A República do Maniqueísmo

04 de janeiro de 2019 às 18:31

Ana Paula Caodaglio
No &acirc;mbito da Opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato e seus desdobramentos, muitas a&ccedil;&otilde;es criminais s&atilde;o movidas pelo Minist&eacute;rio P&uacute;blico tendo como base o tr&aacute;fico de influ&ecirc;ncia de autoridades em benef&iacute;cio pr&oacute;prio, de grupos ou partidos. Trata-se, de fato, de uma pr&aacute;tica a ser combatida, por meio de rigorosa investiga&ccedil;&atilde;o e san&ccedil;&atilde;o legal dos envolvidos, se comprovados o dolo e o &ocirc;nus ao er&aacute;rio.<br /> <br /> No entanto, o tema merece profunda reflex&atilde;o, sendo necess&aacute;ria detida an&aacute;lise sobre as diversas facetas da &quot;influ&ecirc;ncia &quot; e os limites nos quais ela se configura como crime ou simplesmente uma pr&aacute;tica comum, tamb&eacute;m a ser debatida e questionada, no universo do setor p&uacute;blico, na intera&ccedil;&atilde;o entre os Tr&ecirc;s Poderes e destes com a iniciativa privada e os m&uacute;ltiplos segmentos da sociedade. Lobby &eacute; influ&ecirc;ncia? Sim! &Eacute; crime? Sim, se houver propina ou quaisquer ganhos materiais il&iacute;citos. &Eacute; &eacute;tico? Nem sempre!<br /> <br /> Ao debater a quest&atilde;o no evento Desburocratiza&ccedil;&atilde;o do Poder Judici&aacute;rio, promovido pelo Conselho Nacional de Justi&ccedil;a (CNJ), dia 28 de novembro, em Bras&iacute;lia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, manifestou-se contr&aacute;rio &agrave; regulamenta&ccedil;&atilde;o do lobby, entendendo que &quot;s&oacute; vai criar mais burocracia e excluir aqueles mais pobres do acesso ao Estado e aos servi&ccedil;os p&uacute;blicos. O Estado tem de interagir com a sociedade de maneira direta e transparente&quot;.<br /> <br /> Contudo, a aus&ecirc;ncia de regras e par&acirc;metros claros para a pr&aacute;tica de lobby e/ou uso da &quot;influ&ecirc;ncia&quot; v&ecirc;m deixando o Pa&iacute;s em situa&ccedil;&otilde;es no m&iacute;nimo delicadas. A experi&ecirc;ncia mostra que, na pr&aacute;tica, a intera&ccedil;&atilde;o direta entre Estado e Sociedade torna-se amb&iacute;gua e abre espa&ccedil;o para questionamentos.<br /> <br /> Nesse contexto, h&aacute; outra quest&atilde;o, esta mais recente e de grande impacto na m&iacute;dia, nas redes sociais e na opini&atilde;o p&uacute;blica: as gest&otilde;es e negocia&ccedil;&otilde;es relativas &agrave; aprova&ccedil;&atilde;o do reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no Congresso Nacional e &agrave; san&ccedil;&atilde;o do presidente da Rep&uacute;blica podem ser caracterizadas como &quot;influ&ecirc;ncia&quot;? Se foram, poderiam ser investigadas no contexto de um inqu&eacute;rito policial, &agrave; medida que os &ocirc;nus para os cofres p&uacute;blicos ser&atilde;o imensos, considerando o efeito em cascata em toda a administra&ccedil;&atilde;o, pois os vencimentos da Corte s&atilde;o refer&ecirc;ncias salariais? Foram &eacute;ticas, levando-se em conta, principalmente, a grave crise fiscal do Estado?<br /> <br /> Outro exemplo de &quot;influ&ecirc;ncia&quot;, este recorrente no Brasil, refere-se &agrave;s negocia&ccedil;&otilde;es entre Poder Executivo e o Legislativo, voltadas a garantir que o primeiro tenha maioria no Parlamento (isso ocorre nos munic&iacute;pios, nos estados e na Uni&atilde;o). Tal modelo, em nome da governabilidade, h&aacute; muito tempo vem campeando &agrave; solta e sem pudor na troca de apoio pol&iacute;tico por cargos em todos os escal&otilde;es do governo. Em termos pr&aacute;ticos, n&atilde;o h&aacute; muita diferen&ccedil;a entre o tr&aacute;fico de influ&ecirc;ncia tipificado juridicamente como doloso, o h&aacute;bito fisiologista e o &quot;toma l&aacute; d&aacute; c&aacute;&quot;, que geram elevadas despesas, incham o Estado com cargos em comiss&atilde;o e reduzem drasticamente a sua produtividade, em preju&iacute;zo da popula&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Discutir essas quest&otilde;es de modo aprofundado, sereno e isento seria muito pertinente para os objetivos de combate &agrave; corru&ccedil;&atilde;o e o dimensionamento mais preciso do que &eacute; ou n&atilde;o crime e/ou anti&eacute;tico. Afinal, &quot;influ&ecirc;ncia&quot; &eacute; uma palavra de m&uacute;ltiplas varia&ccedil;&otilde;es sem&acirc;nticas no Brasil. Ser&aacute; imposs&iacute;vel o aperfei&ccedil;oamento do Estado e a depura&ccedil;&atilde;o moral da pol&iacute;tica sem um amplo debate da quest&atilde;o pela sociedade, a m&iacute;dia e as institui&ccedil;&otilde;es.<br /> <br /> Infelizmente, por&eacute;m, tem sido muito dif&iacute;cil o estabelecimento de um di&aacute;logo civilizado no Pa&iacute;s, a come&ccedil;ar pela imprensa, que, resguardadas honrosas exce&ccedil;&otilde;es, elegeu bandeiras, nomes e legendas e entrou no jogo exaltado dos pol&iacute;ticos, partidos, seus correligion&aacute;rios e eleitores. H&aacute; uma disputa ret&oacute;rica compulsiva e sem regras, travada nas redes sociais, nos ambientes profissionais e nas fam&iacute;lias. Independentemente das causas, o advers&aacute;rio &eacute; sempre sumariamente culpado, mesmo que a den&uacute;ncia seja infundada ou fake.<br /> <br /> O Brasil perdeu a raz&atilde;o! Em decorr&ecirc;ncia, reduziu muito sua capacidade anal&iacute;tica, cr&iacute;tica e os espa&ccedil;os de di&aacute;logo. Da&iacute; a dificuldade de se conceituar de modo adequado e isento, o certo e o errado, o crime e a inoc&ecirc;ncia, o &eacute;tico e o anti&eacute;tico. Vivenciamos a &quot;Rep&uacute;blica do Manique&iacute;smo&quot;, onde o bom sou sempre &quot;eu&quot; e o mau &eacute; sempre o &quot;outro&quot;, n&atilde;o importando se ambos estejam errados. Perde o pa&iacute;s, perde a sociedade!<br /> <br /> <b><i>Ana Paula Caodaglio</i></b> &eacute; s&oacute;cia-titular da Caodaglio &amp; Reis Advogados Associados.