BALAS PERDIDAS

02 de agosto de 2018 às 10:18

João Baptista Herkenhof
N&atilde;o h&aacute; uma defini&ccedil;&atilde;o jur&iacute;dica do que seja bala perdida. Entretanto, o termo foi incorporado &agrave; linguagem corrente para significar proj&eacute;til de arma de fogo que atinge pessoa que n&atilde;o estava envolvida no epis&oacute;dio, fato ou evento que motivou o disparo. Ou seja, a bala perdida &eacute; a bala sem rumo, que n&atilde;o estava endere&ccedil;ada &agrave;quele que pela mesma foi alcan&ccedil;ado. &nbsp;<br /> <br /> Fica assim entendido que &eacute; &ldquo;v&iacute;tima de bala perdida&rdquo; a pessoa que teve a desdita de estar no lugar errado, na hora errada, e que por este motivo recebeu o impacto do artefato que lhe causou ferimentos ou morte.<br /> <br /> Em outros tempos de Brasil a bala perdida era acontecimento raro, motivo pelo qual n&atilde;o obteve um adequado tratamento legislativo. Hoje, entretanto, as balas perdidas frequentam o cotidiano do notici&aacute;rio.<br /> <br /> Conforme levantamento feito pelos jornais &ldquo;A Gazeta&rdquo; e &ldquo;Not&iacute;cia Agora&rdquo;, de Vit&oacute;ria, mais de meia centena de pessoas morreram em consequ&ecirc;ncia de balas perdidas, nos &uacute;ltimos meses, no Esp&iacute;rito Santo. Suponho que em outros Estados a situa&ccedil;&atilde;o seja semelhante.<br /> <br /> Dentre os casos mais dram&aacute;ticos registre-se o de uma crian&ccedil;a de onze anos que recebeu um tiro no peito quando estava brincando no quintal de um vizinho, na Rua Jos&eacute; Bonif&aacute;cio, no bairro Aribiri, em Vila Velha.<br /> Outra ocorr&ecirc;ncia assustadora foi a de um comerciante de 34 anos, que foi atingido por bala perdida quando falava com o pai ao telefone no bairro Cascata da Serra.<br /> <br /> Houve, no Brasil, em 23 de outubro de 2005, um referendo que proibiria comercializar armas de fogo. Esse referendo consistia em aprovar o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento:<br /> <br /> &quot;Art. 35 - &Eacute; proibida a comercializa&ccedil;&atilde;o de arma de fogo e muni&ccedil;&atilde;o em todo o territ&oacute;rio nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6&ordm; desta Lei&quot;.<br /> <br /> A proibi&ccedil;&atilde;o pretendida n&atilde;o alcan&ccedil;ou apoio da maioria dos votantes.<br /> <br /> Os eleitores podiam optar pela resposta &quot;sim&quot; ou &quot;n&atilde;o&quot;. O resultado final foi de 59.109.265 votos rejeitando a proposta (63,94%), enquanto 33.333.045 votaram pelo &quot;sim&quot; (36,06%).<br /> <br /> De minha parte, cumprindo um dever de consci&ecirc;ncia, votei pelo sim, escrevi um artigo defendendo o voto sim, e concedi entrevistas na televis&atilde;o apelando para que o eleitorado aprovasse o desarmamento. Mas, ao lado de milh&otilde;es de pacifistas, fui derrotado.<br /> <br /> O argumento a favor do n&atilde;o era o de que os homens de bem precisavam do direito de se armar. Esqueceram-se os defensores desta tese de um detalhe fundamental: as armas legalmente adquiridas poderiam ser furtadas para a pr&aacute;tica de crimes, como tem ocorrido com frequ&ecirc;ncia.<br /> <br /> Talvez agora, sob o ru&iacute;do e o fulgor das balas perdidas, rentes &agrave;s varandas dos nossos edif&iacute;cios, uma nova consulta popular possa ser realizada para repor, perante a opini&atilde;o p&uacute;blica, o debate do tema.<br /> &nbsp;<br /> <b><i>Jo&atilde;o Baptista Herkenhoff</i></b>, &eacute; juiz de Direito aposentado, livre-docente da Universidade Federal do Esp&iacute;rito Santo, escritor, palestrante. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com / Site: www.palestrantededireito.com.br