OS JOÕES NO POÇO

26 de setembro de 2018 às 18:13

Gaudêncio Torquato
Come&ccedil;o pin&ccedil;ando uma par&aacute;bola de Carlus Matus, o especialista em planejamento estrat&eacute;gico situacional que foi ministro de Salvador Allende no Chile:&ldquo;n&atilde;o v&ecirc; que n&atilde;o v&ecirc;, n&atilde;o sabe que n&atilde;o sabe&rdquo;.<br /> <br /> Jo&atilde;o cai em um profundo po&ccedil;o de paredes verticais. Usa por horas a fio suas for&ccedil;as para escalar as paredes. N&atilde;o consegue e dorme para recuperar as energias. Acorda e volta a fazer sua tentativa de subir a parede. Cai toda hora. O desespero aumenta. Obcecado pelo trabalho, n&atilde;o olha em dire&ccedil;&atilde;o &agrave; claridade externa abertura do po&ccedil;o. Dia seguinte, um desconhecido, ouvindo o barulho, aproxima-se da borda, v&ecirc; a cena, busca uma corda e joga-a para Jo&atilde;o. Que n&atilde;o a enxerga. A pessoa grita: &ldquo;pegue a corda&rdquo;. E atira uma pedra nas costas de Jo&atilde;o. Que sente a dor e olha para cima. Irritado, vocifera: &ldquo;n&atilde;o v&ecirc; que estou ocupado?&rdquo;<br /> <br /> O desconhecido insiste: &ldquo;pegue a corda e suba&rdquo;. Furioso, Jo&atilde;o responde: &ldquo;n&atilde;o v&ecirc; que estou ocupado, trabalhando? N&atilde;o tenho tempo para me preocupar com sua corda&rdquo;. E recome&ccedil;a seu trabalho.<br /> <br /> Milh&otilde;es de brasileiros, como Jo&atilde;o, ca&iacute;ram no po&ccedil;o e n&atilde;o sabem dele sair. Perderam a no&ccedil;&atilde;o de tempo e espa&ccedil;o, n&atilde;o conseguem estabelecer nexo entre o ontem e o hoje. Uma camada de insensibilidade atrapalha seu senso de realidade. Densa n&eacute;voa turva seus olhos. Milh&otilde;es perderam o emprego, obrigando-os a fazer um bico aqui e ali para sobreviver. Sob o teto da incultura, n&atilde;o conseguem descobrir a causa do infort&uacute;nio, a raz&atilde;o das ang&uacute;stias, o motivo que esvaziou seus bolsos. Se h&aacute; algu&eacute;m respons&aacute;vel por isso s&atilde;o pol&iacute;ticos, &ldquo;cambada de ladr&otilde;es&rdquo;. Mas, para muitos, h&aacute; gente santa, como Lula, que lhes deu Bolsa Fam&iacute;lia, acesso ao consumo, &aacute;gua do S&atilde;o Francisco, &ldquo;minha casa, minha vida&rdquo;. &nbsp;<br /> <br /> E assim, na paisagem devastada da pol&iacute;tica, emerge o fulgurante&nbsp; &ldquo;Salvador da P&aacute;tria&rdquo;, Luiz In&aacute;cio, reverenciado por ter jogado dinheiro no bolso do povo, eternizado pela forma coloquial com que se comunica com as massas, longe das falcatruas que sujam o manto dos pol&iacute;ticos. O mensal&atilde;o, aquele escandaloso epis&oacute;dio de seu primeiro mandato, ah, isso &eacute; coisa dos pol&iacute;ticos. A maior recess&atilde;o econ&ocirc;mica de nossa hist&oacute;ria foi fruto do descalabro do governo Dilma, respons&aacute;vel pelos milh&otilde;es de Jo&otilde;es que ca&iacute;ram no po&ccedil;o. Mas isso passa ao largo do lulodilmismo. Explicar que a desgra&ccedil;a que atinge milh&otilde;es de brasileiros &eacute; da conta Rousseff n&atilde;o entra na cachola popular. Tanto que MG deve agraci&aacute;-la com o cargo de senadora da Rep&uacute;blica.<br /> <br /> Triste &eacute; uma Na&ccedil;&atilde;o cujos governos deixam milh&otilde;es de cidad&atilde;os ao l&eacute;u, vivendo sob o grilh&atilde;o das grandes car&ecirc;ncias. Mais triste &eacute; constatar que a trag&eacute;dia que se abate sobre o pa&iacute;s foi plasmada nos pr&oacute;prios laborat&oacute;rios do lulopetismo. Eis o pre&ccedil;o que se paga quando um l&iacute;der carism&aacute;tico tem o cond&atilde;o de enganar as massas com verve populista. Triste sina a nossa, de ver que o Brasil amea&ccedil;a andar para tr&aacute;s cen&aacute;rios turbulentos forem confirmados nas urnas: a elei&ccedil;&atilde;o de um candidato fantoche, que segue as diretrizes do padrinho, esse que &ldquo;ser&aacute; o que quiser no governo do PT&rdquo;, ou a escolha de um capit&atilde;o, aplaudido como mito, cujo livro de cabeceira &eacute; &ldquo;A Verdade Sufocada&rdquo;, de Brilhante Ustra, coronel da ditadura, considerado um torturador.<br /> <br /> Se isso ocorrer, seremos condenados a habitar um territ&oacute;rio assolado pela barb&aacute;rie, rachado ao meio, com duas bandas destilando b&iacute;lis e atirando uns contra outros. Voltar a conviver sob o mando de uma casta, que se considera vestal, a dominar uma m&aacute;quina partidarizada e com quadros despreparados e comprometidos com o ide&aacute;rio do Foro S&atilde;o Paulo (guinada &agrave; esquerda dos pa&iacute;ses da AL), &eacute; fechar as portas a um futuro radiante. Ver na cadeira central do pa&iacute;s um radical, cuja express&atilde;o afronta os valores da Cidadania, &eacute; viver sob a amea&ccedil;a permanente de golpe em nossa democracia. &nbsp;<br /> <br /> &nbsp;H&aacute; sa&iacute;da para fugir dessa tr&aacute;gica dualidade? Jogar uma corda para os milh&otilde;es de jo&otilde;es que ca&iacute;ram no po&ccedil;o e tentar convenc&ecirc;-los a mudar os cen&aacute;rios. Sob pena de passarmos longa temporada no caos.<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato