Mensurar impactos da reforma trabalhista será muito complexo

05 de julho de 2018 às 15:01

Clemente Ganz Lúcio
A Lei 13.467 foi criada para realizar complexa e grande mudan&ccedil;a no sistema de rela&ccedil;&otilde;es de trabalho e na representa&ccedil;&atilde;o sindical. Desde meados de novembro, quando a Reforma Trabalhista entrou em vigor, h&aacute; muita especula&ccedil;&atilde;o sobre a extens&atilde;o, profundidade e os impactos da nova legisla&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Nunca &eacute; demais lembrar que a Reforma &eacute; uma imposi&ccedil;&atilde;o do Legislativo e do governo federal aos trabalhadores, sem qualquer di&aacute;logo e estudo que dimensionasse impactos sociais, econ&ocirc;micos e institucionais. Ali&aacute;s, evitar mensura&ccedil;&atilde;o e debate fazia parte da estrat&eacute;gia, pois assim ficariam ocultas as consequ&ecirc;ncias das mudan&ccedil;as, pretendidas, desde o in&iacute;cio, pelos formuladores da nova lei.<br /> <br /> &Eacute; importante registrar que qualquer trabalho de mensura&ccedil;&atilde;o envolvendo uma mudan&ccedil;a desse tamanho exigiria grande e cuidadoso esfor&ccedil;o de prospec&ccedil;&atilde;o, para dar conta de todas as quest&otilde;es suscitadas. Mais ainda: seria necess&aacute;rio imaginar as m&uacute;ltiplas possibilidades de inter-rela&ccedil;&atilde;o entre diversos aspectos e os diferentes efeitos e/ou entendimentos.<br /> <br /> Como a Reforma foi imposta, agora, o trabalhador simplesmente foi inserido em uma nova situa&ccedil;&atilde;o no mundo laboral, na qual estar&aacute; muito mais submisso do que antes. Os impactos da lei ser&atilde;o primeiro sentidos, e s&oacute; depois e mensurados. Registros administrativos e pesquisas (domiciliares, nas empresas, nas ruas) dever&atilde;o ser iniciados ou alterados para captar situa&ccedil;&otilde;es, conceitos e categorias criados.<br /> <br /> Provavelmente, para uma observa&ccedil;&atilde;o plena dos resultados, ser&aacute; necess&aacute;rio um per&iacute;odo em torno de uma d&eacute;cada, quando ser&aacute; poss&iacute;vel ter no&ccedil;&atilde;o dos efeitos da Reforma. Evidentemente, nesse interim, a resist&ecirc;ncia operar&aacute; a luta social contra as insanidades da lei.<br /> <br /> A Reforma Trabalhista colocar&aacute; as regras do sistema de rela&ccedil;&otilde;es do trabalho em disputa, redefinindo de quem s&atilde;o e quais s&atilde;o os papeis das institui&ccedil;&otilde;es e como se dar&aacute; tratamento aos conflitos laborais. A atua&ccedil;&atilde;o dos empregadores, sindicatos, trabalhadores, do Minist&eacute;rio P&uacute;blico do Trabalho, da Justi&ccedil;a, associa&ccedil;&otilde;es, entre outros, permitir&aacute; in&uacute;meras trajet&oacute;rias diferentes, com possibilidades de resultados variados. Os caminhos e resolu&ccedil;&otilde;es dependem da velocidade e das estrat&eacute;gias dos empregadores na aplica&ccedil;&atilde;o da nova legisla&ccedil;&atilde;o, depois dos processos por meio dos quais as medidas ser&atilde;o implantadas e das rea&ccedil;&otilde;es, tanto aos processos como &agrave;s medidas; dos mecanismos utilizados para coopta&ccedil;&atilde;o ou coer&ccedil;&atilde;o, para impor essas regras, ou das iniciativas de negocia&ccedil;&atilde;o, para criar um novo ambiente para se negociar de forma efetiva, entre outras.<br /> <br /> As mudan&ccedil;as trar&atilde;o um novo contexto para o tratamento dos conflitos que ocorrem desde o ch&atilde;o da empresa e que passar&atilde;o a ter outro tipo de solu&ccedil;&atilde;o institucional. Greves e outras formas de resist&ecirc;ncia aparecer&atilde;o, a depender do contexto.