Guerras políticas: uma agressão à economia psíquica

06 de outubro de 2018 às 10:20

Marcelo Niel
Guerras pol&iacute;ticas: uma agress&atilde;o &agrave; economia ps&iacute;quica<br /> <br /> H&aacute; alguns anos podemos observar o quanto as discuss&otilde;es pol&iacute;ticas t&ecirc;m afetado a sa&uacute;de ps&iacute;quica das pessoas, seja pelo excesso de esfor&ccedil;o mental que tais discuss&otilde;es acarretam ou pelos frequentes rompimentos em relacionamentos relevantes, em decorr&ecirc;ncia de diverg&ecirc;ncias pol&iacute;tico-partid&aacute;rias. Brigas, desenlaces, ofensas e at&eacute; situa&ccedil;&otilde;es envolvendo agress&otilde;es f&iacute;sicas t&ecirc;m sido assunto frequente em consult&oacute;rios psiqui&aacute;tricos e psicol&oacute;gicos. <br /> <br /> A primeira raz&atilde;o que pode explicar esse fato &eacute; pensar que somos imaturos politicamente enquanto povo de um pa&iacute;s jovem; povo esse que atravessou d&eacute;cadas estrategicamente sendo alienado, com livros de Hist&oacute;ria insipientes, que mais reproduziam &ldquo;contos&rdquo; de uma brasilidade inventada de completa harmonia e uma aus&ecirc;ncia de conflitos. <br /> <br /> &nbsp;Os anos se passaram e o povo cresceu - um pouquinho de nada - em sua consci&ecirc;ncia pol&iacute;tica e o mundo contempor&acirc;neo nos presenteou com a internet e suas redes sociais; o equivalente a dar a um garoto ou garota de onze anos a liberdade de beber, fumar, dirigir e fazer sexo, tudo ao mesmo tempo. O resultado n&atilde;o poderia ser menos catastr&oacute;fico: o adolescente pol&iacute;tico se sente adulto e capaz, acha-se entendedor da mat&eacute;ria, mesmo tendo apenas as suas primeiras perip&eacute;cias em experi&ecirc;ncias t&atilde;o pouco profundas. Pr&eacute;-p&uacute;beres pol&iacute;ticos, movimentam-se pelas redes sociais em t&iacute;picos agrupamentos juvenis, reproduzindo conceitos e opini&otilde;es, ofendendo divergentes como advers&aacute;rios dos jogos da aula de Educa&ccedil;&atilde;o F&iacute;sica. Doutos escolares. <br /> <br /> N&atilde;o digo isso de todos os que ousam a discutir a mat&eacute;ria pol&iacute;tica; h&aacute; sim aqueles que, mesmo jovens, s&atilde;o capazes de ir al&eacute;m do frouxo conhecimento pol&iacute;tico cujas fontes s&atilde;o &ldquo;memes&rdquo; e enunciados de redes sociais. <br /> <br /> Independente do &ldquo;time&rdquo; ao qual perten&ccedil;a, uma vez que, ao menos por enquanto, vivemos num pa&iacute;s democr&aacute;tico cuja liberdade de opini&atilde;o e express&atilde;o ainda est&atilde;o asseguradas, deveria ser poss&iacute;vel &ldquo;discutir sem brigar&rdquo;, sem ofender, sem invadir o espa&ccedil;o - ainda que cibern&eacute;tico - do outro com cuidado. Invadir posts na timeline alheia e entrar na casa do outro sem pedir licen&ccedil;a, &eacute; abrir a geladeira na casa da visita sem permiss&atilde;o, &eacute; usar a privada e n&atilde;o dar a descarga. <br /> <br /> E tudo isso ocasiona um desequil&iacute;brio enorme em nossa economia ps&iacute;quica. Todo esse aporte de ofensas, not&iacute;cias falsas sendo replicadas instantaneamente e rompimentos entre pessoas, s&atilde;o importantes geradores de ansiedade e descontentamento. <br /> <br /> E qual a solu&ccedil;&atilde;o para esse problema? N&atilde;o h&aacute; como propor que as pessoas se calem, deixando de emitir sua opini&atilde;o. Enquanto n&atilde;o amadurecemos, o ideal &eacute; nos valermos de artif&iacute;cios de controle - e n&atilde;o repress&atilde;o - social. Eu, por exemplo, costumo apagar coment&aacute;rios ofensivos em minhas redes sociais, ao inv&eacute;s de discutir com a pessoa ou deixar que as pessoas fiquem discutindo. Se a pessoa n&atilde;o for capaz de manter um di&aacute;logo saud&aacute;vel com diferen&ccedil;as e diverg&ecirc;ncias, eu a bloqueio. Quando em discuss&otilde;es presenciais, costumo evitar o embate quando percebo que aquele interlocutor n&atilde;o &eacute; capaz de respeitar o meu ponto de vista e saber ouvir, mesmo que discorde. Parto da premissa que eu n&atilde;o sou capaz de mudar a opini&atilde;o do outro e se este outro n&atilde;o est&aacute; disposto a dialogar, n&atilde;o desejo perder tempo &uacute;til de vida com discuss&otilde;es sem rumo. <br /> <br /> Para mim, h&aacute; apenas um s&eacute;rio limite cuja transposi&ccedil;&atilde;o considero inaceit&aacute;vel: n&atilde;o aceito racismo, misoginia, homofobia, transfobia e muito menos apologia &agrave; viol&ecirc;ncia, &agrave; ditadura e &agrave; tortura, porque entendo que expressar esse tipo de opini&atilde;o n&atilde;o se trata apenas de liberdade de express&atilde;o; para mim s&atilde;o comportamentos criminosos.<br /> <br /> <b><i>Marcelo Niel</i></b>, m&eacute;dico psiquiatra e psicoterapeuta junguiano, Doutor em Ci&euml;ncias pela UNIFESP, supervisor clinico-institucional em Psiquiatria Cl&iacute;nica e Psicoterapia.