A PEDAGOGIA DE LULA
03 de maio de 2019 às 08:48
Rodrigo Perez Oliveira
<div style="text-align: center;"><img src="/uploads/image/img_jornalistas-livres_a-pedagogia-de-lula_chave-aroeira.jpg" width="450" height="296" align="middle" alt="" /></div>
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<table width="500" cellspacing="0" cellpadding="0" border="0" align="center">
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<td style="text-align: center;"><span style="background-color: rgb(255, 255, 153);"><b><i><span style="font-size: large;">Mesmo preso, ex-presidente segue bastante ativo na política. Mais do que falar, ele explica, e afeta, consegue ensinar aos que mal sabem ler </span></i></b></span></td>
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Há mais de um ano afastado das câmeras e microfones, Lula reapareceu em vídeo em 26 de abril, quando recebeu no cárcere os jornalistas Florestan Fernandes Jr. e Mônica Bergamo.<br />
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Qual foi o impacto político da entrevista?<br />
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Como a principal característica das crises é a redução drástica do território de consenso, a resposta para essa pergunta também está sendo disputada. Lideranças políticas alimentadas pelo anti-petismo desqualificaram o fato, negando a importância da entrevista: João Dória disse que Lula está “<i><b>esclerosado</b></i>”. Jair Bolsonaro chamou o ex-presidente de “<b><i>cachaceiro</i></b>”.<br />
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Já as esquerdas em geral, e os petistas em particular, entraram em uma espécie de catarse virtual coletiva, como se a entrevista, por si só, fosse capaz de promover uma reviravolta no cenário político.<br />
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Nem tanto ao céu e nem tanto ao inferno.<br />
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Nada sugere mudanças no curto prazo na realidade política nacional. Porém, a entrevista está longe, muito longe mesmo, de ser fato político irrelevante.<br />
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Antes de qualquer coisa, a realização da entrevista, por si só, é a manifestação mais clara do atual momento da crise brasileira, quando está instaurada uma guerra total no núcleo jurídico da coligação golpista que tomou o poder de assalto em 2016. O Supremo Tribunal Federal, que vinha chancelando todos os arbítrios cometidos pela Operação Lava Jato, sentiu o sopro dos menudos de Curitiba na nuca.<br />
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Já há algum tempo que a Lava Jato deixou de ser o braço do PSDB para se tornar, ela mesma, a força política motora do pós-petismo. Hoje, a Lava Jato é mais poderosa que a base política de Jair Bolsonaro. É sempre importante lembrar que os vínculos de Bolsonaro com a Lava Jato não são orgânicos. A Lava Jato tem seu próprio projeto para o Brasil e Bolsonaro e seus milicianos não estão nele.<br />
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Queiroz, o laranjal do PSL, o assassinato de Marielle e Anderson. Nada disso foi esquecido. Tudo está guardado, esperando o momento certo. A Lava Jato é seu próprio partido político e, como tal, está disposta a engolir adversários e aliados. É assim que os partidos políticos agem.<br />
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Como a Lava Jato se tornou mais suprema que o próprio supremo, o STF decidiu tentar restabelecer a hierarquia. Lula é o grande troféu da Lava Jato. É impossível soltá-lo sem reconhecer que as impressões digitais dos ministros da Suprema Corte estão na farsa jurídica que fraudou as eleições de 2018. A entrevista se tornou, então, um recado enviado a Curitiba.<br />
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Sempre que a aristocracia da toga se sentir ameaçada pela Lava Jato, Lula será usado como munição. Uma diminuição da pena aqui, uma entrevista acolá.<br />
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Mesmo preso, Lula continua bastante ativo na política. Na verdade, a cela é um gabinete de trabalho. Lula passa o dia despachando, lendo, recebendo aliados e liderando o Partido dos Trabalhadores. Lula está muito bem informado, sabe com clareza o que está acontecendo, tem total percepção de que se existe alguma possibilidade de sair da cadeia ainda em vida, ela passa pelo acirramento do conflito entre o STF e a Lava Jato.<br />
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Nessa guerra, Lula sabe qual é o seu lado. Por isso, a Lava Jato, citada nominalmente nas pessoas de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, foi atacada do início ao fim da entrevista.<br />
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“<i><b>Mentirosos</b></i>”, “<b><i>farsantes</i></b>”, “<i><b>criminosos</b></i>” foram os adjetivos usados. Já Bolsonaro foi tratado como louco e despreparado, como uma caricatura. Entre os adversários possíveis, Lula sabe qual é o mais forte, o mais perigoso.<br />
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Por outro lado, o STF foi tratado como o guardião da democracia, como a instituição que tem histórico comprometido com a defesa dos direitos dos oprimidos. Lula elogiou a “<b><i>vocação democrática</i></b>” do STF, citando os posicionamentos da suprema corte em favor da criação da reserva indígena Raposa da Serra do Sol e em favor da implementação do sistema de cotas para o ingresso de negros nas universidades públicas.<br />
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A essa altura do campeonato, pouco importa se o STF chancelou o golpe contra Dilma e a prisão arbitrária de Lula. Pouco importa se essa “vocação democrática” é mesmo um dado da realidade ou não passa de retórica política. Ao associar o STF à defesa dos direitos de índios e negros, Lula conseguiu reunir, numa mesma formulação, a aristocracia da toga e as minorias.<br />
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A operação Lava Jato declarou guerra contra o STF. O governo de Jair Bolsonaro declarou guerra contra índios e negros. Lula quer consolidar sua imagem como o principal antagonista à Lava Jato e como líder da oposição ao governo de Bolsonaro, quer liderar uma frente ampla em defesa da democracia e dos direitos sociais. Foi este foi o objetivo da entrevista.<br />
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Relações internacionais, políticas públicas de assistência social, macro-economia e drama familiar. Lula passou por todos esses temas com desenvoltura, mostrando estar em perfeita forma física e intelectual.<br />
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A entrevista acabou, os jornalistas foram embora e Lula foi reconduzido à sua cela. A reforma da previdência continua tramitando. Treze milhões de brasileiros ainda estão desempregados. Seria ingênuo achar que uma simples entrevista pudesse ser capaz de transformar a realidade.<br />
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Definitivamente, não é.<br />
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Mas a repercussão impressionante, a despeito do silêncio da mídia hegemônica, comprova a importância que Lula ainda tem.<br />
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Em duas horas de entrevista, Lula foi mais eficiente do que Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Fernando Haddad, que estão por aí, livres, soltos. A notícia para a esquerda brasileira não é nada boa. A entrevista só veio reforçar o que muitos já sabem: Lula ainda não tem herdeiro. Até aqui, ninguém conseguiu substituí-lo como liderança popular.<br />
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É que quando falam, os outros apenas falam. Falam de números, de dados, mas não afetam e pouco explicam. Mais do que falar, Lula explica, e afeta. Consegue ensinar aos que mal sabem ler. Antes de tudo, Lula é um pedagogo.<br />
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<b>Rodrigo Perez Oliveira</b>, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com charge de Aroeira<br />
Fonte: <a href="https://jornalistaslivres.org/a-pedagogia-de-lula/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>https://jornalistaslivres.org/</i></u></span></a>