<br /> <br /> As sa&iacute;das individuais, hoje muito proclamadas como liberdade, ser&atilde;o confrontadas, pois o trabalhador estar&aacute; numa rela&ccedil;&atilde;o ainda mais desequilibrada com o empregador, em situa&ccedil;&atilde;o totalmente submissa, usado, sem qualquer empecilho, como mera unidade de capital ou recurso humano. Com estrutura e lei dando autoridade e poder de coer&ccedil;&atilde;o ao empregador. Esse contexto deve contribuir para o ressurgimento de princ&iacute;pios, atualmente em desuso para muitos, que refundar&atilde;o as pr&aacute;ticas coletivas.<br /> <br /> Os contratos, a jornada, os diretos, os sal&aacute;rios, tudo ser&aacute; alterado. A jornada de trabalho, por exemplo, poder&aacute; ser estruturalmente parcial na rela&ccedil;&atilde;o com o contratante, mas individualmente longa, pois poder&aacute; existir mais de uma rela&ccedil;&atilde;o ou iniciativa aut&ocirc;noma de trabalho. A renda familiar, contudo, poder&aacute; ser reduzida. Mais pessoas legalmente ocupadas e com desprote&ccedil;&atilde;o ampliada! Mais de 100 milh&otilde;es de trabalhadores impactados.<br /> <br /> Os efeitos dessas mudan&ccedil;as sobre a massa de sal&aacute;rios e a demanda agregada oriunda do consumo das fam&iacute;lias ter&atilde;o repercuss&atilde;o sobre a din&acirc;mica do crescimento, o incremento da produtividade, virtuosa quando melhora a qualidade do emprego e faz crescer a renda m&eacute;dia do trabalho, esp&uacute;ria quando amplia os lucros, com aumento da explora&ccedil;&atilde;o do trabalhador.<br /> <br /> Haver&aacute; impactos na receita previdenci&aacute;ria, no imposto de renda, talvez nos tributos resultantes do consumo. A combina&ccedil;&atilde;o entre terceiriza&ccedil;&atilde;o sem limite e as formas de flexibiliza&ccedil;&atilde;o de contratos, jornadas, sal&aacute;rios e direitos trar&aacute; efeitos sobre a din&acirc;mica contributiva da receita tribut&aacute;ria, da seguridade e previd&ecirc;ncia social. Com restri&ccedil;&otilde;es econ&ocirc;micas e financeiras, toda a arrecada&ccedil;&atilde;o ser&aacute; afetada.<br /> <br /> A Justi&ccedil;a, o sindicato, os direitos ser&atilde;o reestruturados, ter&atilde;o novas caracter&iacute;sticas, assumindo outras fun&ccedil;&otilde;es.<br /> <br /> O Estado, por meio dos pr&oacute;prios &oacute;rg&atilde;os de pesquisa (dos quais o IBGE &eacute; o principal) e de registro administrativo (Caged, Rais e o E-Social e outros), dever&aacute; readequar os levantamentos, criando campos e perguntas para captar o novo cen&aacute;rio. As demais institui&ccedil;&otilde;es de pesquisa acompanhar&atilde;o o movimento. <br /> <br /> Para o DIEESE, entidade de pesquisa do movimento sindical, foi indicada como prioridade a observa&ccedil;&atilde;o do presente e a prospec&ccedil;&atilde;o do futuro. Uma tarefa para a qual a institui&ccedil;&atilde;o pretende construir coopera&ccedil;&otilde;es, al&eacute;m de promover espa&ccedil;os de di&aacute;logo.<br /> <br /> <b><i><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_clemente-ganz-lucio_sociologo-diretor-tecnico-dieese.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Clemente Ganz L&uacute;cio</i></b> &eacute; Soci&oacute;logo, diretor t&eacute;cnico do DIEESE, membro do CDES &ndash; Conselho de Desenvolvimento Econ&ocirc;mico e Social e do Grupo Reindustrializa&ccedil;&atilde;o