Verdade, fake news e escola

02 de outubro de 2018 às 16:23

Daniel Medeiros
Em uma sala de aula, o professor prop&otilde;e a seguinte din&acirc;mica: &quot;Voc&ecirc; l&ecirc; ou ouve sobre um suposto envolvimento de um professor da sua escola com algo criminoso, bem grave. Um caso de pedofilia, por exemplo. Por acaso, trata-se de um professor rigoroso que vive cobrando atitudes corretas de voc&ecirc;s. Voc&ecirc; conta o que leu ou ouviu para algu&eacute;m? E, ent&atilde;o, digamos que naquela semana, durante a aula desse professor, o diretor o chama e o professor deixa a sala bastante agitado. Voc&ecirc; explica para algu&eacute;m o que voc&ecirc; sup&otilde;e ser o motivo do que est&aacute; acontecendo? E, por fim: imagine que, no grupo do WhatsApp, algu&eacute;m comenta que sabe algo muito s&eacute;rio sobre o professor. Voc&ecirc; diria algo sobre o que voc&ecirc; tamb&eacute;m supostamente sabe sobre ele?&quot; Se voc&ecirc; pensou em responder sim para qualquer uma dessas perguntas, parab&eacute;ns! Voc&ecirc; &eacute; um divulgador de falsas not&iacute;cias, as famosas fake news.<br /> <br /> Fake news &eacute; o ato de divulgar ou compartilhar not&iacute;cias sem fonte adequada e que acarreta, conscientemente ou n&atilde;o, um dano para algu&eacute;m. Ou seja, o ato de repassar uma not&iacute;cia sem verificar sua proced&ecirc;ncia &eacute; o que caracteriza o fen&ocirc;meno. Se ningu&eacute;m comentasse, divulgasse ou compartilhasse not&iacute;cia sem antes ter o cuidado de verificar sua origem, as postagens n&atilde;o seriam fonte de nenhuma confus&atilde;o. S&atilde;o, portanto, as pessoas - e n&atilde;o as not&iacute;cias falsas - o problema. Boatos, fofocas, fuxicos, diz-que-me-disse, tudo isso &eacute; t&atilde;o antigo como a pr&oacute;pria humanidade. Deve ter surgido com a linguagem, j&aacute; que as palavras n&atilde;o s&atilde;o t&atilde;o boas para descrever situa&ccedil;&otilde;es - e, por isso, &eacute; sempre necess&aacute;ria alguma interpreta&ccedil;&atilde;o, o que se sempre possibilita algum grau de distor&ccedil;&atilde;o. <br /> <br /> Ent&atilde;o, o que h&aacute; de diferente? A velocidade e a abrang&ecirc;ncia que esses boatos alcan&ccedil;am. Segundo pesquisa feita pelo MIT e publicada no dia 8 de mar&ccedil;o de 2018 na revista Science, uma not&iacute;cia falsa &eacute; capaz de atingir at&eacute; 100 mil pessoas. Assustador, n&atilde;o? E quem s&atilde;o os divulgadores dessas not&iacute;cias? Qualquer um que busque notoriedade, divers&atilde;o ou claramente prejudicar outra pessoa. Ali&aacute;s, j&aacute; h&aacute; um sofisticado aparato para disparar not&iacute;cias falsas. S&atilde;o os rob&ocirc;s que criam perfis falsos e publicam, compartilham, alimentando a ilus&atilde;o de que a not&iacute;cia &eacute; verdadeira, afinal &ldquo;est&aacute; todo mundo comentando&rdquo;. Mas n&atilde;o s&atilde;o os rob&ocirc;s os principais vil&otilde;es. S&atilde;o os jovens. E, particularmente, os jovens com poucos amigos e poucas &ldquo;curtidas&rdquo;. Eles s&atilde;o os principais disseminadores de not&iacute;cias falsas. Para eles, a verdade &eacute; quase uma desconhecida.<br /> <br /> O fil&oacute;sofo Plat&atilde;o j&aacute; falava sobre a dificuldade de conhecer verdadeiramente. &Eacute; preciso livrar-se das amarras das ilus&otilde;es, das sombras do senso comum, da comodidade, da pregui&ccedil;a em se esfor&ccedil;ar para saber de onde vem a not&iacute;cia. Mesmo para quem tem esse empenho, n&atilde;o &eacute; f&aacute;cil distinguir uma not&iacute;cia falsa de uma verdadeira. E, depois de muito trabalho, quando consegue, a dificuldade passa a ser convencer os outros a seguirem o mesmo caminho. Descartes, outro fil&oacute;sofo obcecado pela verdade, submetia&nbsp; tudo o que conhecia a uma d&uacute;vida met&oacute;dica. Se n&atilde;o fosse claro e distinto, deixa pra l&aacute;, melhor n&atilde;o confiar nisso. O rigor &eacute; o caminho do conhecimento, lembrava o pensador franc&ecirc;s do s&eacute;culo XVII. A li&ccedil;&atilde;o &eacute; f&aacute;cil de saber. S&oacute; falta aprender.<br /> <br /> O lugar no qual ainda &eacute; poss&iacute;vel construir esse dia a dia de cuidado com a verdade e produzir um ambiente livre de fake news &eacute; a escola. Para isso, &eacute; preciso agir com m&eacute;todo e persist&ecirc;ncia. N&atilde;o pode ser uma atividade ou outra, mas uma pr&aacute;tica cotidiana, liderada pelos adultos. N&atilde;o bastam os professores, mas todos os que convivem no mundo escolar. Tem de ser uma postura e n&atilde;o uma moda. Um h&aacute;bito e n&atilde;o um esfor&ccedil;o passageiro. O risco &eacute; a perda das refer&ecirc;ncias que nos fizeram, bem ou mal, chegarmos aqui. E sem refer&ecirc;ncias confi&aacute;veis, a verdade passa a ser a do mais forte ou do mais esperto. E ent&atilde;o, a&iacute; sim, estaremos verdadeiramente perdidos.<br /> &nbsp;<br /> <b><img src="/uploads/image/artigos_daniel-medeiros_doutor-educacao-historica-professor-curso-positivo_.jpg" alt="" width="60" hspace="3" height="80" align="left" /><br /> <br /> <br /> Daniel Medeiros</b> &eacute; doutor em Educa&ccedil;&atilde;o Hist&oacute;rica pela UFPR e professor no Curso Positivo.