A VIOLÊNCIA NO DESERTO

12 de junho de 2019 às 17:34

Gaudêncio Torquato
Os dados s&atilde;o irrefut&aacute;veis. Somos um dos pa&iacute;ses mais violentos do mundo. At&eacute; mais que o Haiti. O Brasil ocupa a 103&ordf; posi&ccedil;&atilde;o no ranking Global da Paz. Nossa taxa de homic&iacute;dio &eacute; 30 vezes maior que a da Europa. Mais de meio milh&atilde;o de pessoas foram assassinadas na &uacute;ltima d&eacute;cada. S&atilde;o cerca de 52 mil assassinatos por ano, quase 25 mortes em cada 100 mil, a 12&ordf; maior taxa de homic&iacute;dios do mundo.<br /> <br /> Imaginar que teremos mais seguran&ccedil;a com uma popula&ccedil;&atilde;o armada &eacute; ignorar a realidade brasileira. Ter armas em casa, sob o argumento de que a fam&iacute;lia se sentir&aacute; mais protegida, &eacute; um grande engano. Em dez anos, houve um aumento de aproximadamente 30% no n&uacute;mero de homic&iacute;dios de mulheres por arma de fogo em ambiente dom&eacute;stico. Nosso povo n&atilde;o &eacute; treinado para usar arma de fogo e n&atilde;o temos uma &iacute;ndole t&atilde;o pac&iacute;fica como se costuma apregoar. &Eacute; falso. Pipoco de um lado e outro resultar&aacute; em mortandade.<br /> <br /> Os sinais n&atilde;o s&atilde;o animadores. Educa&ccedil;&atilde;o voltada para a seguran&ccedil;a n&atilde;o faz parte de nossa cultura.&nbsp; Apelar para o revide, como sugerem os defensores da libera&ccedil;&atilde;o do porte e da posse de armas, &eacute; marcar encontro com a viol&ecirc;ncia. Vejam o que o ex-presidente Barack Obama disse, semana passada, em S&atilde;o Paulo, sobre o uso de armas nos Estados Unidos: &ldquo; as leis sobre armas nos Estados Unidos n&atilde;o fazem muito sentido&rdquo;. Os atentados nas escolas se sucedem com o assassinato de muitos estudantes.<br /> <br /> A maneira de ser do nosso presidente da Rep&uacute;blica, com sua forma&ccedil;&atilde;o militar (que se mostra at&eacute; na est&eacute;tica belicista), incentiva a agressividade.&nbsp; Muita gente se inclina a ter uma rea&ccedil;&atilde;o contra o ataque de agressores. Bolsonaro exibe um jeito belicoso como estivesse na arena de guerra, combatendo inimigos, gritando palavras de ordem a ex&eacute;rcitos de simpatizantes. Seu perfil de guerreiro desperta junto a segmentos radicais os mecanismos da proje&ccedil;&atilde;o e da identifica&ccedil;&atilde;o, t&atilde;o estudados pela psicologia. Ou seja, muitos querem imit&aacute;-lo. O fato &eacute; que exerce forte influ&ecirc;ncia sobre o pensamento e o comportamento social, abrindo a pauta do debate p&uacute;blico, como acaba de mostrar pesquisa recente do Projeto de Opini&atilde;o P&uacute;blica da Am&eacute;rica Latina, feito em colabora&ccedil;&atilde;o com a Funda&ccedil;&atilde;o Get&uacute;lio Vargas.<br /> <br /> Em outras palavras, o presidente &eacute; um agente de polariza&ccedil;&atilde;o, de enfrentamento, de conflito. N&atilde;o se espere dele um estilo Gandhi inspirado no pacifismo. Ao contr&aacute;rio, sua figura tende a expandir a tens&atilde;o entre alas, apoiadores e advers&aacute;rios. Para complicar, os brasileiros, segundo a pesquisa Bar&ocirc;metros das Am&eacute;ricas, j&aacute; n&atilde;o est&atilde;o muito satisfeitos com sua democracia. Cerca de 35% se dizem favor&aacute;veis a um golpe militar ante a expans&atilde;o da corrup&ccedil;&atilde;o; 38% (pasmem)&nbsp; concordam com o fechamento do Supremo Tribunal Federal, enquanto 22% acham justific&aacute;vel fechar o Congresso Nacional. S&atilde;o &iacute;ndices assombrosos.<br /> <br /> A inseguran&ccedil;a se dissemina no bojo social. A viol&ecirc;ncia se espraia, a ponto de j&aacute; se ouvir com naturalidade a assertiva: &ldquo;bandido bom &eacute; bandido morto&rdquo;.&nbsp; Sob essa abordagem, o que estamos prenunciando &eacute; o aumento de covas nos cemit&eacute;rios, na esteira do abrandamento dos c&oacute;digos de tr&acirc;nsito, na duplica&ccedil;&atilde;o de pontos (de 20 para 40) para perda da CNH, na extin&ccedil;&atilde;o de multas no caso das cadeirinhas para crian&ccedil;as nos autom&oacute;veis, no fim dos radares e lombadas nas estradas etc.<br /> <br /> Uma legisla&ccedil;&atilde;o permissiva, ao lado da cria&ccedil;&atilde;o de arsenais caseiros, aumentar&aacute; o &iacute;ndice de acidentes/ incidentes. N&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel se projetar um cen&aacute;rio de harmonia social ante a escalada individual no campo do porte e da posse de armas ou ante meios de transporte disparados nas estradas.<br /> <br /> &Eacute; triste constatar que parcela ponder&aacute;vel da sociedade aplaude com entusiasmo a barb&aacute;rie, esquecendo que ela nos trar&aacute; menos seguran&ccedil;a.&nbsp; O dado revela o esp&iacute;rito de parcela da popula&ccedil;&atilde;o. 43% afirmam a convic&ccedil;&atilde;o: &ldquo;se eu pudesse teria uma arma de fogo para prote&ccedil;&atilde;o&rdquo;.<br /> <br /> Na desola&ccedil;&atilde;o da paisagem, n&atilde;o h&aacute; o&aacute;sis &agrave; vista. S&oacute; um gigantesco deserto de areia e borrasca. O o&aacute;sis s&oacute; aparecer&aacute; quando o pa&iacute;s abrigar um povo bem educado. Mas os ventos que batem nos v&atilde;os da Educa&ccedil;&atilde;o, pelo menos por hora, n&atilde;o refrescam o ambiente. &Eacute; triste ver um ministro da Educa&ccedil;&atilde;o que mais se comporta como um &ldquo;fechador&rdquo; de salas de aula e n&atilde;o como um educador abrindo bra&ccedil;os aos novos tempos. O panorama &eacute; desolador.<br /> &nbsp;<br /> <i><b><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato