À DIREITA, VOLVER

15 de agosto de 2018 às 17:09

Gaudêncio Torquato,
O dado abre uma boa reflex&atilde;o: a campanha eleitoral deste ano re&uacute;ne o maior n&uacute;mero de candidatos militares dos tempos de redemocratiza&ccedil;&atilde;o: 90. O que tamb&eacute;m chama a aten&ccedil;&atilde;o &eacute; a quantidade de convocados para compor chapas majorit&aacute;rias aos governos estaduais. Em S&atilde;o Paulo, duas tenentes coron&eacute;is compor&atilde;o como vices as chapas do governador M&aacute;rcio Fran&ccedil;a (PSB) e do presidente licenciado da Fiesp, Paulo Skaf (MDB).&nbsp; No Paran&aacute;, a governadora Cida Borghetti (PP) ter&aacute; como vice um coronel aposentado da PM. Qual o significado do afluxo de militares no pleito?<br /> <br /> Tentemos formar algumas hip&oacute;teses. Primeiro, o ambiente de deteriora&ccedil;&atilde;o que acolhe a esfera pol&iacute;tica. Nos &uacute;ltimos tempos, a lama da corrup&ccedil;&atilde;o tem escorrido sobre os v&atilde;os e desv&atilde;os da Rep&uacute;blica, afogando protagonistas da pol&iacute;tica, da burocracia estatal e do mundo dos neg&oacute;cios privados. O mensal&atilde;o e o petrol&atilde;o (Lava Jato) comp&otilde;em as duas grandes opera&ccedil;&otilde;es que, ao correr de meses, ganharam espa&ccedil;os midi&aacute;ticos, plasmando a imagem destro&ccedil;ada de representantes, governantes, executivos e empres&aacute;rios. P&ocirc;r ordem na bagun&ccedil;a que virou o Brasil de ponta-cabe&ccedil;a, eis o apelo embutido no apoio aos militares. Que assumem&nbsp; conota&ccedil;&atilde;o de profissionais s&eacute;rios, de vida pacata na caserna e corajosa no cotidiano nas ruas, combatendo m&aacute;fias criminosas, ainda mais quando a viol&ecirc;ncia se expande nas cidades e nas &aacute;reas rurais.<br /> <br /> Portanto, o perfil do militar &eacute; entronizado na moldura c&iacute;vica do pa&iacute;s, nesse momento em que a sociedade se mostra indignada contra costumes da velha pol&iacute;tica. Pux&aacute;-los para a seara eleitoral seria um esfor&ccedil;o dos pol&iacute;ticos para conferir assepsia aos partidos &ndash; desacreditados &ndash; e oxig&ecirc;nio &agrave;s chapas. Essa &eacute; a hip&oacute;tese que explica a ascens&atilde;o do protagonista militar que&nbsp; impacta a paisagem eleitoral: Jair Bolsonaro, ex-capit&atilde;o do Ex&eacute;rcito.<br /> <br /> Deputado alvejado de cr&iacute;ticas ao longo de 30 anos de mandato, conhecido por frases fortes, algumas de car&aacute;ter machista, homof&oacute;bico e xen&oacute;fobo, Bolsonaro n&atilde;o frequentava o ranking dos representantes prestigiados ou respeitados da C&acirc;mara. Foi catapultado ao andar de cima do protagonismo eleitoral na esteira do clamor social por limpeza na pol&iacute;tica. De repente, o acervo discursivo do capit&atilde;o, considerado folcl&oacute;rico e de baixo n&iacute;vel, passou a ganhar aplausos de todos os lados. Alguns conceitos a ele atribu&iacute;dos: &ldquo;Bandido bom &eacute; bandido morto&rdquo;; &ldquo;policial bom &eacute; aquele que d&aacute; tiros, que mata&rdquo;.<br /> <br /> O capit&atilde;o, cuja vida militar foi marcada por epis&oacute;dios vexat&oacute;rios &ndash; acusado de transgress&atilde;o grave ao Regulamento Disciplinar do Ex&eacute;rcito (RDE) &ndash; ganha a posi&ccedil;&atilde;o de ant&iacute;doto &agrave;s coisas ruins da pol&iacute;tica e, ainda, de contundente guerreiro contra o PT, sua filosofia pol&iacute;tica e seus l&iacute;deres, a partir de Lula. Assim adquiriu status de opositor principal ao lulo-petismo, energizando multid&otilde;es de militantes que o recebem em aeroportos, sob o grito de &ldquo;mito&rdquo;.<br /> <br /> E para arrematar a posi&ccedil;&atilde;o ultraconservadora, de modo a sinalizar um recorte militarista na chapa, o capit&atilde;o escolhe um general aposentado, Hamilton Mour&atilde;o, que abre a campanha bolsonariana de modo pol&ecirc;mico, atribuindo ao negro a &ldquo;malandragem&rdquo; e ao &iacute;ndio, a &ldquo;indol&ecirc;ncia&rdquo;, tra&ccedil;os de nossa miscigena&ccedil;&atilde;o cultural. O fato &eacute; que os dois militares aposentados do Ex&eacute;rcito, formando a chapa presidencial, e os coron&eacute;is da PM, compondo chapas majorit&aacute;rias nos Estados, a par de uma centena de outros de origem militar nas chapas proporcionais, constituem um fen&ocirc;meno de nossa contemporaneidade pol&iacute;tica.<br /> <br /> O arco ideol&oacute;gico exibe fortes tra&ccedil;os &agrave; esquerda, desenhados principalmente pelo PT e suas extens&otilde;es. Abriga, tamb&eacute;m, espa&ccedil;oso habitat do centro e de suas proximidades, mas o fato novo &eacute; o adensamento da extrema direita, at&eacute; ent&atilde;o, restrita e meio escondida. Agora, seus simpatizantes aplaudem o lema: &ldquo;&agrave; direita, volver&rdquo;. <br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato