O que acontece no STF?

20 de março de 2019 às 08:54

Alberto Rollo
O Supremo Tribunal Federal encerrou a &uacute;ltima quinta-feira, 14 de mar&ccedil;o, com mais um julgamento importante e que dever&aacute; causar impacto na sociedade. Muito embora a discuss&atilde;o seja sobre um caso concreto, o pano de fundo &eacute; a discuss&atilde;o sobre a compet&ecirc;ncia da Justi&ccedil;a Eleitoral para julgar os chamados crimes conexos com as elei&ccedil;&otilde;es, por exemplo, a corrup&ccedil;&atilde;o passiva, a lavagem de dinheiro, sonega&ccedil;&atilde;o fiscal e a corrup&ccedil;&atilde;o de um modo geral.<br /> <br /> Importante destacar que a compet&ecirc;ncia para julgamento de crimes, por parte da Justi&ccedil;a Eleitoral, est&aacute; expressamente prevista no C&oacute;digo Eleitoral, art. 35, inciso II, que disp&otilde;e ser da compet&ecirc;ncia dos ju&iacute;zes eleitorais (portanto da Justi&ccedil;a Eleitoral): processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a compet&ecirc;ncia origin&aacute;ria do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais.<br /> <br /> Mas n&atilde;o &eacute; s&oacute;. Tamb&eacute;m o C&oacute;digo de Processo Penal define a compet&ecirc;ncia da justi&ccedil;a especializada sobre a da justi&ccedil;a comum, como disp&otilde;e o artigo 78, inciso IV: no concurso entre a jurisdi&ccedil;&atilde;o comum e a especial, esta prevalecer&aacute;. <br /> Ou seja: at&eacute; onde se aplica o direito expresso, n&atilde;o podem existir d&uacute;vidas acerca da compet&ecirc;ncia da Justi&ccedil;a Eleitoral.<br /> <br /> As cr&iacute;ticas infundadas, apressadas e, por isso, exageradas, s&atilde;o facilmente descontru&iacute;das: a Lava Jato tamb&eacute;m n&atilde;o tinha, no in&iacute;cio dos trabalhos, a estrutura que tem hoje. Isso foi conseguido com investimentos materiais e de pessoal, reconhecendo-se o excelente trabalho e import&acirc;ncia dele. Ou seja, a quest&atilde;o da estrutura da Justi&ccedil;a Eleitoral tamb&eacute;m se resolve assim. <br /> <br /> &Eacute; da Constitui&ccedil;&atilde;o Federal a forma de composi&ccedil;&atilde;o da Justi&ccedil;a Eleitoral. Reconhe&ccedil;o que a participa&ccedil;&atilde;o de Advogados nesta composi&ccedil;&atilde;o, al&ccedil;ados &agrave; condi&ccedil;&atilde;o de julgadores, por tempo certo (mandato), merece an&aacute;lises profundas nos tempos atuais, mas, sem qualquer d&uacute;vida, n&atilde;o &eacute; por esta raz&atilde;o que a Justi&ccedil;a Eleitoral deve ser extinta ou seja menos s&eacute;ria. Afirmar isso &eacute; n&atilde;o reconhecer o important&iacute;ssimo trabalho desempenhado pela Justi&ccedil;a Eleitoral, com este tipo de composi&ccedil;&atilde;o, ao longo das &uacute;ltimas d&eacute;cadas.<br /> <br /> Justi&ccedil;a Eleitoral s&oacute; existe no Brasil. Primeiramente, isso n&atilde;o &eacute; verdade, mas, ainda que fosse, o Brasil tamb&eacute;m n&atilde;o tem Donald Trump, e a vida segue. A Justi&ccedil;a Eleitoral &eacute; a &uacute;nica respons&aacute;vel por todo o cadastro de eleitores, organizando-o e mantendo-o; pela convoca&ccedil;&atilde;o e instru&ccedil;&atilde;o de mes&aacute;rios para os trabalhos eleitorais; por julgar quem &eacute; ficha limpa ou n&atilde;o; por cassar os mandatos daqueles que n&atilde;o agem corretamente; manter a inviolabilidade da urna eletr&ocirc;nica (me convenci de que &eacute; 100% segura); dentre outras fun&ccedil;&otilde;es.<br /> <br /> Se essas atribui&ccedil;&otilde;es fossem repassadas para a Justi&ccedil;a Federal ou Estadual, por exemplo, a cr&iacute;tica logo viria no sentido de que estes ramos n&atilde;o est&atilde;o preparados, nem t&ecirc;m compet&ecirc;ncia t&eacute;cnica para o desempenho destas miss&otilde;es.<br /> <br /> Tamb&eacute;m sobre a impunidade, prescri&ccedil;&otilde;es e anula&ccedil;&atilde;o de senten&ccedil;as, &eacute; importante lembrar que a Justi&ccedil;a Eleitoral &eacute; uma das mais c&eacute;leres e r&aacute;pidas do Brasil, basta analisar os n&uacute;meros, quantidade e dura&ccedil;&atilde;o dos processos. Um processo isolado n&atilde;o pode ser tomado como exemplo. Eventual anula&ccedil;&atilde;o de senten&ccedil;a deve ser creditada a quem ofereceu den&uacute;ncia e/ou julgou processo onde n&atilde;o devia atuar.<br /> <br /> Se havia d&uacute;vida (e para mim, n&atilde;o h&aacute;), conflito de compet&ecirc;ncia deveria ter sido suscitado no momento oportuno, antes do resultado que agora se teme seja anulado.<br /> <br /> Muito simples e dentro das regras do Direito expresso e n&atilde;o do &ldquo;achismo&rdquo;.<br /> <br /> Ora, o que cansa &eacute; ter que ouvir, assistir e ler afirma&ccedil;&otilde;es daqueles que n&atilde;o pensam como eu, n&atilde;o entende as normas como eu entendo, que n&atilde;o &eacute; meu colega de concurso, n&atilde;o presta como eu, n&atilde;o &eacute; s&eacute;rio como eu, ou sabota a Lava Jato.<br /> <br /> Ningu&eacute;m &eacute; dono da verdade. Viva a democracia e seu sistema de freios e contrapesos.<br /> <br /> <b>Alberto Rollo</b> &eacute; advogado e professor de Direito Eleitoral da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Est&aacute; dispon&iacute;vel para entrevistas.