A suspensão da descrença

26 de julho de 2018 às 16:57

Daniel Medeiros
&Eacute; cada vez mais comum ouvir as pessoas negando a pol&iacute;tica. Qualquer um que fale dela s&oacute; &eacute; admitido nos c&iacute;rculos de conversa se for para falar mal. Por outro lado, qualquer um que se disponha a participar da pol&iacute;tica &eacute; imediatamente taxado de oportunista e candidato &agrave; locupleta&ccedil;&atilde;o. &Eacute; um c&iacute;rculo fechado cuja senha de entrada &eacute;: a pol&iacute;tica n&atilde;o presta.<br /> <br /> O argumento tem muitas raz&otilde;es para existir. O principal &eacute; o de que a maioria dos pol&iacute;ticos n&atilde;o presta. As institui&ccedil;&otilde;es parecem cupinzeiros: grandes estruturas completamente carcomidas por dentro. No entanto, h&aacute; um problema claro nessa elabora&ccedil;&atilde;o: os pol&iacute;ticos n&atilde;o s&atilde;o a pol&iacute;tica. A pol&iacute;tica &eacute; a forma de representa&ccedil;&atilde;o constitu&iacute;da para viabilizar a conviv&ecirc;ncia (e a exist&ecirc;ncia) da vida coletiva. Afinal, como poderiam as pessoas viver em um espa&ccedil;o p&uacute;blico sem que algu&eacute;m organizasse as atividades de funcionamento desse espa&ccedil;o? H&aacute; muito tempo, Thomas Hobbes fez uma sugest&atilde;o: entregamos toda a nossa liberdade e deixamos a um s&oacute; governante a tarefa total de tomar essas decis&otilde;es. Sim, parece ser uma sa&iacute;da. A outra &eacute; a pol&iacute;tica.<br /> <br /> Vivemos em uma coletividade mas, &eacute; claro, n&atilde;o pensamos da mesma maneira. Nossa individualidade, constantemente, busca deixar marcas nesse espa&ccedil;o coletivo. N&atilde;o concordamos com uma coisa, temos uma ideia sobre outra coisa, achamos mais ou menos justo um arranjo, queremos a constru&ccedil;&atilde;o de algo, defendemos a destrui&ccedil;&atilde;o de outro algo, a amplia&ccedil;&atilde;o, a libera&ccedil;&atilde;o, a distribui&ccedil;&atilde;o, a restri&ccedil;&atilde;o, enfim, a lista de quereres &eacute; enorme. Mas existem os outros que, muitas vezes, querem coisas opostas &agrave;s que defendemos. Por isso, &eacute; preciso construir maiorias para impor ou consensos para ceder. E ainda &eacute; preciso escolher quem elabore as regras do funcionamento dessas coisas todas. E ainda escolher quem execute toda essa lista de coisas. E, quando o consenso demora, &eacute; preciso que exista quem decida o que fazer para que a paralisia n&atilde;o prejudique a todos. E &eacute; preciso fiscalizar os escolhidos. E substitui-los periodicamente. Um trabalho dos diabos! E quem deve fazer tudo isso? S&oacute; h&aacute; uma resposta: n&oacute;s. Ou ent&atilde;o tem aquela&nbsp; proposta do Hobbes. Para muitos, ela parece tentadora. O duro &eacute; que ningu&eacute;m garante que o tal governante todo poderoso vai fazer o melhor. Ou fazer algo. E se ele decidir sempre contra o que voc&ecirc; pensa e voc&ecirc; n&atilde;o tem mais a liberdade de poder mudar? Por isso, a pol&iacute;tica n&atilde;o deveria ser pensada como uma sa&iacute;da, mas como uma entrada. Para viver coletivamente &eacute; preciso entrar no jogo, arrega&ccedil;ar as mangas, por as m&atilde;os &agrave; obra. Fora disso &eacute; o Leviat&atilde;, o Estado como um monstro sem ouvidos para as vontades e para as diferen&ccedil;as.<br /> <br /> A pol&iacute;tica tem uma exig&ecirc;ncia: conhecer as regras do jogo. Como o xadrez, h&aacute; as pe&ccedil;as e o tabuleiro. Mas n&atilde;o haver&aacute; jogo sem conhecer as suas regras. Sim, voc&ecirc; pode mover as pe&ccedil;as ou at&eacute; batucar no tabuleiro. Voc&ecirc; s&oacute; n&atilde;o jogar&aacute; xadrez. Conhecer as regras &eacute; um ato de vontade que pressup&otilde;e um querer jogar. Se nego a pol&iacute;tica, n&atilde;o jogo. Se n&atilde;o jogo, n&atilde;o sei quem ganha ou como ganha. No entanto, diferente do xadrez, na pol&iacute;tica o pr&ecirc;mio de quem ganha &eacute; poder jogar com a sua vida, com as suas propriedades, com o seu trabalho, com a sua sa&uacute;de, com a sua educa&ccedil;&atilde;o, com a sua seguran&ccedil;a. E como vou reclamar? Negando as regras que n&atilde;o quis conhecer e os representantes que n&atilde;o me importei em escolher?<br /> <br /> A pol&iacute;tica pressup&otilde;e uma suspens&atilde;o da descren&ccedil;a. Se continuarmos negando, aqueles que se locupletam continuar&atilde;o a compor as maiorias e elaborar os arranjos. O cupinzeiro em a&ccedil;&atilde;o, cada vez maior e mais carcomido. Se acreditarmos na pol&iacute;tica, podemos reescrever esses arranjos e retomar a trajet&oacute;ria de uma sociedade capaz de pensar em sua sobreviv&ecirc;ncia e seu bem estar, jogando o jogo das diferen&ccedil;as com regras claras e chances reais para todos. Duro de acreditar? N&atilde;o vai embarcar nessa? Bom, a sa&iacute;da est&aacute; logo ali, em lugar nenhum.<br /> &nbsp;<br /> <i><b><img src="/uploads/image/artigos_daniel-medeiros_doutor-educacao-historica-professor-curso-positivo_.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Daniel Medeiros</b></i> &eacute; doutor em Educa&ccedil;&atilde;o Hist&oacute;rica pela UFPR e professor de Hist&oacute;ria no Curso Positivo, de Curitiba (PR).