Quanto maior a desigualdade, mais corrupção

24 de agosto de 2018 às 17:38

Luiz Flávio Gomes
<div style="margin-left: 120px;"><span style="font-size: medium;"><b><i>&quot;Enquanto n&atilde;o atacarmos com dureza essas doen&ccedil;as do Brasil, fazendo o ladr&atilde;o devolver o roubado e pagar pelo que fez de errado, v&atilde;o se agravando os seus efeitos mal&eacute;ficos assim como o sofrimento da popula&ccedil;&atilde;o&quot;</i></b></span></div> <br /> Em todos os pa&iacute;ses de corrup&ccedil;&atilde;o sist&ecirc;mica (o Brasil ocupa a posi&ccedil;&atilde;o 96 no ranking da Transpar&ecirc;ncia Internacional) &eacute; muito elevado o &iacute;ndice de desigualdade. A corrup&ccedil;&atilde;o, nesses pa&iacute;ses, n&atilde;o se deve apenas &agrave;s patologias humanas decorrentes da falta de &eacute;tica, sen&atilde;o, sobretudo, &agrave;s desigualdades (econ&ocirc;micas, sociais, estruturais, psicol&oacute;gicas, educacionais, de oportunidades etc.).<br /> <br /> O Brasil &eacute; um pa&iacute;s exageradamente corrupto porque &eacute; vergonhosamente desigual.<br /> <br /> Vamos recordar: somos o 10&ordm; pa&iacute;s mais desigual do mundo, de acordo com o &iacute;ndice Gini (que mede esse desequil&iacute;brio). &Eacute; o 4&ordm; pa&iacute;s mais desigual da Am&eacute;rica Latina, s&oacute; perdendo para Haiti, Col&ocirc;mbia e Paraguai. Embora seja a 7&ordf; economia do planeta, possui um indecente &Iacute;ndice de Desenvolvimento Humano (posi&ccedil;&atilde;o 79, em 188 pa&iacute;ses pesquisados).<br /> <br /> Em nenhum outro pa&iacute;s h&aacute; tanta concentra&ccedil;&atilde;o de renda: o 1% mais rico det&eacute;m 30% da renda total (ver Pesquisa da desigualdade Mundial de 2018). Nem o Oriente M&eacute;dio nem os EUA t&ecirc;m tanta concentra&ccedil;&atilde;o de renda.<br /> <br /> A cruel desigualdade brasileira no s&eacute;culo XXI &eacute; continua&ccedil;&atilde;o do sistema feudal da Idade M&eacute;dia. Entre n&oacute;s existem 450 empresas (ver Bruno Carazza, Dinheiro, elei&ccedil;&otilde;es e poder) e umas 20 fam&iacute;lias que se comportam como senhores feudais, que compraram os mandatos (via financiamento de campanha) de uns 300 pol&iacute;ticos superinfluentes entre 1994 e 2014.<br /> <br /> Pol&iacute;ticos com mandatos comprados cumprem o papel de vassalos dos senhores feudais, protegendo seus interesses materiais no &acirc;mbito do Executivo e do Legislativo (por meio de leis de isen&ccedil;&otilde;es fiscais, dinheiro p&uacute;blico barato, contratos p&uacute;blicos sem licita&ccedil;&atilde;o l&iacute;cita, contratos superfaturados, desonera&ccedil;&otilde;es e ren&uacute;ncias fiscais etc.).<br /> <br /> Tal qual na Idade M&eacute;dia (s&eacute;culo V ao XV), os senhores feudais (verdadeiros donos do Brasil) possuem muito poder econ&ocirc;mico e pol&iacute;tico. Mas n&atilde;o estariam no comando da na&ccedil;&atilde;o h&aacute; 518 anos se n&atilde;o contassem com incont&aacute;veis aparatos de prote&ccedil;&atilde;o que v&atilde;o al&eacute;m da vassalagem pol&iacute;tica (que &eacute; comprada).