A infância e o extraordinário legado de uma boa escola

21 de setembro de 2018 às 10:41

Jacir J. Venturi
Depois de quase cinco d&eacute;cadas como professor e gestor escolar, e com fulcro em muitas leituras, se meu neto tivesse a oportunidade de estudar em uma escola de excel&ecirc;ncia somente numa &uacute;nica fase da vida escolar, e esta escolha fosse minha, n&atilde;o seria no ensino m&eacute;dio, tampouco na universidade, mas sim no per&iacute;odo dos 3 aos 8 anos de idade.<br /> <br /> Neurocientistas afirmam que na inf&acirc;ncia o c&eacute;rebro faz mais que o dobro de conex&otilde;es em compara&ccedil;&atilde;o a qualquer outro per&iacute;odo da vida. Um especialista do tema, Rodolfo Can&ocirc;nico, em entrevista &agrave; Gazeta do Povo, em 20 de julho de 2018, corrobora: &ldquo;As conex&otilde;es cerebrais que se formam nos primeiros anos podem ser um fundamento forte ou fraco para aquelas formadas posteriormente. Al&eacute;m disso, a sa&uacute;de f&iacute;sica e mental, as habilidades sociais e as capacidades cognitivas e lingu&iacute;sticas que se desenvolvem nos primeiros anos de vida s&atilde;o importantes para a vida escolar e profissional, al&eacute;m da vida comunit&aacute;ria em si.&rdquo;<br /> <br /> Em uma excelsa institui&ccedil;&atilde;o de ensino, a crian&ccedil;a encontra um estimulante ambiente alfabetizador que facilita o ingresso ao m&aacute;gico mundo das letras. A conta&ccedil;&atilde;o de hist&oacute;rias e as leituras t&ecirc;m efeitos benfazejos para toda uma vida, bem como o encorajamento &agrave; reflex&atilde;o sobre o mundo que a cerca. Ao interagir e dialogar, o nosso pequeno desenvolve a linguagem, o racioc&iacute;nio e a argumenta&ccedil;&atilde;o, enriquecendo-se de novas palavras. Ademais, as pesquisas indicam que at&eacute; os 8 anos &eacute; a fase da vida que o c&eacute;rebro tem maior plasticidade para aprender uma segunda l&iacute;ngua. T&atilde;o relevante quanto &eacute; o ritual de passagem para o encantador mundo da matem&aacute;tica com suas atividades l&uacute;dicas, jogos e brincadeiras que exigem algum tipo de racioc&iacute;nio l&oacute;gico.<br /> <br /> No cerne de todo esse processo, fundamental e indispens&aacute;vel &eacute; o papel do professor. Por que, nas &uacute;ltimas avalia&ccedil;&otilde;es internacionais, os alunos dos pa&iacute;ses asi&aacute;ticos t&ecirc;m se destacado? A resposta &eacute; consensual: na inf&acirc;ncia, as crian&ccedil;as dessas na&ccedil;&otilde;es t&ecirc;m professoras e professores &ndash; valorizados, respeitados e adequadamente capacitados &ndash; apaixonados em contar e ler hist&oacute;rias, entusiastas pelo ensino da matem&aacute;tica de forma apraz&iacute;vel e sem decorebas, com uma sincera curiosidade que &eacute; naturalmente transmitida aos educandos.<br /> <br /> Dada a import&acirc;ncia que se reveste nos dias atuais, vale destacar que a boa escola tamb&eacute;m contribui para o desenvolvimento de h&aacute;bitos alimentares diversificados e salutares, que t&ecirc;m reflexos positivos por toda uma exist&ecirc;ncia, e &eacute; oportuno rememorar um pensamento de Napoleon Hill: &ldquo;se tens sa&uacute;de, n&atilde;o diga que a vida n&atilde;o te deu uma oportunidade&rdquo;. Diminui, ainda, o risco de a crian&ccedil;a integrar as estat&iacute;sticas de excesso de peso na popula&ccedil;&atilde;o, que pela gravidade j&aacute; &eacute; denominado por alguns pesquisadores como a epidemia do s&eacute;culo, e nos EUA causou uma queda &ndash; embora leve &ndash; na expectativa de vida de seus cidad&atilde;os em 2016. E tanto l&aacute; como c&aacute;, o sobrepeso acomete cerca de 30% das crian&ccedil;as. Ademais, uma descoberta feita pela Universidade de Nova York revela que a gula surge por volta dos 5 anos, pois at&eacute; os 3 ou 4 anos, em geral, os pequenos possuem um mecanismo de autorregula&ccedil;&atilde;o cerebral que limita o volume de alimento a ser consumido.<br /> <br /> N&atilde;o menos importante, numa escola de excel&ecirc;ncia o nosso infante &ndash; pr&iacute;ncipe ou princesa &ndash; aprende, por meio do conv&iacute;vio escolar com os amiguinhos, as regras b&aacute;sicas de coopera&ccedil;&atilde;o, o respeito ao espa&ccedil;o do outro e os compromissos com hor&aacute;rios, tarefas e normas. E ao nosso rebento s&atilde;o refor&ccedil;ados os bons valores familiares e lhe &eacute; propiciado um ambiente de acolhimento e afeto, cuja sensa&ccedil;&atilde;o de bem-estar resultante inunda a arquitetura cerebral de endorfinas e serotoninas que estimulam seu desenvolvimento.<br /> <br /> Uma frase atribu&iacute;da a Freud ensina que &ldquo;crian&ccedil;a &eacute; o pai do homem&rdquo; &ndash; ou seja, n&oacute;s, adultos, consciente ou inconscientemente, agimos muito de acordo com uma escala de valores constru&iacute;da na inf&acirc;ncia por meio de ensinamentos, exemplos e experi&ecirc;ncias vividas, sem negar as influ&ecirc;ncias do nosso DNA. Nesse sentido, existe atualmente uma maior compreens&atilde;o das fam&iacute;lias e escolas de que, especialmente na fase dos 3 aos 8 anos, &eacute; grande a relev&acirc;ncia dos est&iacute;mulos neuropsicomotores, os quais definem boa parte das habilidades necess&aacute;rias para uma vida adulta de realiza&ccedil;&otilde;es profissionais e bons relacionamentos. E o que se clama hoje &eacute; que as novas descobertas da neuroci&ecirc;ncia adentrem ainda mais o espa&ccedil;o escolar.<br /> <br /> <b><i>Jacir J. Venturi</i></b>, atualmente Coordenador na Universidade Positivo e membro do Conselho Estadual de Educa&ccedil;&atilde;o, foi professor da UFPR e PUCPR.