Coragem Institucional: mulheres e os abusos cotidianos

20 de fevereiro de 2019 às 09:50

Luiz Gaziri
Est&aacute; mais do que na hora da viol&ecirc;ncia sexual contra a mulher parar! Por&eacute;m, apesar deste ser o desejo de muitas pessoas na sociedade, a solu&ccedil;&atilde;o n&atilde;o &eacute; simples. Apesar de sermos expostos a novos casos todos os dias, os velhos problemas continuam: muitas mulheres n&atilde;o t&ecirc;m coragem de reportar os abusos, aquelas que reportam demoram muito tempo para se manifestar, os acusados sempre dizem ser inocentes e as institui&ccedil;&otilde;es onde estes abusos acontecem, por mais absurdo que pare&ccedil;a, acabam desestimulando as mulheres a denunciarem ou irem em frente com suas queixas. Tudo isto, pode acabar em casos como o da ativista Sabrina Bittencourt, que se suicidou no in&iacute;cio de fevereiro.<br /> <br /> Como um profissional que busca na ci&ecirc;ncia as solu&ccedil;&otilde;es para os mais diversos casos do cotidiano, decidi me debru&ccedil;ar em alguns artigos cient&iacute;ficos para descobrir os motivos pelos quais existem padr&otilde;es de comportamento das v&iacute;timas e dos abusadores nestes casos, bem como, o que pode ser feito para evitar novos casos. Durante a minha busca por estas solu&ccedil;&otilde;es, conheci o trabalho da cientista Jennifer Freyd da University of Oregon, que h&aacute; mais de duas d&eacute;cadas estuda o assunto e, hoje, &eacute; uma das maiores autoridades mundiais no estudo do abuso contra mulheres. Depois de ler seus artigos, resolvi entrar em contato com a Prof. Freyd, que me atendeu com muita gentileza.<br /> <br /> De acordo com os estudos de Freyd, a maioria das mulheres n&atilde;o reporta abusos por causa do medo de que sua vida ir&aacute; piorar depois da acusa&ccedil;&atilde;o. E, segundo os dados das pesquisas do professor, a vida destas mulheres realmente piora depois da queixa &ndash; seus amigos se afastam delas, muitas v&iacute;timas s&atilde;o culpadas pelos outros por terem &ldquo;<b><i>provocado</i></b>&rdquo; a situa&ccedil;&atilde;o, elas s&atilde;o demitidas de seus trabalhos e t&ecirc;m suas carreiras arruinadas. Por&eacute;m, o principal fator que desencoraja as mulheres a prestarem queixas &eacute; o que Freyd nomeia como Trai&ccedil;&atilde;o Institucional: quando uma institui&ccedil;&atilde;o (pa&iacute;s, empresa, universidade, igreja, partido pol&iacute;tico) trai as pessoas que s&atilde;o dependentes dela, falhando ao apoiar adequadamente os indiv&iacute;duos que foram v&iacute;timas de outros membros da institui&ccedil;&atilde;o e n&atilde;o age para prevenir novos casos. Ao falhar com seus membros, muitos deles perdem a sua f&eacute; na institui&ccedil;&atilde;o e acreditam que as coisas nunca ir&atilde;o mudar, o que consequentemente, faz com que mais e mais v&iacute;timas mantenham-se silenciosas quando abusadas. Obviamente, a Trai&ccedil;&atilde;o Institucional tamb&eacute;m acontece pela falta de disposi&ccedil;&atilde;o das institui&ccedil;&otilde;es em divulgar seus casos de abuso sexual, por raz&atilde;o do medo de que tal a&ccedil;&atilde;o acabe com a reputa&ccedil;&atilde;o da institui&ccedil;&atilde;o. Assim, muitas institui&ccedil;&otilde;es continuam escondendo os seus casos, o que piora exponencialmente a situa&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> No caso do Brasil, a Trai&ccedil;&atilde;o Institucional torna-se mais grave quando uma parte ainda mais importante falha: a nossa justi&ccedil;a. N&atilde;o s&atilde;o raros os casos onde as mulheres que denunciam seus abusadores s&atilde;o julgadas como mentirosas ou