<br /> <br /> A influ&ecirc;ncia desses senhores feudais alcan&ccedil;a tamb&eacute;m a vassalagem de setores do judici&aacute;rio, da alta burocracia estatal, do mundo militarizado, da grande m&iacute;dia, da intelectualidade vendida e da religi&atilde;o. Sem aparatos protetivos os senhores feudais desapareceriam.<br /> <br /> As desgra&ccedil;as geradas pelo feudalismo corrupto n&atilde;o se limitam &agrave; indigna&ccedil;&atilde;o que nos gera o dinheiro roubado (que j&aacute; &eacute; absolutamente intoler&aacute;vel). &Eacute; que esse dinheiro faz muita falta para a educa&ccedil;&atilde;o, sa&uacute;de, seguran&ccedil;a, Justi&ccedil;a, transportes e infraestrutura. O bem comum sucumbe diante dos deplor&aacute;veis interesses privados, que menosprezam desde logo a &eacute;tica.<br /> <br /> O pior &eacute; que da&iacute; nasce um tipo de cultura pol&iacute;tica de desapre&ccedil;o pela democracia. Da apatia democr&aacute;tica fundada na descren&ccedil;a frente &agrave;s institui&ccedil;&otilde;es decorre n&atilde;o apenas a recusa do eleitor de participar validamente das elei&ccedil;&otilde;es (os votos brancos, nulos e a absten&ccedil;&atilde;o continuam em alta) como um tipo de revolta que est&aacute; levando v&aacute;rias partes do continente a ditaduras eleitas pelo povo.<br /> <br /> Por causa do feudalismo corrupto protagonizado pelos senhores feudais donos do pa&iacute;s, o Brasil se acha imerso em um c&iacute;rculo vicioso altamente destrutivo da sociedade brasileira. Doen&ccedil;as que j&aacute; tinham desaparecido est&atilde;o retornando (sarampo, poliomielite etc.).<br /> <br /> Tudo deriva da falta de confian&ccedil;a entre as pessoas assim como nas institui&ccedil;&otilde;es. A falta de confian&ccedil;a favorece muito a difus&atilde;o da corrup&ccedil;&atilde;o sist&ecirc;mica. Esta, por sua vez, amplia a falta de confian&ccedil;a nas institui&ccedil;&otilde;es. &Eacute; um c&iacute;rculo vicioso mortal. Nossa sociedade est&aacute; sendo destru&iacute;da pelos donos corruptos do poder.<br /> <br /> Uma plutocracia (poder dos endinheirados) gananciosa, ego&iacute;sta e corrupta converteu o Brasil numa cleptocracia que &eacute; continuidade do feudalismo da Idade M&eacute;dia.<br /> <br /> Cleptocracia significa governos de ladr&otilde;es que se sucedem, sem resolver nossos problemas b&aacute;sicos de escolariza&ccedil;&atilde;o, sa&uacute;de, transportes, seguran&ccedil;a e Justi&ccedil;a.<br /> <br /> Enquanto n&atilde;o atacarmos com dureza essas doen&ccedil;as do Brasil, fazendo o ladr&atilde;o devolver o roubado e pagar pelo que fez de errado, v&atilde;o se agravando os seus efeitos mal&eacute;ficos assim como o sofrimento da popula&ccedil;&atilde;o. At&eacute; quando o brasileiro vai suportar os desmandos e caprichos dos senhores feudais donos da Na&ccedil;&atilde;o?<br /> <br /> <i><b><img src="/uploads/image/artigos_luiz-flavio-gomes_jurista-e-professor.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Luiz Fl&aacute;vio Gomes</b></i>. Jurista e professor. Fundador da rede de ensino LFG, preside o Instituto Avante Brasil. Foi promotor de justi&ccedil;a (1980 a 1983), juiz de direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Para agendar palestras e entrevistas, favor ligar para 55 11 99169-7674.