O SUCESSO E O FRACASSO

28 de fevereiro de 2019 às 08:49

Gaudêncio Torquato
O novo governo nem chega a completar dois meses de vida e j&aacute; dispara um conjunto de interroga&ccedil;&otilde;es: qual o rumo em que caminhar&aacute; o pa&iacute;s? Ter&aacute; vez por aqui um populismo de direita? O presidente Jair Bolsonaro conseguir&aacute; aprovar a agenda do Executivo no Congresso? Os militares assumir&atilde;o que papel no cen&aacute;rio institucional, o de tutela do novo governo ou o de poder moderador? A polariza&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica, t&atilde;o acesa ao correr da campanha, tende a continuar?<br /> <br /> As d&uacute;vidas se multiplicam ante a perplexidade que tomou conta do pa&iacute;s com o desenrolar do affaire envolvendo o presidente Jair, seu filho Carlos e o ex-ministro da Secretaria-Geral do governo. &Eacute; um exagero dizer que o pa&iacute;s vivenciou uma crise. N&atilde;o. Faltou muito para o epis&oacute;dio assumir o porte de crise. Pior foi ouvir o presidente nos &aacute;udios trocados entre ele e Bebianno. Que realmente manteve comunica&ccedil;&atilde;o com o presidente, n&atilde;o sendo assim o mentiroso conforme atestava o Bolsonaro filho. A decolagem, portanto, ocorre com turbul&ecirc;ncia.<br /> <br /> Da&iacute; a perplexidade. O caso, que teve muito a ver com desaven&ccedil;as e ciumeira, poderia ser equacionado rapidamente pelo presidente n&atilde;o tivesse ele agido sob o escudo familiar. Mas o extravagante comportamento do capit&atilde;o deu dimens&atilde;o muito maior do que o imbr&oacute;glio merecia. A rispidez com que tratou seu ex-ministro e a pecha de &ldquo;inimigo&rdquo; com que se referiu &agrave; Rede Globo conferem um tom menor &agrave; express&atilde;o do presidente.<br /> <br /> A emo&ccedil;&atilde;o, que se faz presente tamb&eacute;m em suas mensagens pela rede, diz muito sobre ele. Sugere que ainda est&aacute; no palanque. Abre, assim, o flanco para a perman&ecirc;ncia da polariza&ccedil;&atilde;o entre a banda da direita, da qual &eacute; o &iacute;cone, e a banda da esquerda, onde est&atilde;o PT, PSOL e n&uacute;cleos sociais fortes, como o da Academia.<br /> <br /> Os primeiros 50 dias do governo n&atilde;o permitem dizer onde vamos parar. O teste das reformas &ndash; pacot&atilde;o da seguran&ccedil;a do Moro e nova Previd&ecirc;ncia de Guedes &ndash; ser&aacute; a b&uacute;ssola. Passando, o pa&iacute;s ter&aacute; um norte definido. Mas as dificuldades crescem. A derrota do projeto de acesso &agrave; informa&ccedil;&atilde;o mostra que a base governista n&atilde;o est&aacute; fechada com a agenda do Executivo.<br /> <br /> O presidente ter&aacute; de engrossar o caldo populista &ndash; bolsas, melhoria geral dos servi&ccedil;os p&uacute;blicos, a partir de sa&uacute;de, educa&ccedil;&atilde;o e seguran&ccedil;a &ndash; para agradar as massas. O conservadorismo na &aacute;rea dos costumes marcar&aacute; sua identidade, mas dar&aacute; volume &agrave; pol&ecirc;mica.<br /> <br /> Ap&oacute;s a lua de mel dos quatro a cinco meses, a real politik, que come&ccedil;a a dar as caras, apresentar&aacute; a fatura de cargos. A esfera pol&iacute;tica pode retirar apoio ao governo caso n&atilde;o receba compensa&ccedil;&atilde;o. O PSL, partido do presidente, com a maior bancada na C&acirc;mara, corre o risco de ver seus integrantes trocando tiros. Se o governo n&atilde;o for bem avaliado, o partido abrir&aacute; uma rota de fuga.<br /> <br /> J&aacute; os militares andar&atilde;o sobre a corda bamba. Mesmo tendo chegado ao centro do poder pelo voto (Mour&atilde;o teve a mesma vota&ccedil;&atilde;o de Bolsonaro), temem a pecha de guardi&otilde;es de um governo militarista de direita. Ao inv&eacute;s de tutelarem o governo, querem ser reconhecidos como &ldquo;<i>poder moderado</i><i>r</i>&rdquo;, com foco na harmonia, pacifica&ccedil;&atilde;o das bandas, na tentativa de puxar o pa&iacute;s para o centro do arco ideol&oacute;gico, evitando margens radicais. Ao mesmo tempo, tentar&atilde;o puxar o presidente da redoma familiar, impondo-lhe o discurso da raz&atilde;o.<br /> <br /> Ter&atilde;o condi&ccedil;&atilde;o para assumir esse papel? &Eacute; poss&iacute;vel, caso o Executivo apresente trunfos na economia e nas frentes dos servi&ccedil;os p&uacute;blicos. Por&eacute;m, com 8 ministros militares o governo sempre ser&aacute; visto como um arquip&eacute;lago fortemente guardado por gente que tem o poder armado. N&atilde;o poderia ser diferente.<br /> <br /> Organiza&ccedil;&otilde;es e movimentos sociais passar&atilde;o o primeiro ciclo &ndash; 6 meses iniciais- no patamar da observa&ccedil;&atilde;o. Ter&atilde;o cuidado para n&atilde;o sair &agrave;s ruas sob qualquer motivo. Estar&atilde;o de olho no caminhar do governo. Depreda&ccedil;&atilde;o de patrim&ocirc;nios, invas&atilde;o de propriedades estar&atilde;o sob a lupa do aparato governamental. E as oposi&ccedil;&otilde;es aproveitar&atilde;o brechas nos projetos do Executivo para expressar seu escopo: quebra de direitos de trabalhadores, preju&iacute;zos nos ganhos das classes m&eacute;dias, desprezo pelos direitos humanos etc.<br /> <br /> Se o governo chegar ao fim de 2019 com a infla&ccedil;&atilde;o sob controle, juros baixos, emprego aumentando, servi&ccedil;os b&aacute;sicos melhores, Bolsonaro ter&aacute; passado no primeiro teste. Mas se a esfera familiar de Bolsonaro continuar a dar o tom, &eacute; melhor desfazer a ideia de que Deus &eacute; brasileiro.<br /> <i><b>&nbsp;<br /> </b></i><i><b><img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato