O TRF4 não é uma corte, é uma cidadela monárquica e absolutista

11 de julho de 2018 às 14:38

Gustavo Freire Barbosa
<div style="text-align: center;"><b><i><span style="font-size: x-small;"><img src="/uploads/image/img_desembargador-carlos-eduardo-thompson-flores_presidente-trf4_habeas-corpus-lula.jpg" width="450" height="265" align="middle" alt="" /><br /> Presidente do TRF4, desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores.<br /> </span></i></b><i><span style="font-size: x-small;">Foto: Marcelo Camargo/Ag&ecirc;ncia Brasil</span></i></div> <br /> A primeira li&ccedil;&atilde;o de qualquer um que pretenda entender como, na teoria, funciona a din&acirc;mica dos ditos regimes democr&aacute;ticos de direito &eacute; a de que a viola&ccedil;&atilde;o de um direito fundamental de algu&eacute;m, n&atilde;o importa quem seja, representa um ataque &agrave; pr&oacute;pria ordem constitucional como um todo.<br /> <br /> Essa ideia passa sobretudo pelos fundamentos da doutrina liberal cl&aacute;ssica que tratam da conten&ccedil;&atilde;o do desenfreado apetite das monarquias absolutistas. O rei faz o que quer, e a submiss&atilde;o ao humor de algu&eacute;m com tamanhos poderes gera, no m&iacute;nimo, uma inseguran&ccedil;a jur&iacute;dica que n&atilde;o guarda qualquer compatibilidade com o mais t&iacute;mido esbo&ccedil;o de democracia.<br /> <br /> Com o objetivo de colocar freios a este &iacute;mpeto, a no&ccedil;&atilde;o de direitos humanos e direitos fundamentais apareceu como sinal do despontar de um tempo onde n&atilde;o h&aacute; mais espa&ccedil;o para poderes ilimitados. O processo, enquanto conjunto de regras e ritos, apareceu tamb&eacute;m com este objetivo. O pr&eacute;vio estabelecimento das regras do jogo &eacute; uma das principais garantias do r&eacute;u, que de antem&atilde;o j&aacute; deve ter conhecimento dos caminhos a serem seguidos nas a&ccedil;&otilde;es judiciais nas quais se encontra como parte.<br /> <br /> Os acontecimentos de domingo, dia 08 de julho, mostraram ainda mais como um naco de nosso poder judici&aacute;rio ainda n&atilde;o assimilou 1789. Ap&oacute;s a ordem de soltura de Lula por parte do desembargador plantonista do Tribunal Regional Federal da 4&ordf; Regi&atilde;o, o juiz S&eacute;rgio Moro, mesmo estando de f&eacute;rias, despachou afirmando que a decis&atilde;o n&atilde;o deveria ser cumprida. As raz&otilde;es? Teria consultado o presidente da corte, que teria orientado a n&atilde;o cumpri-la at&eacute; que o desembargador relator fosse consultado.<br /> <br /> At&eacute; onde se sabe, n&atilde;o h&aacute; previs&atilde;o legal de recurso do tipo &ldquo;consulta ao chefe&rdquo;, ainda mais por parte de ju&iacute;zes que, por uma quest&atilde;o l&oacute;gica, n&atilde;o s&atilde;o e nem podem ser parte em processos nos quais atuam.<br /> <br /> Sem entrar no m&eacute;rito das alega&ccedil;&otilde;es de Moro, deveria estar claro que o entendimento pessoal de ju&iacute;zes de primeiro grau n&atilde;o &eacute; suficiente para que se descumpram decis&otilde;es de ju&iacute;zos superiores. Moro, pessoalmente, pode at&eacute; discordar da decis&atilde;o, mas n&atilde;o pode decidir pelo seu descumprimento. Ele n&atilde;o &eacute; parte, que &eacute; a quem cabe recorrer contra decis&otilde;es das quais discorda.<br /> <br /> Entretanto, desde o in&iacute;cio da opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato &ndash; e em particular do processo contra Lula &ndash; o juiz curitibano vem se comportando n&atilde;o apenas como parte diretamente interessada na pris&atilde;o do ex-presidente, mas como algu&eacute;m que agenda sua atua&ccedil;&atilde;o enquanto magistrado n&atilde;o em conformidade com os limites estabelecidos pela lei, mas pelas suas vontades, convic&ccedil;&otilde;es e c&oacute;digos morais particulares. Isso significa que Moro adubou e vem adubando, em pleno s&eacute;culo XXI, o terreno de uma aberrante esp&eacute;cie de monarquia judici&aacute;ria ou de magistratura mon&aacute;rquica, onde o juiz se v&ecirc; autorizado a decidir da forma como bem entender independentemente da lei ou do que quer que seja (bem sabemos que isso j&aacute; acontece desde sempre, sendo Moro apenas sua representa&ccedil;&atilde;o mais caricata e perigosa).