Há quatro anos, poder paralelo da "lava jato" influi na política e na economia do país

15 de junho de 2018 às 10:01

Rodrigo Tacla Duran
Morda&ccedil;a. Substantivo feminino. O mesmo que a&ccedil;aimo ou focinheira. Pano ou qualquer objeto que se p&otilde;e na boca para impedir algu&eacute;m de falar ou gritar. Usar a for&ccedil;a e a coer&ccedil;&atilde;o para impedir algu&eacute;m de falar. A defini&ccedil;&atilde;o curta e precisa do Aur&eacute;lio revela ser a morda&ccedil;a irm&atilde; da brutalidade e filha do autoritarismo com a intoler&acirc;ncia. No &uacute;ltimo dia 2, o advogado Renato Moraes publicou no jornal O Globo artigo no qual exp&otilde;e a dura realidade de um Brasil onde a Justi&ccedil;a tem dado o mau exemplo de desprezar as leis e a Constitui&ccedil;&atilde;o. Escreveu o brilhante jurista: &ldquo;Chegamos &agrave; beira do precip&iacute;cio autorit&aacute;rio. H&aacute; quem esboce, sem pudor, o racioc&iacute;nio de que entre a Constitui&ccedil;&atilde;o e uma indistinta vontade popular se deve ficar com o povo. Como se n&atilde;o fosse a Constitui&ccedil;&atilde;o o &uacute;nico abrigo contra o autoritarismo&rdquo;.<br /> <br /> Na cr&iacute;tica que desfere ao chamado populismo judicial, Moraes lembra que a opini&atilde;o p&uacute;blica &eacute; &ldquo;filha dileta&rdquo; da opini&atilde;o publicada e veiculada em tempo real pelos meios de comunica&ccedil;&atilde;o. E com o agravante: nesta era das grandes investiga&ccedil;&otilde;es e da exposi&ccedil;&atilde;o das entranhas do pa&iacute;s, a opini&atilde;o publicada vem pronta e embalada de fontes como o Minist&eacute;rio P&uacute;blico, a pol&iacute;cia e at&eacute; mesmo magistrados. Boa parte da imprensa deixou de investigar, de garantir o contradit&oacute;rio, se convertendo num d&oacute;cil e envenenado canal de comunica&ccedil;&atilde;o de quem decidiu fazer justi&ccedil;a passando por cima da Constitui&ccedil;&atilde;o, das leis e invocando a aplica&ccedil;&atilde;o de normas jur&iacute;dicas votadas e aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos.<br /> <br /> Neste Brasil onde ju&iacute;zes de primeiro grau tentam aplicar a lei americana, procuradores xingam ju&iacute;zes do Supremo como se estivessem no Maracan&atilde; ou no Itaquer&atilde;o e as dela&ccedil;&otilde;es premiadas s&atilde;o dela&ccedil;&otilde;es seletivas, de repente me vi numa situa&ccedil;&atilde;o inusitada: estou proibido de testemunhar por ordem do juiz Sergio Moro. Imagino que uma situa&ccedil;&atilde;o dessas pode ter acontecido na ditadura do Estado Novo ou no regime militar, mas numa democracia &eacute; inexplic&aacute;vel. Al&eacute;m de ilegal, a proibi&ccedil;&atilde;o &eacute; injusta, porque viola o direito de os r&eacute;us produzirem as provas testemunhais que julgam ser importantes para suas defesas. As duas &uacute;nicas vezes em que fui ouvido e pude dar minha vers&atilde;o sobre certos fatos foi no dia 30 de novembro de 2017, na CPMI da JBS, e no dia 5 de junho deste ano, na Comiss&atilde;o de Direitos Humanos da C&acirc;mara. Em nenhuma das vezes o Minist&eacute;rio P&uacute;blico mostrou interesse sobre os fatos que narrei.<br /> <br /> Fui ouvido como testemunha por representantes da Justi&ccedil;a do Peru, Andorra, Su&iacute;&ccedil;a, Argentina, Equador, M&eacute;xico e Espanha. Entre as consequ&ecirc;ncias diretas e indiretas desses depoimentos, um ex-ministro equatoriano foi preso, o presidente peruano renunciou, e o Uruguai extraditou um ex-funcion&aacute;rio do banco BPA para Andorra. Tudo amplamente noticiado pela imprensa internacional. Como se nada disso fosse relevante, continuo proibido de falar &agrave; Justi&ccedil;a do Brasil. Nunca prestei depoimento, embora tenha sido arrolado cinco vezes pela defesa do ex-presidente Lula.<br /> <br /> Recentemente, o juiz Sergio Moro indeferiu pedido da defesa de Marcelo Odebrecht para a oitiva dos advogados Monica Odebrecht, sua irm&atilde;, e Mauricio Roberto Carvalho Ferro, cunhado. A oitiva da advogada da Odebrecht Marta Pacheco, como testemunha de Marcelo, foi deferida respeitando a prerrogativa do sigilo profissional. &Eacute; certo que todos t&ecirc;m prerrogativas e serem respeitadas, entre elas o sigilo profissional. Nisso, n&atilde;o pode haver dois pesos e duas medidas. Quando eu trabalhei para a Odebrecht, tratei com estes tr&ecirc;s profissionais dos assuntos que ora o juiz reconhece merecerem prote&ccedil;&atilde;o. Entretanto, a for&ccedil;a-tarefa de Curitiba n&atilde;o teve o mesmo zelo pelas prerrogativas quando tratou comigo. Ao contr&aacute;rio, criminalizou meu trabalho como advogado e me pressionou todo o tempo para obter as mesmas informa&ccedil;&otilde;es sigilosas que o juiz Sergio Moro decidiu proteger.<br /> <br /> H&aacute; mais de dois anos procurei espontaneamente a for&ccedil;a-tarefa da &quot;lava jato&quot; em Curitiba. Estive pessoalmente com os procuradores em tr&ecirc;s ocasi&otilde;es. N&atilde;o abri qualquer informa&ccedil;&atilde;o sigilosa de cliente algum. Em todos os encontros, fui tratado como algu&eacute;m julgado e condenado. Faltava apenas ser preso. Sou advogado h&aacute; mais de 20 anos. Olhava para aquela situa&ccedil;&atilde;o e pensava: n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel. Como eles podem me condenar sem processo, sem provas, sem senten&ccedil;a? Os procuradores da for&ccedil;a-tarefa de Curitiba nunca quiseram me ouvir, saber o que eu tinha a dizer, dar oportunidade ao contradit&oacute;rio. Brandiam o tempo todo a amea&ccedil;a da pris&atilde;o preventiva. &Eacute; humilhante ser acusado de crimes que n&atilde;o cometi, ofendido publicamente, desqualificado.<br /> <br /> Ao n&atilde;o me dar chance de defesa, o juiz Sergio Moro ignora solenemente a Constitui&ccedil;&atilde;o, a Lei Org&acirc;nica da Magistratura, o C&oacute;digo Penal, o C&oacute;digo de Processo Penal, o Estatuto da Advocacia e o Estatuto dos Direitos do Homem das Na&ccedil;&otilde;es Unidas. Ignora at&eacute; a lei dos Estados Unidos, que ele tanto preza, porque l&aacute; ningu&eacute;m &eacute; condenado sem provas e sem direito de defesa. Kant ensinou que injusta &eacute; a a&ccedil;&atilde;o que impede a liberdade do outro e, neste caso espec&iacute;fico, me refiro ao direito de ampla defesa. Portanto, magistrado algum poderia adotar conduta diferente daquela prevista na lei, mesmo que dela discorde. A injusti&ccedil;a &eacute; uma escolha; a Justi&ccedil;a, um dever. N&atilde;o h&aacute; atalho para quem tem a lei como imp&eacute;rio. Para condenar, &eacute; preciso investigar, provar, contraditar. D&aacute; trabalho e pode ser demorado, mas &eacute; o correto. No meu caso, jamais apresentaram quaisquer provas contra mim, e investiga&ccedil;&otilde;es j&aacute; foram arquivadas uma vez na Espanha por falta de provas.<br /> <br /> Existem fatos graves que cerceiam n&atilde;o apenas meu direito de defesa, mas o de muitos outros. O primeiro deles &eacute; o desaparecimento do Inqu&eacute;rito 186/2016 da Pol&iacute;cia Federal de S&atilde;o Paulo. Simplesmente sumiu. Parte desse inqu&eacute;rito foi encaminhado &agrave; CPMI da JBS, na ocasi&atilde;o do meu depoimento. Esse inqu&eacute;rito &eacute; muito importante para a minha defesa por conter esclarecimentos sobre as acusa&ccedil;&otilde;es contra mim imputadas. H&aacute; dois meses meus advogados tentam localizar esse inqu&eacute;rito. A Pol&iacute;cia Federal em S&atilde;o Paulo informou que o enviou para Curitiba. Por&eacute;m, em Curitiba, esse inqu&eacute;rito n&atilde;o existe, porque ningu&eacute;m sabe dizer onde ele est&aacute;. Sumi&ccedil;o de inqu&eacute;rito &eacute; algo grav&iacute;ssimo.<br /> <br /> No meu caso, n&atilde;o &eacute; a primeira vez que coisas como essas acontecem. No ano passado, pedi ao cart&oacute;rio da 1 &ordf; Vara de Execu&ccedil;&otilde;es Fiscais Municipais de Curitiba uma certid&atilde;o de objeto e p&eacute; comprovando que o advogado Carlos Zucolotto atuara como defensor em processos da minha fam&iacute;lia. O cart&oacute;rio levou cerca de seis meses para emitir a certid&atilde;o e, quando o fez, emitiu sem o nome de Carlos Zucolotto. Depois de toda essa demora, o cart&oacute;rio informou que o subestabelecimento outorgado ao escrit&oacute;rio de Zucolotto fora retirado dos autos sem qualquer autoriza&ccedil;&atilde;o por escrito do juiz e sem comunica&ccedil;&atilde;o &agrave;s partes. Uma advogada de meu escrit&oacute;rio recebeu a informa&ccedil;&atilde;o de balc&atilde;o, ou seja, extraoficial, de que o subestabelecimento fora retirado a mando do pr&oacute;prio Zucolotto. Ele alegou, segundo as informa&ccedil;&otilde;es, n&atilde;o ter autorizado a juntada desse documento nos autos. Entretanto, tenho em meu poder sua autoriza&ccedil;&atilde;o enviada por e-mail. Esses fatos grav&iacute;ssimos foram omitidos do juiz corregedor, o qual, uma vez ciente, deveria poder tomar as provid&ecirc;ncias para esclarecer esse fato, porque essa &eacute; uma prova documental necess&aacute;ria para eventual solicita&ccedil;&atilde;o de impedimento ou suspei&ccedil;&atilde;o do juiz Sergio Moro.<br /> <br /> H&aacute; quatro anos convivemos com dois ju&iacute;zes, dois Moros. O primeiro se tornou her&oacute;i dentro e fora do Brasil por sua atua&ccedil;&atilde;o na opera&ccedil;&atilde;o &quot;lava jato&quot; e sua postura intransigente em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; corrup&ccedil;&atilde;o. &Eacute; festejado nos sal&otilde;es dos Estados Unidos e no principado de M&ocirc;naco. O outro &eacute; criticado duramente por magistrados e advogados inconformados com a viola&ccedil;&atilde;o de prerrogativas, como o caso do grampo no escrit&oacute;rio do advogado do ex-presidente Lula e diversas buscas e apreens&otilde;es em escrit&oacute;rios de advocacia, inclusive no meu pr&oacute;prio. Tamb&eacute;m &eacute; criticado por defensores dos direitos humanos dentro e fora do Brasil, pela pr&aacute;tica do cerceamento ao direito de defesa e a politiza&ccedil;&atilde;o do processo penal no Brasil. Este &eacute; o lado obscuro de Sergio Moro.<br /> <br /> O juiz ficou irritado comigo porque fui obrigado a informar &agrave; Receita Federal quais eram os colaboradores do meu escrit&oacute;rio e entre os profissionais prestadores de servi&ccedil;os estava o nome do advogado Carlos Zucolotto, meu correspondente em Curitiba. Essa rela&ccedil;&atilde;o profissional com Zucolotto vem de muito antes de qualquer investiga&ccedil;&atilde;o contra mim. Eu n&atilde;o tinha a menor ideia que ele era amigo e padrinho de casamento de Moro. Fui obrigado a dar essa informa&ccedil;&atilde;o &agrave; Receita Federal no curso de uma fiscaliza&ccedil;&atilde;o no meu escrit&oacute;rio. Fiscaliza&ccedil;&atilde;o que durou dois anos e foi prorrogada dez vezes. Ao final, a Receita concluiu que n&atilde;o cometi irregularidades fiscais ou cont&aacute;beis, muito menos crime.<br /> <br /> Mais tarde, em 2016, Zucolotto me pediu US$ 5 milh&otilde;es em troca de sua intermedia&ccedil;&atilde;o durante negocia&ccedil;&atilde;o de um acordo com a for&ccedil;a-tarefa de Curitiba, cujo teor equivalia uma senten&ccedil;a por crimes que n&atilde;o cometi. Estranhamente, esta inc&ocirc;moda verdade nunca foi investigada. Entretanto, recentemente surgiram den&uacute;ncias de venda de prote&ccedil;&atilde;o por outros advogados de Curitiba, o que torna a investiga&ccedil;&atilde;o imprescind&iacute;vel para esclarecer eventual ocorr&ecirc;ncia de trafico de influ&ecirc;ncia, advocacia administrativa ou extors&atilde;o.