O NOSSO HABITAT IDEOLÓGICO

04 de dezembro de 2018 às 12:01

Gaudêncio Torquato
A ascens&atilde;o de um grupo de direita ao centro do poder no Brasil, depois de longo ciclo comandado por quadros com habitat nos espa&ccedil;os do centro e da esquerda do arco ideol&oacute;gico, abre um campo de d&uacute;vidas: esse novo grupamento ter&aacute; vida longa? A tend&ecirc;ncia de fazer o pa&iacute;s rumar &agrave; direita conta com base s&oacute;lida no seio social ou &eacute; fruto de circunst&acirc;ncias, na esteira de uma polariza&ccedil;&atilde;o que envolve partidos, l&iacute;deres, setores, e que, por anos a fio, procurou estabelecer uma muralha entre ricos e pobres, &ldquo;n&oacute;s e eles&rdquo;?<br /> <br /> A resposta implica juntar um conjunto de vari&aacute;veis, a partir da an&aacute;lise de tra&ccedil;os do ethos nacional. Somos uma gente de &iacute;ndole pac&iacute;fica, cordata, acolhedora, criativa. Claro, observam-se tra&ccedil;os de exagero em nossa &iacute;ndole: somos o pa&iacute;s do melhor futebol do mundo; temos o pior desempenho em mat&eacute;ria de &eacute;tica e moral; n&atilde;o temos muito compromisso com a verdade (em Petrol&acirc;ndia, nunca se tirou um pingo de petr&oacute;leo; a mesma coisa em Petrolina; a Bahia de Todos os Santos? Ah, tamb&eacute;m &eacute; a Bahia de Todos os Pecados, como atestava Jorge Amado). Somos a terra do &ldquo;mais ou menos&rdquo;. &ldquo;Voc&ecirc; trabalha quantas horas por semana&rdquo;? &ldquo;Mais ou menos 40 horas&rdquo;. Ou o pa&iacute;s das coisas relativas. &ldquo;O senhor &eacute; cat&oacute;lico&rdquo;? &ldquo;Sou, mas n&atilde;o costumo ir &agrave; igreja.&rdquo;. N&atilde;o &eacute; isso mesmo, mestre Roberto da Matta?<br /> <br /> Concorde-se, ent&atilde;o, com a ideia de que o brasileiro, ante a dualidade &ldquo;sim&rdquo; e &ldquo;n&atilde;o&rdquo;, caracter&iacute;stica do anglo-sax&atilde;o, prefere &ldquo;talvez&rdquo;, &ldquo;depende&rdquo;, &ldquo;vamos ver&rdquo;. No arco ideol&oacute;gico, essa posi&ccedil;&atilde;o estaria mais pr&oacute;xima ao centro do que &agrave;s&nbsp; margens direita e esquerda. Esses tra&ccedil;os superficiais, claro, n&atilde;o respondem &agrave;s grandes quest&otilde;es que se fazem sobre o posicionamento pol&iacute;tico-ideol&oacute;gico do brasileiro. Mas ajudam a compreender o &ldquo;modus brasiliensis&rdquo; de ser.<br /> <br /> Assim, &eacute; razo&aacute;vel se pensar que o povo brasileiro, fruto da miscigena&ccedil;&atilde;o do &iacute;ndio, do negro e do portugu&ecirc;s, sinaliza uma tend&ecirc;ncia para a modera&ccedil;&atilde;o, para a integra&ccedil;&atilde;o de prop&oacute;sitos, a busca da paz. Sentimento refor&ccedil;ado pela cole&ccedil;&atilde;o de gentes de outras terras que escolheram o Brasil como P&aacute;tria.<br /> <br /> O aspecto educacional surge como outro fator para an&aacute;lise dos nossos costumes. O alto &iacute;ndice de incultura, o subdesenvolvimento econ&ocirc;mico, social, cultural e pol&iacute;tico marcam fortemente a fr&aacute;gil cidadania. Entramos na classifica&ccedil;&atilde;o de Bobbio, onde uma &ldquo;cidadania passiva&rdquo; prevalece sobre a &ldquo;cidadania ativa&rdquo;, servindo aos interesses das elites, que manipulam os eleitores. Por d&eacute;cadas a fio, cultivamos o &ldquo;voto de cabresto&rdquo;, como descreveu Vitor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto. S&oacute; mais recentemente &ndash; mais precisamente ap&oacute;s a CF de 88 &ndash; os cidad&atilde;os passaram a escalar o patamar mais alto da cidadania.<br /> <br /> O fator econ&ocirc;mico &eacute; outra b&uacute;ssola para verifica&ccedil;&atilde;o dos rumos da ventania ideol&oacute;gica. Dinheiro no bolso, capaz de suprir as car&ecirc;ncias familiares, alimento, seguran&ccedil;a, enfim, o conforto oferecido pelo Produto Nacional Bruto da Felicidade (PNBF) agem como motores da pol&iacute;tica. Se o sistema pol&iacute;tico proporcionar aumento da felicidade coletiva, ganhar&aacute; o apoio e os votos de eleitores, a partir das margens carentes. &Eacute; quando a op&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica se d&aacute; pela via do pragmatismo.<br /> <br /> Por &uacute;ltimo, lembre-se que o PT construiu a muralha da divis&atilde;o de classes, o &ldquo;n&oacute;s e eles&rdquo;. Por mais de tr&ecirc;s d&eacute;cadas, a cantilena bateu na mente nacional. At&eacute; que se deu o estouro da boiada, os esc&acirc;ndalos em s&eacute;rie que vieram &agrave; tona com o mensal&atilde;o. A m&aacute;scara do PT caiu. Seus l&iacute;deres foram presos. O carism&aacute;tico Lula, na pris&atilde;o em Curitiba, atravessa a pior fase de sua vida. O Partido dos Trabalhadores procura um caminho.<br /> <br /> Dito isto, voltemos &agrave;s perguntas iniciais. A resposta abriga o conjunto de fatores acima descritos. Mas o pragmatismo dever&aacute; orientar as vontades. Se a direita de Bolsonaro acertar e garantir o PNBF, ganhar&aacute; for&ccedil;a para continuar como habitat da maioria. A rec&iacute;proca &eacute; verdadeira. O fato &eacute; que direita, esquerda e centro perdem import&acirc;ncia. Servem melhor na&nbsp; sinaliza&ccedil;&atilde;o do tr&acirc;nsito. O bolso passa a ser o term&ocirc;metro do corpo nacional. De qualquer forma, a tese pode ser esta: para manter apoio, a direita deve evitar posicionamentos radicais, evitando contribuir para o apartheid social. E observar que a vontade nacional, por maioria, v&ecirc; o centro como o espa&ccedil;o de harmonia e integra&ccedil;&atilde;o.<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato