O Cabaré pegou Fogo

09 de julho de 2018 às 16:06

Beatriz Vargas Ramos
Um desembargador de plant&atilde;o defere um pedido liminar em Habeas Corpus (o HC foi impetrado contra o ju&iacute;zo da execu&ccedil;&atilde;o penal). Coisa que &agrave;s vezes acontece, nada de mais, n&atilde;o seria a primeira vez. A&iacute; ent&atilde;o, um juiz de primeiro grau, que j&aacute; n&atilde;o tinha jurisdi&ccedil;&atilde;o no caso (porque j&aacute; havia sentenciado - processo findo, jurisdi&ccedil;&atilde;o esgotada), &quot;decide&quot; que precisa de uma orienta&ccedil;&atilde;o para saber &quot;como proceder&quot; (quando a ele n&atilde;o competiria proceder nem para A nem para B).<br /> <br /> Decide que algu&eacute;m precisa decidir o que o fazer com a decis&atilde;o do desembargador de plant&atilde;o. N&atilde;o foi uma decis&atilde;o, foi um alarme. Alarme acionado, segue-se uma verdadeira ca&ccedil;ada &agrave; decis&atilde;o do desembargador do plant&atilde;o. Todo mundo volta das f&eacute;rias. Todo mundo quer ser juiz de plant&atilde;o. Parece que o processo tem dono e que o tribunal n&atilde;o tem regimento interno. A&iacute; o relator que j&aacute; n&atilde;o era mais relator, dizendo-se juiz natural do processo, e sem ser provocado, entra em campo para anular a decis&atilde;o do juiz de plant&atilde;o, avoca os autos para si, ao argumento de que o pedido &eacute; mera reitera&ccedil;&atilde;o de outros que foram indeferidos (o que significa dizer que n&atilde;o h&aacute; nenhum outro enfoque ou perspectiva jur&iacute;dica poss&iacute;vel).<br /> <br /> Fabrica um conflito de jurisdi&ccedil;&atilde;o, um falso conflito de jurisdi&ccedil;&atilde;o. O fundamento da avoca&ccedil;&atilde;o: aquilo que a oitava turma decidiu &eacute; algo que pertence &agrave; ordem do imut&aacute;vel (do tipo &quot;quem manda aqui sou eu&quot;). O r&eacute;u n&atilde;o pode ser solto &ndash; &eacute; a decis&atilde;o de fundo. O ex-relator n&atilde;o quer aguardar a distribui&ccedil;&atilde;o do habeas corpus. O desembargador de plant&atilde;o volta a determinar o cumprimento da ordem de soltura. A pol&iacute;cia finge que n&atilde;o descumpre, mas tamb&eacute;m n&atilde;o cumpre, at&eacute; que, na queda de bra&ccedil;o, o presidente do tribunal (no caso, o terref&ecirc;-4) anula a decis&atilde;o do juiz de plant&atilde;o, porque &eacute; a primeira vez que aparece uma quest&atilde;o de conflito de compet&ecirc;ncia entre um juiz de plant&atilde;o e um ex-relator em f&eacute;rias que resolve voltar das f&eacute;rias e tomar para si um processo que foi distribu&iacute;do no plant&atilde;o (eis o falso conflito).<br /> <br /> A&iacute; a pol&iacute;cia n&atilde;o precisa mais fingir que ia cumprir a ordem do plant&atilde;o. E, no final das contas, qual &eacute; o barbarismo jur&iacute;dico? N&atilde;o &eacute; nenhum dos anteriores. O absurdo &eacute; que &quot;h&aacute; um desembargador petista!&quot; O absurdo &eacute; o &quot;desembargador petista&quot; achar que pode decidir no plant&atilde;o habeas corpus em favor do r&eacute;u, de acordo com sua liberdade de convencimento e argumenta&ccedil;&atilde;o jur&iacute;dica &ndash; na pior das hip&oacute;teses &ndash; razo&aacute;vel. Se a decis&atilde;o &eacute; certa ou errada, se h&aacute; fato novo ou n&atilde;o h&aacute;, essa &eacute; uma quest&atilde;o que deve ser resolvida no m&eacute;rito, pelo colegiado competente, n&atilde;o no vale-tudo, fora do molde legal ou &agrave; margem do procedimento aplic&aacute;vel. A impress&atilde;o que fica, mais uma vez: o que importa &eacute; a luta pelo poder.<br /> <br /> O terref&ecirc;-4 n&atilde;o ia correr tanto para prender Lula antes das elei&ccedil;&otilde;es, para deixar que um &quot;desembargador petista&quot; pudesse solt&aacute;-lo por um dia que fosse. O terref&ecirc;-4 s&oacute; autoriza o cumprimento de decis&atilde;o de juiz anti-petista. O terref&ecirc;-4 se tornou um tribunal t&atilde;o &quot;politizado&quot; que o regimento interno e a lei processual j&aacute; foram &agrave;s favas h&aacute; muito tempo. As a&ccedil;&otilde;es sobre a constitucionalidade do art. 283 do C&oacute;digo de Processo Penal dormem nas prateleiras do STF Como diz meu primo, &quot;o cabar&eacute; pegou fogo&quot;!<br /> <br /> <i><b><img src="/uploads/image/artigos_beatriz-vargas-ramos_formada-direito-mfmg(1).jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Beatriz Vargas Ramos</b></i>. Formada em direito pela UFMG, Beatriz Vargas &eacute; professora de direito penal e criminologia, na gradua&ccedil;&atilde;o e na p&oacute;s-gradua&ccedil;&atilde;o da Faculdade de Direito da UnB desde junho de 2009. &Eacute; autora de artigos e trabalhos de pesquisa no campo da criminologia e do direito penal