<br /> <br /> Os exemplos de abusos s&atilde;o muitos, desde a libera&ccedil;&atilde;o do &aacute;udio da conversa entre Lula e Dilma at&eacute; &agrave; condu&ccedil;&atilde;o coercitiva do ex-presidente e &agrave; frouxid&atilde;o e subjetividade na ordena&ccedil;&atilde;o de pris&otilde;es preventivas, que seguem a l&oacute;gica arbitr&aacute;ria do &ldquo;prende para delatar, solta porque delatou&rdquo;.<br /> <br /> Para consolidar tamanhos absolutismos, o TRF4, ao julgar Moro por condutas dessa natureza, reconheceu com todas as letras que nos encontramos meio a um verdadeiro estado de exce&ccedil;&atilde;o ao decidir que situa&ccedil;&otilde;es excepcionais requerem medidas excepcionais, estando a 13&ordf; Vara Federal de Curitiba, portanto, autorizada a desrespeitar a lei, suspensa at&eacute; o melhor ju&iacute;zo da ousadia justiceira de seu titular.<br /> <br /> Destaque-se tamb&eacute;m o alvoro&ccedil;o criado pela ef&ecirc;mera suspens&atilde;o desse estado de exce&ccedil;&atilde;o pela decis&atilde;o do desembargador Rog&eacute;rio Favreto, que concedeu habeas corpus em favor do ex-presidente. A ordem de soltura &ndash; incr&iacute;vel e convenientemente desrespeitada tamb&eacute;m pela Pol&iacute;cia Federal &ndash; chegou ao ponto de fazer com que Moro suspendesse suas f&eacute;rias para despachar objetivando a manuten&ccedil;&atilde;o da pris&atilde;o de Lula, contando com o amparo dos desembargadores Gebran Neto e Thompson Flores. <br /> <br /> Mesmo sem a apresenta&ccedil;&atilde;o de recurso ou qualquer outra forma de impugna&ccedil;&atilde;o pelo Minist&eacute;rio P&uacute;blico Federal, meio a um domingo e com um despacho de um juiz de f&eacute;rias, a decis&atilde;o foi revertida pela presid&ecirc;ncia do tribunal e Lula continuou preso. O regime militar brasileiro, com todas as atrocidades pr&oacute;prias de ditaduras, costumava respeitar ordens de habeas corpus.<br /> <br /> Se havia um m&iacute;nimo de espa&ccedil;o para o benef&iacute;cio da ignor&acirc;ncia em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; justi&ccedil;agem de Moro e seus colegas, n&atilde;o h&aacute; mais. A obsess&atilde;o pela pris&atilde;o de Lula &eacute; parte de um projeto maior que n&atilde;o v&ecirc; qualquer constrangimento em implodir o m&iacute;nimo de democracia que conquistamos nos &uacute;ltimos trinta anos.<br /> <br /> Nesse contexto, a exacerbada criatividade judicial de Moro e cia &eacute; uma das mais pornogr&aacute;ficas express&otilde;es da completa indiscri&ccedil;&atilde;o de setores do judici&aacute;rio em privatizar a justi&ccedil;a e aprisionar a Constitui&ccedil;&atilde;o na gaiola de seus moralismos antirrepublicanos. <br /> <br /> No artigo &ldquo;A guerra justa de Lula&rdquo;, Fernando Tib&uacute;rcio Pe&ntilde;a afirma que nos casos em que o ativismo judicial &eacute; a mola propulsora de processos, tamanho contrassenso pode levar a um paradoxal estado de coisas onde aquele que julga acaba ficando sob a sombra da bandeira que empunha. Quando isso acontece,quem perde n&atilde;o &eacute; apenas Lula. &Eacute; a pr&oacute;pria democracia.<br /> <b><i><br /> Gustavo Freire Barbosa</i></b> &eacute; Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.<br /> Fonte: <a href="http://justificando.cartacapital.com.br/2018/07/10/trf4-nao-e-uma-corte-e-uma-cidadela-monarquica-e-absolutista/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u>http://justificando.cartacapital.com.br/</u></i></span></a>