Justiça: da crise à superação

17 de março de 2018 às 09:59

João Baptista Herkenhof
N&atilde;o se pode pretender a constru&ccedil;&atilde;o de uma sociedade &eacute;tica, sem este pr&eacute;-requisito: <b>uma Justi&ccedil;a &eacute;tica.<br /> </b><br /> Frei Leonardo Boff diz que os momentos de crise s&atilde;o a grande oportunidade para os avan&ccedil;os e a supera&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Sendo assim, um momento de crise do Poder Judici&aacute;rio ser&aacute; o mais acertado e pr&oacute;prio para refletir sobre caminhos que permitam uma melhoria da Justi&ccedil;a.<br /> <br /> Proponho dez medidas para aprimorar a Justi&ccedil;a. S&atilde;o medidas de realiza&ccedil;&atilde;o poss&iacute;vel, desde que haja a vontade de mudar.<br /> <br /> <div style="margin-left: 40px;"><b>1) Arejar os tribunais.</b> &ndash; Nada de sess&otilde;es secretas, exceto para quest&otilde;es que envolvam a privacidade das pessoas&nbsp; (casos de fam&iacute;lia e outros). Nada de exig&ecirc;ncia de roupas e cal&ccedil;ados para ingressar nos recintos judiciais. Nada de vedar o acesso da imprensa aos julgamentos. Que todas as decis&otilde;es e votos sejam abertos e motivados.<br /> <br /> <b>2) Dar rapidez aos julgamentos.</b> &ndash; Sem sacrificar o &ldquo;princ&iacute;pio do contradit&oacute;rio&rdquo;, &eacute; poss&iacute;vel fazer com que a Justi&ccedil;a seja mais r&aacute;pida. Que as partes em conflito aleguem e fa&ccedil;am provas, como &eacute; certo, mas que se alterem as leis de modo que n&atilde;o se fraude a presta&ccedil;&atilde;o jurisdictional atrav&eacute;s de recursos abusivos. Que se acabe com o recurso obrigat&oacute;rio nas decis&otilde;es contra o Poder P&uacute;blico, pois isso &eacute; admitir que todos os procuradores de Estado sejam desonestos. Mesmo que a decis&atilde;o seja injusta e incorreta deixariam de recorrer, por corrup&ccedil;&atilde;o. O duplo grau de jurisdi&ccedil;&atilde;o, nessas hip&oacute;teses, contribui para sobrecarregar as pautas dos tribunais. Que se mudem tamb&eacute;m pr&aacute;ticas que n&atilde;o est&atilde;o nas leis mas est&atilde;o nos h&aacute;bitos e que entravam a Justi&ccedil;a, transformando-a numa traquitana, como disse Monteiro Lobato.<br /> <br /> <b>3) Humanizar a Justi&ccedil;a.</b> &ndash; A Justi&ccedil;a n&atilde;o lida com objetos, mas com pessoas, dramas humanos, dores. O contato das partes com o juiz &eacute; indispens&aacute;vel, principalmente nos casos das pessoas mais humildes que ficam aterrorizadas com a engrenagem da Justi&ccedil;a. Kafka desenhou com genialidade o sufocamento do ser humano pelas artimanhas do processo judicial. O apelo de ser escutado &eacute; um atributo inerente &agrave; condi&ccedil;&atilde;o humana. Tratar as partes com autoritarismo ou descortesia &eacute; uma brutalidade inaceit&aacute;vel.<br /> <br /> <b>4) Praticar a humildade.</b> &ndash; O que faz a Justi&ccedil;a ser respeitada n&atilde;o s&atilde;o as pompas, as rever&ecirc;ncias, as excel&ecirc;ncias, as togas, mas a retid&atilde;o dos julgamentos. Na &uacute;ltima morada, ser enterrado de toga n&atilde;o faz a m&iacute;nima diferen&ccedil;a. Neste momento final, a mais alta condecora&ccedil;&atilde;o ser&aacute; a l&aacute;grima da vi&uacute;va agradecendo ao magistrado, em sil&ecirc;ncio, a Justi&ccedil;a que lhe foi feita. Por que n&atilde;o se muda a designa&ccedil;&atilde;o dos chamados Poderes para servi&ccedil;os? Servi&ccedil;o Executivo, Servi&ccedil;o Legislativo e Servi&ccedil;o Judici&aacute;rio. S&atilde;o mesmo servi&ccedil;os, devem ser entendidos como servi&ccedil;os a que o povo tem direito.