UM NOVO PACTO SOCIAL

15 de abril de 2019 às 17:32

Gaudêncio Torquato
Os desempregados no Brasil somam 13 milh&otilde;es de trabalhadores. Para 2020, a proje&ccedil;&atilde;o &eacute; de 12,7 milh&otilde;es. Dados da Organiza&ccedil;&atilde;o Internacional do Trabalho. Pelo visto, n&atilde;o haver&aacute; grande mudan&ccedil;a no painel do emprego. E mais: especialistas demonstram que o desemprego tende a crescer no mundo ante a expans&atilde;o da automa&ccedil;&atilde;o nos parques fabris e a revolu&ccedil;&atilde;o a que j&aacute; se assiste no setor de servi&ccedil;os.<br /> <br /> A hip&oacute;tese, que ganha o foco de estudiosos, &eacute; de que teremos cada vez menos emprego. E, em contrapartida, a escalada da informalidade, com o aumento de &ldquo;bicos&rdquo; e trabalhadores exercendo atividades sem v&iacute;nculo contratual, f&iacute;sico e temporal. O impacto sobre as economias ser&aacute; de monta, tornando defasada a rede de prote&ccedil;&atilde;o social aos trabalhadores, pois os sal&aacute;rios pagos pelo sistema produtivo, que servem de refer&ecirc;ncia tanto para cobran&ccedil;a de contribui&ccedil;&otilde;es quanto ao pagamento de benef&iacute;cios &ndash; aposentadoria, seguro desemprego &ndash; dar&atilde;o vez a ganhos n&atilde;o fixos, obtidos pelo tipo e tempo de servi&ccedil;o prestado.<br /> <br /> Veja-se o risco de ficar obsoleta uma reforma da Previd&ecirc;ncia estruturada sobre o eixo do trabalho fixado no emprego e no sal&aacute;rio. Nasce envelhecida. Esse &eacute;, ali&aacute;s, o alerta que faz o economista Jos&eacute; Roberto Afonso em recente texto acad&ecirc;mico. O professor Jos&eacute; Pastore tamb&eacute;m tem desenhado com mestria o futuro do trabalho. Infelizmente, os nossos homens p&uacute;blicos ainda n&atilde;o perceberam que mudar o sistema previdenci&aacute;rio sem considerar a nova moldura do trabalho no mundo n&atilde;o equacionar&aacute; o ajuste das contas do pa&iacute;s. Por mais que se considere essa reforma como a mais importante do governo, o fato &eacute; que ficar&aacute; caduca logo, logo, exigindo, mais adiante, uma reforma da reforma, com a inser&ccedil;&atilde;o de nova ordem de fatores.<br /> <br /> Pior &eacute; constatar que, por nossas plagas, o emprego com carteira assinada tem espa&ccedil;o cativo na mente nacional. Parece ser a &uacute;nica forma de algu&eacute;m conservar a auto-estima: &ldquo;eu tenho um emprego&rdquo;. E se o emprego estiver na &oacute;rbita do Estado, melhor.&nbsp; A &aacute;rvore do patrimonialismo tem sido respons&aacute;vel pelo conjunto de mazelas que contribuem para avolumar o chamado custo-Brasil: o cartorialismo (a burocracia), o empreguismo/nepotismo, o desleixo, a inc&uacute;ria, a anomia, a improvisa&ccedil;&atilde;o, entre outras. O empreendedorismo ainda est&aacute; longe de se consolidar como ferramenta de alavancagem dos setores produtivos.<br /> <br /> O homo brasiliensis espera que o bra&ccedil;o estatal seja seu protetor. E assim, a livre iniciativa, o desbravamento de novas &aacute;reas, a produtividade acabam cedendo espa&ccedil;o para a acomoda&ccedil;&atilde;o, a protela&ccedil;&atilde;o de tarefas (&ldquo;vamos deixar para amanh&atilde;&rdquo;), o &oacute;cio, a pregui&ccedil;a, o acobertamento da ilicitude e, por consequ&ecirc;ncia, a forma&ccedil;&atilde;o de teias de corrup&ccedil;&atilde;o pela malha da administra&ccedil;&atilde;o publica nas tr&ecirc;s esferas da Federa&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Urge, portanto, um choque de a&ccedil;&otilde;es, a come&ccedil;ar pela reformula&ccedil;&atilde;o das estruturas que d&atilde;o forma&ccedil;&atilde;o &agrave; nossa m&atilde;o de obra, com atualiza&ccedil;&atilde;o das abordagens de treinamento e um direcionamento para nichos de servi&ccedil;os n&atilde;o tradicionais. Temos de abandonar as velhas pr&aacute;ticas e a no&ccedil;&atilde;o de que as oportunidades do mercado de trabalho caem sobre nossas cabe&ccedil;as como o man&aacute; que caiu do c&eacute;u quando Deus tirou seu povo do Egito rumo &agrave; Terra Prometida.<br /> <br /> Temos de substituir em nossas cabe&ccedil;as emprego por trabalho. Direito ao sal&aacute;rio pelo ganho proporcionado por novas fun&ccedil;&otilde;es, tarefas e servi&ccedil;os na seara de um mercado de trabalho que se diferencia de suas antigas estruturas.<br /> <br /> Sob essa paisagem, a rede de prote&ccedil;&atilde;o ao trabalhador h&aacute; de prover outras modalidades que n&atilde;o apenas a carteira assinada. Sindicatos trabalhistas carecem redirecionar rumos e a&ccedil;&otilde;es. A velha luta de classes ser&aacute; substitu&iacute;da pela constru&ccedil;&atilde;o de um di&aacute;logo estreito entre patr&otilde;es e trabalhadores, com identifica&ccedil;&atilde;o de seus interesses e maior parceria.<br /> <br /> O alvo passa a ser, portanto, um novo pacto social, cujo escopo abrigue pilares do trabalho em suas m&uacute;ltiplas facetas &ndash; tempos determinados e indeterminados, contratos individuais e plurais, servi&ccedil;os prestados &agrave; dist&acirc;ncia etc. As metamorfoses do mundo do trabalho precisam ser analisadas &agrave; luz do fen&ocirc;meno da globaliza&ccedil;&atilde;o, que tem puxado o carrossel de mudan&ccedil;as nas frentes pol&iacute;tica, econ&ocirc;mica, social e jur&iacute;dica.<br /> <br /> Fechar os olhos ao universo em transforma&ccedil;&atilde;o &eacute; ter a atitude da avestruz.<br /> &nbsp;<br /> &nbsp;<br /> <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato