A FADIGA DEMOCRÁTICA

24 de abril de 2018 às 08:42

Gaudêncio Torquato,
O mundo padece de s&iacute;ndrome da fadiga democr&aacute;tica. A pertinente observa&ccedil;&atilde;o &eacute; do escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck, para quem as Na&ccedil;&otilde;es atravessam um momento de satura&ccedil;&atilde;o em seus sistemas democr&aacute;ticos. Quais seriam os sintomas da s&iacute;ndrome? Vejamos alguns: apatia do eleitor, absten&ccedil;&atilde;o &agrave;s urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impot&ecirc;ncia das administra&ccedil;&otilde;es, pen&uacute;ria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral cr&ocirc;nica, estresse midi&aacute;tico extenuante, desconfian&ccedil;a, indiferen&ccedil;a e outras mazelas.<br /> <br /> Arremata o belga: &ldquo;a democracia tem um problema s&eacute;rio de legitimidade quando os eleitores n&atilde;o d&atilde;o mais import&acirc;ncia &agrave; coisa fundamental, o voto&rdquo;. A an&aacute;lise est&aacute; expressa no interessante livro Contra as Elei&ccedil;&otilde;es, que acaba de ser traduzido aqui no Brasil. O nome do livro sinaliza para a hip&oacute;tese levantada pelo autor de que, nesses tempos de populismos baseados no medo e na desconfian&ccedil;a generalizada das elites, &eacute; o caso de se abolir o processo eleitoral e voltar ao que ocorria h&aacute; 3.000 anos de hist&oacute;ria da democracia, quando inexistiam elei&ccedil;&otilde;es e os cargos se repartiam por meio de uma combina&ccedil;&atilde;o de sorteios e a&ccedil;&otilde;es volunt&aacute;rias. Ou seja, quando a pol&iacute;tica era miss&atilde;o, n&atilde;o profiss&atilde;o como hoje.<br /> <br /> O fato &eacute; que a democracia, como j&aacute; escreveu de maneira densa e farta Norberto Bobbio, o grande cientista social e fil&oacute;sofo italiano, n&atilde;o tem cumprido as tarefas inerentes ao seu escopo, entre as quais, o acesso de justi&ccedil;a para todos, a educa&ccedil;&atilde;o para a cidadania, o combate ao poder invis&iacute;vel, a transpar&ecirc;ncia nas a&ccedil;&otilde;es de seus protagonistas.<br /> <br /> Em seu Futuro da Democracia, Bobbio mostra os caminhos a percorrer pela democracia na dire&ccedil;&atilde;o do amanh&atilde;, sem deixar de caracterizar o insucesso do Estado no combate &agrave;s pragas da modernidade, a partir do poder invis&iacute;vel que se incrusta nas malhas intestinas da administra&ccedil;&atilde;o p&uacute;blica. O poder vis&iacute;vel, formal, est&aacute; perdendo a batalha. N&atilde;o &eacute; a toa que, a par dos aparatos tecnol&oacute;gicos que ancoram os mecanismos do Estado &ndash; Tribunais de Contas, Minist&eacute;rio P&uacute;blico, Pol&iacute;cia Federal, Tribunais Eleitorais e outras inst&acirc;ncias do Judici&aacute;rio &ndash; a corrup&ccedil;&atilde;o continua grassando a torto e a direito.<br /> <br /> Para termos uma ideia mais abrangente da crise que permeia o sistema democr&aacute;tico, nos quadrantes do planeta, podemos inserir no debate outros eixos, como os alinhavados por Roger-G&eacute;rard Scwartzenberg: o arrefecimento das ideologias, o decl&iacute;nio dos partidos, a desmotiva&ccedil;&atilde;o das bases, a perda de poder dos Parlamentos, o refluxo das oposi&ccedil;&otilde;es. H&aacute;, como se pode observar, aqui e alhures, certo esgotamento &ndash; sensa&ccedil;&atilde;o de inefici&ecirc;ncia &ndash; das democracias. Que n&atilde;o d&atilde;o respostas satisfat&oacute;rias &agrave;s demandas da sociedade. Esse fato tem explica&ccedil;&atilde;o ainda no aparelhamento burocr&aacute;tico do Estado. Uma tecnocracia se instala nas estruturas administrativas, tornando complexa a execu&ccedil;&atilde;o de tarefas e programas, atrasando as opera&ccedil;&otilde;es, estrangulando os fluxogramas. Deriva da&iacute; a inoper&acirc;ncia do Estado.<br /> <br /> A cr&iacute;tica coloca em evid&ecirc;ncia o fato de que as elei&ccedil;&otilde;es est&atilde;o perpetuando a continuidade das elites no comando dos poderes do Estado. A elei&ccedil;&atilde;o de um governante pelo voto popular n&atilde;o seria suficiente para dar a ele legitimidade, eis que ser&aacute; engolido, mais cedo ou mais tarde, pela inefici&ecirc;ncia do Estado em atender &agrave;s demandas das massas. Mas que outra solu&ccedil;&atilde;o haveria? Sortear os cargos entre o povo? Quem garante que essa modalidade de democracia n&atilde;o implicaria a implanta&ccedil;&atilde;o do caos?<br /> <br /> Este ano teremos um pleito muito competitivo e de discurso contundente. Como fazer para darmos um passo mais avan&ccedil;ado em nossa democracia de forma a garantir o compromisso da pol&iacute;tica junto ao povo? Deixo que o eleitor reflita sobre essa inquietante pergunta. &nbsp;<br /> &nbsp;<br /> <i><b><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-consultor-politico-professor-usp.jpg" alt="" width="60" hspace="3" height="80" align="left" /><br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato <br />