sobre o esp&iacute;rito do tempo pode ser eficaz exerc&iacute;cio para compreendermos a realidade que nos cerca. A percep&ccedil;&atilde;o nos levaria, quem sabe, ao encontro da esperan&ccedil;a que, na acep&ccedil;&atilde;o de Morin, &ldquo;&eacute; a ideia que o futuro, sendo incerto e desconhecido, pode justamente ser melhor&rdquo;.<br /> <br /> Cabe&ccedil;as &agrave; reflex&atilde;o. Comecemos com a quest&atilde;o: o Brasil tem jeito? Somos um territ&oacute;rio de dimens&atilde;o continental, recheado de riquezas e recursos minerais, paisagens exuberantes, terras f&eacute;rteis que nos elegem como &ldquo;celeiro do mundo&rdquo;, a maior reserva de &aacute;gua doce do planeta (12%), s&oacute; para citar superlativos que alimentam o civismo nacional. Enfrentamos, &eacute; verdade, cat&aacute;strofes naturais, na esteira de janeiros chuvosos, mas n&atilde;o sofremos a destrui&ccedil;&atilde;o de terremotos, tempestades e tuf&otilde;es, esses que devastam pa&iacute;ses, entre os quais o da maior democracia do mundo, os EUA.<br /> <br /> Nesse ponto, emergem contrapontos: abrigamos um dos maiores &iacute;ndices de corrup&ccedil;&atilde;o do mundo, temos uma das maiores cargas tribut&aacute;rias do universo, a mis&eacute;ria assola 50 milh&otilde;es de brasileiros, e no Nordeste esse &iacute;ndice se eleva a 43,5% da popula&ccedil;&atilde;o. Donde se conclui: somos um pa&iacute;s rico que n&atilde;o descobriu a rota do progresso. Puxemos, agora, a onda da corrup&ccedil;&atilde;o, alvo de esc&acirc;ndalos. Pode ser diminu&iacute;da? Sim. A conta &eacute; irrefut&aacute;vel: se cort&aacute;ssemos o Produto Nacional Bruto da Corrup&ccedil;&atilde;o em 10%, nosso Produto Nacional Bruto (das riquezas) daria extraordin&aacute;rio salto, jogando o Brasil na esfera das grandes na&ccedil;&otilde;es. <br /> <br /> H&aacute; esperan&ccedil;a de que isso possa ocorrer? Certamente. Basta pin&ccedil;ar a miss&atilde;o do nosso Judici&aacute;rio. Que resgatou seu papel de protagonista central na paisagem institucional. H&aacute; cr&iacute;ticas sobre seu desempenho? Procedem.&nbsp; Destacam-se as que mostram os membros das Cortes Judiciais liderando os v&atilde;os dos privil&eacute;gios. H&aacute;, ainda, a observa&ccedil;&atilde;o sobre a judicializa&ccedil;&atilde;o da pol&iacute;tica, a interven&ccedil;&atilde;o dos ju&iacute;zes no ambiente pol&iacute;tico, o que ocorre com a absor&ccedil;&atilde;o de tarefas da compet&ecirc;ncia do Legislativo e do Executivo pelo Judici&aacute;rio. <br /> <br /> Se os quadros desses dois Poderes estivessem sob os aplausos sociais, n&atilde;o haveria tanta interfer&ecirc;ncia. A crise de credibilidade que afeta a representa&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica e governamental desequilibra a Tr&iacute;ade do Poder, obra do bar&atilde;o de Montesquieu. Infelizmente, o esp&iacute;rito do nosso tempo tem deixado a pol&iacute;tica em maus len&ccedil;&oacute;is. Essa &eacute; a fresta que abre horizontes sombrios. Mas o futuro do pa&iacute;s n&atilde;o ser&aacute; melhor sob a exclus&atilde;o da pol&iacute;tica.<br /> <br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" align="left" hspace="3" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b><i>,</i><b><i> </i></b>jornalista, professor titular da USP &eacute; consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o. Twitter: @gaudtorquato <br />