<br /> <br /> <b>5) Democratizar a Justi&ccedil;a</b>. &ndash; Come&ccedil;ar pala democratiza&ccedil;&atilde;o da elei&ccedil;&atilde;o dos presidentes dos tribunais. Todos os magistrados, mesmo os de primeiro grau, devem poder votar. Um magistrado de primeiro grau pode ser eleito para dirigir a corte, regressando a seu lugar ao completar o mandato. Um presidente de tribunal n&atilde;o &eacute; apenas aquela pessoa que preside &agrave;s sess&otilde;es, mas &eacute; algu&eacute;m que exerce a presid&ecirc;ncia de um &oacute;rg&atilde;o do Poder.<br /> <br /> <b>6) Alterar o sistema de vitaciedade.</b> &ndash; O magistrado n&atilde;o se tornaria vital&iacute;cio depois de dois anos de exerc&iacute;cio, mas atrav&eacute;s de tr&ecirc;s etapas: dois anos, cinco anos e sete anos. A cada etapa haveria a aprecia&ccedil;&atilde;o de sua conduta, com a participa&ccedil;&atilde;o de representantes da sociedade civil porque n&atilde;o seria apenas o julgamento t&eacute;cnico (como nos concursos de ingresso), mas o julgamento &eacute;tico (exame amplo do procedimento do juiz).<br /> <br /> <b>7) Combater o familismo.</b> &ndash; Nada de penca de parentes na Justi&ccedil;a. Concursos honestos para ingresso na magistratura e tamb&eacute;m para os cargos administrativos. Neste ponto a Constitui&ccedil;&atilde;o de 1988 regrediu em compara&ccedil;&atilde;o &agrave; Constitui&ccedil;&atilde;o de 1946. A Constitui&ccedil;&atilde;o de 1946 proibia que parentes tivessem assento num mesmo tribunal. A Constitui&ccedil;&atilde;o de 1988 pro&iacute;be parentes apenas na mesma turma. Se o tribunal tiver cinco turmas ser&aacute; poss&iacute;vel que cinco parentes fa&ccedil;am parte de um mesmo tribunal, como desembargadores ou ministros, desde que um parente em cada turma.<br /> <br /> <b>8) Aumentar a idade minima para ser juiz.</b> &ndash; O cargo exige experi&ecirc;ncia de vida, n&atilde;o demanda apenas conhecimentos t&eacute;cnicos.<br /> <br /> <b>9) Fazer da Justi&ccedil;a uma institui&ccedil;&atilde;o impoluta.</b> &ndash; &Eacute; inadmiss&iacute;vel a corrup&ccedil;&atilde;o dentro da Justi&ccedil;a. Um magistrado corrupto supera, em indignidade moral, o mais s&oacute;rdido bandido.<br /> <br /> <b>10) Colocar os ju&iacute;zes perto dos litigantes.</b> &ndash; Se o habitante da periferia tem de subir escadas de m&aacute;rmore, para alcan&ccedil;ar suntuosas salas, em pal&aacute;cios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa dif&iacute;cil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espa&ccedil;o, que &eacute; referencial de cultura, referencial de exist&ecirc;ncia.<br /> &nbsp;</div> <b><i>Jo&atilde;o Baptista Herkenhoff</i></b>, Juiz de Direito aposentado,(ES), professor aposentado, palestrante em atividade. Autor do livro Dilemas de um juiz &ndash; a aventura obrigat&oacute;ria (Editora GZ, Rio de Janeiro).<br /> E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com / Site: <a href="http://www.palestrantededireito.com.br/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u>www.palestrantededireito.com.br</u></i></span></a> <br />