O PODER BEBE DE NOVAS FONTES

09 de julho de 2018 às 14:39

Gaudêncio Torquato,
O poder no Brasil come&ccedil;a a beber em novas fontes. Expliquemos. Espraia-se pelo pa&iacute;s um fen&ocirc;meno que ter&aacute; impacto sobre nossa modelagem democr&aacute;tica. A sociedade ganha mais pluralismo, a partir da organiza&ccedil;&atilde;o de suas entidades de representa&ccedil;&atilde;o, e nessa onda ocorre maior distribui&ccedil;&atilde;o de poder e consequente&nbsp; alargamento dos caminhos para a democratiza&ccedil;&atilde;o social. As pedrinhas do domin&oacute; v&atilde;o se tocando. A democratiza&ccedil;&atilde;o da sociedade civil adensa e amplifica a democracia pol&iacute;tica. Caminhamos&nbsp; firmes nessa dire&ccedil;&atilde;o e a prova mais eloquente dessa tend&ecirc;ncia se verifica na formid&aacute;vel malha de centros de poder institu&iacute;dos em todos os &acirc;mbitos e n&iacute;veis( associa&ccedil;&otilde;es, movimentos, grupamentos etc).<br /> <br /> Esse fen&ocirc;meno enfraquece o poder pol&iacute;tico representado pela institui&ccedil;&atilde;o parlamentar? De certo modo, sim. At&eacute; porque a esfera parlamentar padece de monumental crise de imagem. A forma&ccedil;&atilde;o de novos centros de poder no meio e nas margens da sociedade tamb&eacute;m tem por motivo a falta de respostas adequadas e tempestivas por parte do sistema parlamentar. Os mais de 30 partidos pol&iacute;ticos constituem um ente amalgamado, massa frequentemente incolor e sem matiz ideol&oacute;gico, na esteira, ali&aacute;s, do decl&iacute;nio geral das ideologias decorrente da debacle&nbsp; do socialismo cl&aacute;ssico, da globaliza&ccedil;&atilde;o e da quebra de fronteiras f&iacute;sicas, psicol&oacute;gicas e ideol&oacute;gicas entre pa&iacute;ses.<br /> <br /> As doutrinas se aproximam e se fundem, enquanto o desempenho menos convicto dos participantes do universo partid&aacute;rio impregna os ambientes. As lutas pol&iacute;ticas e sociais do passado, travadas sob o manto da clivagem ideol&oacute;gica, perderam sentido. Direita e esquerda cruzam seus ide&aacute;rios, enquanto o liberalismo e o socialismo procuram novos eixos conceituais, sob a vertente de que o primeiro demonstrou saber produzir riquezas, mas n&atilde;o saber como distribu&iacute;-las; j&aacute; o segundo demonstrou saber distribuir riquezas, mas n&atilde;o saber como produzi-las. E &eacute; a&iacute; que surgem os &ldquo;ca&ccedil;adores&rdquo; da ideologia dos novos tempos.<br /> <br /> &Eacute; o que se v&ecirc; aqui e alhures. As oposi&ccedil;&otilde;es partid&aacute;rias levam em conta a tomada do poder central, ficando em segundo plano o embate ideol&oacute;gico. Que partido pol&iacute;tico tem, hoje, um projeto de poder? O que o PT prega? O socialismo cl&aacute;ssico? Isso j&aacute; era. O que pregam os partidos de centro, a partir do PSDB? O social liberalismo? Quais os limites desse sistema? Por isso mesmo, o oposicionismo se d&aacute; menos em fun&ccedil;&atilde;o de uma vis&atilde;o ideol&oacute;gica do mundo e mais em fun&ccedil;&atilde;o de projetos circunstanciais de poder, centrados na pragm&aacute;tica pol&iacute;tica e, sobretudo, inspirados nas vontades e expectativas dos novos polos de press&atilde;o da sociedade.<br /> <br /> J&aacute; a a&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica voltada para a conquista do poder leva em considera&ccedil;&atilde;o a micropol&iacute;tica dos grupos de interesse, das regi&otilde;es, das comunidades locais. O processo pol&iacute;tico, no Brasil, se torna cada vez mais uma quest&atilde;o distritalizada, espacial. Basta ver a guerra fiscal entre Estados.&nbsp; J&aacute; a democracia participativa ganha alento com as manifesta&ccedil;&otilde;es e decis&otilde;es dos cidad&atilde;os reunidos em suas entidades.<br /> <br /> O fato &eacute; que os conjuntos organizados da sociedade recebem grande impulso - espa&ccedil;o e visibilidade - da m&iacute;dia, que descobre na investiga&ccedil;&atilde;o, na den&uacute;ncia e na cobertura de eventos de impacto uma forma de adensar a taxa c&iacute;vica da Na&ccedil;&atilde;o. At&eacute; parece que a sociedade organizada entoa o canto de Zaratustra(Nietsche) para expressar o estado de esp&iacute;rito da for&ccedil;a social emergente: &ldquo;novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; como todos os criadores, cansei-me das velhas l&iacute;nguas. N&atilde;o quer mais, o meu esp&iacute;rito, caminhar com solas gastas&rdquo;.<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato