O LEGADO DE MICHEL

30 de dezembro de 2018 às 14:13

Gaudêncio Torquato
Michel Temer deixa o comando do governo sob alta taxa de desaprova&ccedil;&atilde;o. Retrato de um Brasil que costuma surfar na onda de vers&otilde;es fantasiosas. Pois qualquer analista respons&aacute;vel, ao colocar a lupa sobre o pa&iacute;s de tempos atr&aacute;s e o de hoje, enxergar&aacute; a abissal diferen&ccedil;a entre os dois entes: o de ontem, destro&ccedil;ado, sob a maior recess&atilde;o econ&ocirc;mica da hist&oacute;ria, e o da atualidade, com juros e infla&ccedil;&atilde;o controlada, resgatando a confian&ccedil;a perdida, fazendo voltar investidores, as contas do Estado sob controle e um conjunto de reformas, dentre as quais a trabalhista, a do Ensino M&eacute;dio e a PEC limitando gastos p&uacute;blicos.<br /> <br /> O que explica a imagem negativa da administra&ccedil;&atilde;o Temer? O drible que parte da m&iacute;dia patrocinou na vers&atilde;o de um di&aacute;logo gravado no Pal&aacute;cio do Jaburu. O bumbo do grupo midi&aacute;tico mais poderoso do pa&iacute;s bateu no arremate da interlocu&ccedil;&atilde;o mantida pelo presidente com um empres&aacute;rio. &ldquo;Tem que manter isso, viu&rdquo;? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de &ldquo;estar bem&rdquo; com o ent&atilde;o presidente da C&acirc;mara. E o que se viu, meses a fio, foi a infer&ecirc;ncia:&nbsp; Temer se referia &agrave; entrega de dinheiro, coisa que &ldquo;deveria ser mantida&rdquo;. Com essa ila&ccedil;&atilde;o, o Brasil perdeu a chance de caminhar mais c&eacute;lere na rota dos avan&ccedil;os. A reforma da Previd&ecirc;ncia, por exemplo, teria sido aprovada.<br /> <br /> A lama que a Opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato jogou no manto da pol&iacute;tica, com den&uacute;ncias sobre empres&aacute;rios, executivos e pol&iacute;ticos, acabou convergindo para a figura do presidente. Que n&atilde;o se dobrou ao claro objetivo do tiroteio midi&aacute;tico: tirar Michel do assento presidencial.<br /> <br /> O fato &eacute; que o pa&iacute;s, mesmo sob o fardo de 13 milh&otilde;es de desempregados, caminha lentamente, registrando avan&ccedil;os aqui e ali; aprovando pautas de relevo; alargando o acesso &agrave;s privatiza&ccedil;&otilde;es; promovendo entendimentos com a Uni&atilde;o Europ&eacute;ia; assumindo compromissos junto ao G-20, grupo das 20 maiores economias mundiais; participando de encontros com parceiros dos BRICs (Brasil, R&uacute;ssia, &Iacute;ndia, China e &Aacute;frica do Sul); refor&ccedil;ando v&iacute;nculos comerciais com a Uni&atilde;o Econ&ocirc;mica Euroasi&aacute;tica; debatendo as mudan&ccedil;as clim&aacute;ticas com as Na&ccedil;&otilde;es envolvidas no Acordo de Paris. Com os vizinhos, o Brasil tem se esfor&ccedil;ado para fortalecer parcerias, sob o compromisso de dar for&ccedil;a ao Mercosul.<br /> <br /> O Brasil a ser comandado pelo presidente Jair Bolsonaro sai das profundezas do buraco onde foi deixado pela administra&ccedil;&atilde;o petista. N&atilde;o navega em &aacute;guas tranquilas, eis que grandes car&ecirc;ncias ainda corroem o corpo nacional. Milh&otilde;es de brasileiros ainda n&atilde;o t&ecirc;m acesso ao p&atilde;o sobre a mesa. Os programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Fam&iacute;lia, n&atilde;o conseguem eliminar bols&otilde;es de pobreza que habitam o piso da pir&acirc;mide social. A viol&ecirc;ncia se espalha pelo territ&oacute;rio, a denotar a organiza&ccedil;&atilde;o de gangues e quadrilhas.<br /> <br /> Mas os fundamentos que inspiram a retomada da economia foram lan&ccedil;ados. O empresariado retoma o f&ocirc;lego, reconhecendo que foram lan&ccedil;adas as condi&ccedil;&otilde;es para um empuxo mais forte na frente dos investimentos. A &aacute;rea de trabalho viu-se desafogada com a redu&ccedil;&atilde;o de cerca de 40% nas reclama&ccedil;&otilde;es judiciais, gra&ccedil;as &agrave; reforma trabalhista.<br /> <br /> Parlamentar desde os idos de 80, presidente da C&acirc;mara por tr&ecirc;s vezes, Michel Temer colocou em pr&aacute;tica sua vis&atilde;o parlamentarista, ao abrir intensa articula&ccedil;&atilde;o com o Congresso Nacional. Pode-se dizer que governou por meio de um semipresidencialismo. Esteve todo tempo promovendo encontros com parlamentares e lideran&ccedil;as partid&aacute;rias. Assim conseguiu aprovar o programa de reformas que marca sua passagem pelo Planalto.<br /> <br /> Constitucionalista, Michel Temer tamb&eacute;m deixa um legado ao Congresso. Trata-se de sua interpreta&ccedil;&atilde;o sist&ecirc;mica &agrave; quest&atilde;o de trancamento de pauta por Medidas Provis&oacute;rias. Quando presidia a C&acirc;mara em 2009, prop&ocirc;s esta solu&ccedil;&atilde;o &iacute;mpar na hist&oacute;ria constitucional: &ldquo;Na verdade, o constituinte n&atilde;o quis sobrestar absolutamente todas as delibera&ccedil;&otilde;es legislativas, mas apenas aquelas que tamb&eacute;m s&atilde;o previstas para Medida Provis&oacute;ria, ou seja, as demais esp&eacute;cies normativas n&atilde;o est&atilde;o abrangidas na disposi&ccedil;&atilde;o do art. 62, &sect; 6&ordm;, CRFB/88&rdquo;. A tese deu mais autonomia ao Poder Legislativo na sua fun&ccedil;&atilde;o prim&aacute;ria, a atividade legislativa.<br /> Michel deixar&aacute; o Pal&aacute;cio do Planalto pela porta da frente.<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato