A importância do Setembro Amarelo

21 de setembro de 2018 às 10:54

Marcelo Niel
A Campanha Setembro Amarelo foi criada em 2015 pelo Centro de Valoriza&ccedil;&atilde;o da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associa&ccedil;&atilde;o Brasileira de Psiquiatria (ABP), com apoio de entidades internacionais de preven&ccedil;&atilde;o ao suic&iacute;dio. Setembro &eacute; o m&ecirc;s mundial de Preven&ccedil;&atilde;o ao Suic&iacute;dio. Ao pesquisar as origens da campanha, vejo que muitos dos textos replicados falam em &ldquo;celebrar&rdquo; ou &ldquo;comemorar&rdquo; esse dia. Ser&aacute; mesmo correto falar em celebra&ccedil;&atilde;o ou comemora&ccedil;&atilde;o para um evento t&atilde;o grave? Seguramente n&atilde;o. Nem pela data em si, nem pela pouca efic&aacute;cia que temos tido em, de fato, prevenir o suic&iacute;dio, sobretudo porque h&aacute; um grande descaso da sociedade e ainda um grande despreparo dos profissionais de sa&uacute;de para lidar com a pessoa que est&aacute; pensando ou que tentou se suicidar. <br /> <br /> Em casa, na escola, entre os amigos, pessoas que pensam na possibilidade do suic&iacute;dio como al&iacute;vio para seu sofrimento ps&iacute;quico s&atilde;o, muitas vezes, tratadas com descaso, desprezo e chacota. Nos servi&ccedil;os de sa&uacute;de, sobretudo em prontos-socorros e pronto-atendimentos, essas pessoas geralmente s&atilde;o v&iacute;timas de viol&ecirc;ncias verbais, do tipo: &ldquo;quer morrer, faz direito&rdquo; ou &ldquo;minha filha, tanto paciente grave para atender aqui e voc&ecirc; chega com essa frescura? &rdquo;; e n&atilde;o raras vezes, de viol&ecirc;ncias f&iacute;sicas, com utiliza&ccedil;&atilde;o de procedimentos desnecess&aacute;rios ou invasivos, seja por despreparo, seja por perversidade, com o intuito de castigar aquela pessoa que j&aacute; est&aacute; sofrendo. <br /> <br /> Estudos sobre suic&iacute;dio mostram que, muitas vezes, o suic&iacute;dio conclu&iacute;do, ou seja, quando a pessoa consegue de fato dar fim &agrave; sua vida, ocorre com muito mais frequ&ecirc;ncia logo ap&oacute;s uma tentativa de suic&iacute;dio malsucedida. Talvez, o principal motivo seja realmente o fato de a pessoa continuar num estado de sofrimento e desejar extermin&aacute;-lo. Por outro lado, temos que pensar que esse novo ato que pode levar a pessoa &agrave; morte pode ser resultado do descaso, da falta de empatia de familiares e amigos, da falta de suporte adequado nos servi&ccedil;os de sa&uacute;de. N&atilde;o raras vezes, quando uma pessoa tenta suic&iacute;dio e &eacute; levada a um pronto-socorro, ela recebe alta ap&oacute;s compensada a parte cl&iacute;nico-cir&uacute;rgica (efeitos das medica&ccedil;&otilde;es ingeridas, sutura de ferimentos, entre outros) sem ter sequer sido avaliada por um profissional de sa&uacute;de mental. Em alguns casos, mesmo que essa pessoa seja avaliada por este profissional, ela recebe alta com receitas m&eacute;dicas, encaminhamentos e, na longa espera por uma consulta psiqui&aacute;trica ou atendimento psicol&oacute;gico, a esperan&ccedil;a pode se esvair um pouco mais e culminar com um novo ato, que pode ser fatal. <br /> <br /> Quando falo de longa espera por atendimento, n&atilde;o me refiro apenas ao atendimento no SUS. &Eacute; claro que h&aacute; uma defasagem imensa de profissionais e servi&ccedil;os de sa&uacute;de mental e o atendimento extra-hospitalar, que deveria ser r&aacute;pido nesses casos, pode chegar tarde demais. Mas esse problema tamb&eacute;m ocorre com frequ&ecirc;ncia na rede privada, onde a espera para uma consulta psiqui&aacute;trica tamb&eacute;m pode demorar alguns meses nos conv&ecirc;nios m&eacute;dicos.<br /> <br /> Nos muitos anos em que trabalhei em servi&ccedil;os de emerg&ecirc;ncia na cidade de S&atilde;o Paulo, atendi in&uacute;meros casos de tentativas de suic&iacute;dio e pude constatar que, quando uma pessoa que est&aacute; pensando em se matar recebe atendimento adequado, com aten&ccedil;&atilde;o, cuidado e sensibilidade; quando seus acompanhantes s&atilde;o bem orientados e quando voc&ecirc; oferece op&ccedil;&otilde;es mais r&aacute;pidas de atendimento, com uma reavalia&ccedil;&atilde;o ou uma consulta marcada em poucos dias, &eacute; poss&iacute;vel fazer com que essa pessoa se vincule melhor ao tratamento, trazendo esperan&ccedil;a e melhora da qualidade de vida. Entre 2014 e 2016, coordenei um servi&ccedil;o de atendimento de pacientes agudos, chamado &ldquo;Ambulat&oacute;rio de Crise&rdquo;, no qual pessoas com quadros que haviam chegado no pronto-socorro eram atendidas poucos dias ap&oacute;s, no m&aacute;ximo em uma semana ap&oacute;s a alta hospitalar. O resultado era muito positivo: evitavam-se interna&ccedil;&otilde;es, diminu&iacute;a-se o tempo de perman&ecirc;ncia no pronto-socorro e a pessoa j&aacute; iniciava o atendimento ambulatorial, com maiores chances de vincular-se ao tratamento. <br /> <br /> Concluindo, n&atilde;o adianta fazer uma campanha maci&ccedil;a contra o suic&iacute;dio se n&atilde;o mudarmos a vis&atilde;o sobre o paciente suicida e sobre a pessoa em sofrimento mental; tamb&eacute;m &eacute; in&uacute;til oferecer &ldquo;ajuda&rdquo; nas redes sociais, copiar e colar mensagens de apoio num mural virtual se n&atilde;o formos realmente capazes de acudir e ajudar aquela pessoa. E, finalmente, n&atilde;o podemos banalizar a sa&uacute;de f&iacute;sica e mental, com &ldquo;meses coloridos&rdquo; que sejam pouco efetivos na pr&aacute;tica. <br /> <br /> <b><i>Marcelo Niel</i></b>, m&eacute;dico psiquiatra e psicoterapeuta junguiano, Doutor em Ci&euml;ncias pela UNIFESP, supervisor clinico-institucional em Psiquiatria Cl&iacute;nica e Psicoterapia