aproveitadoras, o que acarreta com que muitos abusadores continuem circulando livremente. Em algumas oportunidades, os criminosos at&eacute; passam um tempo presos, por&eacute;m, logo s&atilde;o soltos por &ldquo;<b><i>falta de provas</i></b>&rdquo;, obviamente causada pela &ldquo;<b><i>falta de f&eacute; na institui&ccedil;&atilde;o</i></b>&rdquo; das demais v&iacute;timas que nunca reportar&atilde;o os abusos sofridos, j&aacute; que estas presenciaram outros casos de agressores que n&atilde;o resultaram em pris&otilde;es ou em mudan&ccedil;as nas leis.<br /> <br /> Assim como as v&iacute;timas, os abusadores tamb&eacute;m apresentam um comportamento comum quando acusados. Freyd nomeia este comportamento como DARVO, siga em ingl&ecirc;s para Negar, Atacar e Reverter a Ordem da V&iacute;tima. N&atilde;o apenas em casos de abusos sexuais, mas em v&aacute;rios esc&acirc;ndalos que vemos em nosso pa&iacute;s, o comportamento dos criminosos &eacute; sempre o mesmo: eles negam as acusa&ccedil;&otilde;es, atacam verbalmente os acusadores e, por fim, dizem que s&atilde;o eles as v&iacute;timas de algum tipo de &ldquo;<b><i>golpe</i></b>&rdquo;. Por mais comum que este &ldquo;<b><i>golpe</i></b>&rdquo; seja, a justi&ccedil;a continua falhando em acat&aacute;-lo frequentemente, aumentando cada vez mais a desconfian&ccedil;a das pessoas na institui&ccedil;&atilde;o Brasil e agravando a situa&ccedil;&atilde;o dos abusos sexuais e demais problemas que enfrentamos.<br /> <br /> Jennifer Freyd mostra que a Coragem Institucional &eacute; o ant&iacute;doto para a Trai&ccedil;&atilde;o Institucional. Ela acontece quando as institui&ccedil;&otilde;es passam a assumir suas responsabilidades e agir com transpar&ecirc;ncia, quando admitem seus erros, desligam e denunciam seus membros envolvidos em abusos sexuais, tratam as v&iacute;timas com respeito, divulgam sem medo os dados sobre o assunto e criam mecanismos para evitar novos casos. Assim, estas institui&ccedil;&otilde;es passam a ganhar a confian&ccedil;a das pessoas novamente e a prover a coragem que as pessoas tanto precisam para ir em frente com suas den&uacute;ncias. Apesar de v&aacute;lido, o trabalho de iniciativas como a Coame, a qual Sabrina Bittencourt liderava, nunca ter&atilde;o um alcance maior sem o apoio de institui&ccedil;&otilde;es maiores, como o governo federal. Seria de grande orgulho para todos n&oacute;s, se a primeira dama Michelle Bolsonaro assumisse esta luta.<br /> <br /> &Eacute; o momento das nossas universidades, empresas, igrejas, partidos pol&iacute;ticos e governos assumirem suas responsabilidades para diminuir bruscamente os abusos sexuais em nosso pa&iacute;s. N&atilde;o s&atilde;o as mulheres que n&atilde;o tem coragem, mas sim, as institui&ccedil;&otilde;es!<br /> &nbsp;<br /> <img src="/uploads/image/artigos_luiz-gaziri_consultor-e-professor-fae-business-school.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" />*<b><i>Luiz Gaziri</i></b> fez a escolha feliz de deixar a sua carreira de quinze anos como executivo para ensinar pessoas e empresas a aplicarem comprova&ccedil;&otilde;es cient&iacute;ficas nas mais variadas situa&ccedil;&otilde;es do seu dia a dia. Gaziri possui forma&ccedil;&otilde;es acad&ecirc;micas nos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, &eacute; professor de p&oacute;s-gradua&ccedil;&atilde;o na PUC-PR, FAE Business School e ISAE/FGV. Tamb&eacute;m atua com consultorias, treinamentos e palestras corporativas, atendendo clientes como Armani Casa, Cyrela, Unimed, Arauco, SBT, Sicredi, Cons&oacute;rcio Iveco, entre outros dos mais variados portes e segmentos.