A democracia brasileira: um eterno embrião
09 de setembro de 2018 às 10:15
Leonardo Pantaleão
O embrião, como se sabe, corresponde ao estágio inicial do desenvolvimento de um organismo. Nas plantas, é uma parte da semente; nos animais, é o produto das primeiras modificações do óvulo fecundado, que dará origem a um novo indivíduo.<br />
<br />
A democracia no Brasil, em que pese ter início nos idos do século XX, após a Ditadura Militar, período marcado por forte repressão estatal que, sobretudo, alijava os cidadãos de exercerem, em sua 'plenitude', o denominado livre-arbítrio, ainda pode ser assim considerada.<br />
<br />
No país, em apertada síntese, foram aproximados 30 (trinta) anos de luta para se alcançar a igualdade de direitos que foi concebida, sobretudo, com a implementação de uma nova Carta Política.<br />
<br />
A Constituição Federal de 1988, nesse prisma, contempla a liberdade de direitos, a igualdade social, liberdade de voto e de expressão, e, ainda, um sistema de eleições livres. Incríveis ideais!!!<br />
<br />
Por outro lado, o que talvez não se esperava, era que a modificação da cultura de um povo até então oprimido fosse encontrar maior obstáculo do que a própria alteração legislativa em seu mais alto grau.<br />
<br />
O lamentável atentado ocorrido em desfavor do presidenciável Jair Bolsonaro, em Minas Gerais, corrobora o estágio inicial de um organismo político obtido com grande intrepidez pela sociedade brasileira. <br />
<br />
A intolerância, o discurso de ódio, a liberdade de voto e de expressão sendo contidas por atos de extremada violência moral e física, representam inegável retrocesso a esse regime político em que a soberania e o poder são exercidos pelo povo, através do sufrágio universal.<br />
<br />
Cumpre-nos, neste momento de 'luto democrático', analisar, sob a égide jurídica vigente, se tal ato representa ou não um 'crime político'. <br />
<br />
Nesta etapa, caro leitor, não se pretende aprofundar, por escapar ao escopo presente, a correção técnica de tal terminologia, ou seja, se a referência a expressão "crime" adequa-se ou não a tal espécie de infração. Sigamos. <br />
<br />
A Constituição Federal de 1988 prevê, na parte inicial da regra do art. 109, IV, a competência da Justiça Comum Federal para o processo e julgamento dos crimes políticos.<br />
<br />
Para Nelson Hungria, um dos maiores juristas que o país conheceu, tais infrações se caracterizam pela conduta que "ofende ou expõe a perigo de ofensa, exclusivamente, a ordem política em sentido amplo ou a ordem político social (compreensiva não apenas das condições existenciais e o regime governamental do Estado e dos direitos políticos dos cidadãos, senão também, nas suas bases fundamentais, a organização social, sôbre a qual se ergue a ordem política em sentido estrito), e cujo autor, além disso, tem por escopo êsse mesmo resultado específico ou assume o risco de seu advento."<br />
<br />
Em adição, de acordo com a teoria subjetiva, a existência de crime político não decorre apenas pela adequação da conduta a um tipo penal previsto no ordenamento como tal, mas exige, ainda, um especial fim de agir (dolo específico), consubstanciado na intenção específica do agente em ofender a ordem política.<br />
<br />
O texto constitucional, apesar de a eles fazer referência, não conceitua 'crime político'. Da mesma forma, também não há um conceito na legislação infraconstitucional.<br />
<br />
Insta salientar que a jurisprudência tem considerado que somente há crime político quando presentes os pressupostos do art. 2º da Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), quais sejam:<br />
<br />
Art. 2º – Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei:<br />
<br />
I – a motivação e os objetivos do agente;<br />
<br />
II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.<br />
<br />
Por meio do art. 2º, II, deve-se consultar e interpretar o art. 1º do aludido texto legislativo, o que conduz a compreensão de que os crimes políticos, para serem assim considerados, devem colocar em risco a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito e a pessoa dos chefes dos Poderes da União.<br />
<br />
De toda sorte, percebe-se que, diversamente do que se pode concluir primariamente, crime político não é qualquer crime cometido contra um político. Deve, sobretudo, lesar ou ofertar risco de lesão aos bens jurídicos indicados acima.<br />
<br />
Para configurá-lo, é imprescindível a motivação política ou que a conduta tenha por desiderato colocar em perigo a segurança do Estado, do governo ou do sistema político vigente, além de atos que prejudiquem os interesses do Estado.<br />
<br />
Evidentemente, pelos aspectos acima deduzidos, o delito ora objeto de comento não se enquadra a condutas desse jaez, afastando sua conotação política strictu sensu, no âmbito da Lei de Segurança Nacional.<br />
<br />
Trata-se, em verdade, de crime comum, de natureza hedionda, motivado pelo consectário natural da imaturidade política que ainda possui contornos preponderantes na sociedade brasileira. <br />
<br />
Perde, mais uma vez, com isso, o Brasil!<br />
<b><i><br />
</i></b><b><i><img src="/uploads/image/artigos_leonardo-pantaleao_advogado-criminalista.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br />
<br />
Leonardo Pantaleão </i></b>é advogado, professor de Direito Penal e Processo Penal, palestrante e sócio fundador da Pantaleão Sociedade de Advogados