<br /> <br /> Hoje, quem questiona o modus operandi da for&ccedil;a-tarefa de Curitiba na produ&ccedil;&atilde;o de dela&ccedil;&otilde;es premiadas em s&eacute;rie &eacute; considerado inimigo da &quot;lava jato&quot;. Eu pergunto: ser&aacute; que os advogados que defendem nossas prerrogativas, os ritos do Direito e as garantias legais s&atilde;o inimigos da &quot;lava jato&quot; e c&uacute;mplices da corrup&ccedil;&atilde;o? Ser&aacute; que teremos de ser coniventes com a brutalidade, o atropelo das leis e a subtra&ccedil;&atilde;o de direitos praticados por funcion&aacute;rios p&uacute;blicos? Tudo isso &eacute; muito parecido com aquilo que a escritora Hannah Arendt definiu como a banalidade do mal ao escrever sobre o julgamento de Adolf Eichmann ocorrido em 1961.<br /> <br /> A opera&ccedil;&atilde;o &quot;lava jato&quot; se tornou um polo de poder pol&iacute;tico, capaz de destruir reputa&ccedil;&otilde;es, empresas e institui&ccedil;&otilde;es. Na realidade, &eacute; uma esp&eacute;cie de poder paralelo que h&aacute; quatro anos influi na condu&ccedil;&atilde;o da pol&iacute;tica e da economia do pa&iacute;s sem ter mandato e compet&ecirc;ncia para tal. Pressionam o Congresso, o Executivo e o Supremo Tribunal Federal, pisam nas prerrogativas constitucionais dos advogados e criminalizam os defensores como se fossem os &uacute;nicos a ter legitimidade e o monop&oacute;lio da &eacute;tica e da moral.<br /> <br /> Quando fui arrolado como testemunha do ex-presidente Lula, virei alvo de ataques de alguns procuradores da for&ccedil;a-tarefa de Curitiba e condenado publicamente. Naquele momento, entendi que nunca serei aceito como testemunha, nem do ex-presidente Lula nem do presidente Michel Temer, em cuja den&uacute;ncia da PGR meu nome foi citado. N&atilde;o serei testemunha de ningu&eacute;m, porque esse &eacute; o desejo do juiz Sergio Moro e dos procuradores da for&ccedil;a-tarefa. Eles chamaram a Lei de Abuso de Autoridade de Lei da Morda&ccedil;a, mas n&atilde;o t&ecirc;m o menor constrangimento quando se trata de amorda&ccedil;ar testemunhas capazes de amea&ccedil;ar suas teses e estrat&eacute;gias de acusa&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Mesmo sabendo que nunca fui condenado e tive minha extradi&ccedil;&atilde;o negada por unanimidade pela Justi&ccedil;a da Espanha, o juiz Sergio Moro me ofendeu em rede nacional, ao vivo, no programa Roda Viva. Sem a menor cerim&ocirc;nia, quebrou o decoro exigido no artigo 36, inciso 3&ordf; da Lei Org&acirc;nica da Magistratura, e me prejulgou e condenou. Se ele n&atilde;o me ouviu, nunca me deu oportunidade de defesa nem me julgou, porque n&atilde;o tem jurisdi&ccedil;&atilde;o nem isen&ccedil;&atilde;o para isso, n&atilde;o pode e n&atilde;o deve, em respeito &agrave; lei, emitir ju&iacute;zo de valor, pr&eacute;-julgar, difamar e caluniar. Ele &eacute; julgador, n&atilde;o &eacute; acusador.<br /> <br /> A Justi&ccedil;a &eacute; um ativo das sociedades democr&aacute;ticas e deve ser exercida com autoridade, jamais com autoritarismo. Quando um juiz emite opini&atilde;o contra algu&eacute;m que &eacute; r&eacute;u na sua vara, isso &eacute; prejulgamento e viola um dos mais elementares princ&iacute;pios dos direitos humanos, qual seja, o direito a um julgamento imparcial, isento, t&eacute;cnico, sem v&iacute;nculos emocionais de qualquer natureza. Sergio Moro me proibiu de testemunhar, mas n&atilde;o conseguiu me calar.<br /> <br /> <img src="/uploads/image/artigos_tacla-duran_advogado-espanha.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Por <b><i>Rodrigo Tacla Duran</i></b>, no <a href="https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/ricardo-tacla-duran-poder-paralelo-lava-jato" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u>Conjur</u></i></span></a><br />