A AMEAÇA DO "NÃO VOTO"

16 de julho de 2018 às 14:45

Gaudêncio Torquato,
As proje&ccedil;&otilde;es apontam para a eleva&ccedil;&atilde;o do &iacute;ndice do NV (N&atilde;o Voto - absten&ccedil;&otilde;es, votos nulos e brancos), na elei&ccedil;&atilde;o de 7 de outubro, a um patamar acima de 40%. Recorde-se que o 2&ordm; turno da elei&ccedil;&atilde;o para governo de Tocantins, em junho passado, registrou 51,83% de eleitores votando em branco, anulando ou deixando de comparecer &agrave;s urnas.<br /> <br /> Trata-se, como se deduz de pesquisas, da indigna&ccedil;&atilde;o do eleitor em rela&ccedil;&atilde;o &agrave;s coisas da pol&iacute;tica &ndash; atores, m&eacute;todos e processos. O eleitor protesta contra o lama&ccedil;al que envolve a esfera pol&iacute;tica, que parece indiferente a um clamor social exigindo mudan&ccedil;as de comportamentos e atitudes. A principal arma que disp&otilde;e o eleitor para mudar a pol&iacute;tica &eacute; o voto. Ora, se o cidad&atilde;o se recusa a usar esse direito est&aacute;, de certa forma, contribuindo para a manuten&ccedil;&atilde;o do status quo, perpetuando mazelas que infestam o cotidiano da vida pol&iacute;tica.<br /> <br /> Estamos, portanto, diante de um dilema: caso o NV assuma propor&ccedil;&otilde;es grandiosas no pleito deste ano, a hip&oacute;tese de mudan&ccedil;a na fisionomia pol&iacute;tica cai por terra, arrastada por ondas da mesmice, onde se enxergam as abomin&aacute;veis pr&aacute;ticas do fisiologismo (&ldquo;&eacute; dando que se recebe&rdquo;), o coronelismo (os currais eleitorais, a pol&iacute;tica de cabresto), o nepotismo (as engordas grupais), a estadania (o incremento da depend&ecirc;ncia social do Estado), o neo-sindicalismo peleguista (teias sindicais agarradas &agrave;s mamas do Estado), a mir&iacute;ade de partidos e seus escopos pasteurizados etc.<br /> <br /> A renova&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica, bandeira erguida pela sociedade organizada, corre o risco de fracassar, caso o eleitorado se distancie do processo eleitoral ou, mesmo comparecendo &agrave;s urnas, anule o sufr&aacute;gio ou vote em branco. &Eacute; oportuno lembrar que o eleitor &eacute; pe&ccedil;a fundamental no jogo de xadrez da pol&iacute;tica. Se n&atilde;o tentar dar um xeque no protagonista que busca se eleger, este acabar&aacute; sendo empurrado para o altar da representa&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica por ex&eacute;rcitos treinados nas trincheiras dos velhos costumes. Assim, a renova&ccedil;&atilde;o nas molduras governativa e parlamentar n&atilde;o ocorrer&aacute;.<br /> <br /> Ali&aacute;s, calcula-se que a renova&ccedil;&atilde;o da representa&ccedil;&atilde;o no Parlamento seja de apenas 40% este ano, menor do que em pleitos do passado. A campanha mais curta &ndash; de 45 dias nas ruas e de 35 dias na m&iacute;dia eleitoral &ndash; beneficiar&aacute; os mais conhecidos e aqueles de maiores recursos financeiros. (No pleito anterior, a campanha tinha 90 dias de rua e 45 dias de programa eleitoral no r&aacute;dio e TV).<br /> <br /> O fato &eacute; que n&atilde;o se pode contar com mudan&ccedil;a pol&iacute;tica por unilateral vontade do corpo parlamentar. Deputado ou senador, se n&atilde;o recebem press&atilde;o da base eleitoral, resistem a qualquer ideia de avan&ccedil;ar, alterar, mudar regras que, hoje, os beneficiam. Ou, para usar a express&atilde;o mais popular, n&atilde;o dar&atilde;o um tiro no p&eacute;. Por conseguinte, a reformula&ccedil;&atilde;o da pol&iacute;tica carece de participa&ccedil;&atilde;o ativa do eleitor, raz&atilde;o pela qual este deve cobrar de seus candidatos compromissos com avan&ccedil;os com o fito de eliminar os cancros que corroem o corpo pol&iacute;tico.<br /> <br /> Em suma, a pol&iacute;tica n&atilde;o se renova porque n&atilde;o h&aacute;, por parte dos representantes, desejo de mud&aacute;-la. E n&atilde;o h&aacute; desejo porque o eleitor ainda n&atilde;o jogou seu representante no carrossel das transforma&ccedil;&otilde;es. O pleito de outubro deste ano tende a encerrar a era do grande compadrio na pol&iacute;tica. O que n&atilde;o quer necessariamente dizer que isso ocorrer&aacute;. Por isso mesmo, urge despertar a consci&ecirc;ncia c&iacute;vica do cidad&atilde;o. Motiv&aacute;-lo a colocar sobre os trilhos o trem das mudan&ccedil;as. Toda a aten&ccedil;&atilde;o deve se dar &agrave; bomba que amea&ccedil;a explodir a locomotiva: o N&atilde;o Voto. Absten&ccedil;&otilde;es, votos nulos e brancos, em demasia, s&atilde;o os ingredientes que podem implodir nosso ainda incipiente sistema democr&aacute;tico.<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato