O VENTO NA DIREÇÃO DO CAPITÃO

09 de outubro de 2018 às 17:01

Gaudêncio Torquato
Meu pai, que sabia quando ia chover s&oacute; em olhar para a forma&ccedil;&atilde;o de nuvens no nascente e no poente, dizia: &ldquo;quando o vento vem numa dire&ccedil;&atilde;o, ningu&eacute;m desvia seu rumo&rdquo;. Costumei aplicar a pequena li&ccedil;&atilde;o &agrave; pol&iacute;tica. Quando o vento corre na dire&ccedil;&atilde;o de um candidato, n&atilde;o h&aacute; barreira que o detenha. Torna-se ele &ldquo;a bola da vez&rdquo;, o cara que tende a chegar ao p&oacute;dio antes dos outros. E, aproveitando mais um ditado popular, a corrida do vento at&eacute; se acelera quando algu&eacute;m &ldquo;cutuca a on&ccedil;a com vara curta&rdquo;. A fera, quieta em seu canto, corre para abocanhar o ca&ccedil;ador.<br /> <br /> A imagem cai bem sobre a figura do capit&atilde;o Jair Bolsonaro. A ventania provocada pela atmosfera eleitoral sopra na sua cara, a mostrar que, mesmo sob muralhas constru&iacute;das em sua passagem &ndash; acusa&ccedil;&otilde;es de discrimina&ccedil;&atilde;o contra mulheres, misoginia etc &ndash; o candidato da extrema direita est&aacute; na posi&ccedil;&atilde;o de canalizador das correntes mais fortes que impulsionam o eleitorado brasileiro. Nem a onda feminina que, h&aacute; dias, invadiu as ruas, a partir do Largo da Batata, em S&atilde;o Paulo, protestando contra o candidato sob o manto de um movimento batizado de #Elen&atilde;o, deteve sua capacidade de aglutina&ccedil;&atilde;o. Deu-se um bumerangue: Bolsonaro ganhou pontos no campo das mulheres e, ainda, cresceu em segmentos tradicionais do lulismo, como as margens pobres do Nordeste.<br /> <br /> O que teria ocorrido? O movimento das mulheres contra Bolsonaro abrigaria um grupo majoritariamente de esquerda e de boa renda, e o &ldquo;cutuc&atilde;o com vara curta&rdquo; nos costados do capit&atilde;o teve o cond&atilde;o de despertar o sentimento antipetista, particularmente forte nos enclaves m&eacute;dios do Sudeste, com grande poder de capilaridade. O tom cr&iacute;tico de candidatos do centro contra o lulopetismo, nos &uacute;ltimos dias, correu pelas regi&otilde;es, fazendo estragos na imagem do PT e de seu candidato Haddad. Evitar &ldquo;a volta do PT ao poder&rdquo; passou a ser grande estampa na paisagem eleitoral, abrindo os flancos de candidatos como Geraldo Alckmin, Marina Silva e at&eacute; Ciro Gomes, que viram parcela de seus eleitores surfar na onda bolsonariana.<br /> <br /> O fato &eacute; que a intensa polariza&ccedil;&atilde;o que racha o pa&iacute;s denota algo inusitado: os dois l&iacute;deres dos votos s&atilde;o tamb&eacute;m os mais rejeitados, ambos beirando 45% de rejei&ccedil;&atilde;o. Bolsonaro veste o figurino do cara ao lado do eleitor, sujeito de cultura mediana, de linguagem simples, sem sofistica&ccedil;&atilde;o, um parlamentar do baixo clero que nunca habitou o altar dos qualificados no Parlamento. Traduz o voto de protesto contra a velha pol&iacute;tica e contra a rapinagem desvendada pelas Opera&ccedil;&otilde;es Mensal&atilde;o e Petrol&atilde;o, simbolizando, ainda, a figura do mocinho do velho Oeste a atirar para matar (que fique claro) os bandidos.<br /> <br /> Haddad, por sua vez, &eacute; um emiss&aacute;rio que pede aos eleitores pobres do Nordeste para&nbsp; desencavar a bolorenta foto de Lula no ba&uacute; para recoloc&aacute;-la na parede de suas casas, sob a lembran&ccedil;a do dinheirinho do Bolsa&nbsp; Fam&iacute;lia e da &aacute;gua do S&atilde;o Francisco. Para os eleitores do alto, tome promessas de recuperar o Brasil da era PT. (Haja disson&acirc;ncia). O bumbo sobre os caminhos tortuosos do PT, o fraseado &ldquo;revolucion&aacute;rio&rdquo; de seus pensadores - Jos&eacute; Dirceu na vanguarda -, a palavra de ordem &ldquo;Lula Livre&rdquo;, a d&uacute;vida gerada por Haddad (&Eacute; Lula, mas n&atilde;o &eacute;), acabam deixando muita gente desconfiada. Por isso, s&oacute; os convictos p&otilde;em f&eacute; na palavra dele.<br /> <br /> Se formos comparar os ru&iacute;dos provocados pelas campanhas, podemos dizer que os decib&eacute;is bolsonarianos est&atilde;o entre 80 a 100( mesmo com o capit&atilde;o recolhido ap&oacute;s a facada), faixa considerada muito alta, enquanto os decib&eacute;is de Haddad giram entre 60 a 80, faixa intermedi&aacute;ria. O recado de Bolsonaro faz mais eco. Com agudos e graves at&eacute; ent&atilde;o desconhecidos, o&nbsp; candidato exerce maior poder de atra&ccedil;&atilde;o. Outro modo de comparar &eacute; dizendo que a tonalidade mais radical sai da trombeta de Bolsonaro, performance que cai mais no agrado social, em fun&ccedil;&atilde;o do clima de desordem e roubalheira vivido pelo pa&iacute;s.<br /> <br /> No segundo turno, os tons do discurso aumentar&atilde;o de volume, acirrando o &acirc;nimo das duas bandas que dividem o territ&oacute;rio. O capit&atilde;o continuar&aacute; a se ancorar na bengala da emo&ccedil;&atilde;o que usa desde a facada. J&aacute; o ex-prefeito Fernando Haddad tentar&aacute; se equilibrar na corda bamba, ora procurando exibir voz pr&oacute;pria, ora passando recados do tutor Luiz In&aacute;cio. At&eacute; 28 de outubro, veremos choques agudos e entreveros mais severos. Sob uma primavera muito quente.<br /> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;<br /> <b><i><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato