Conservadorismo, reacionarismo e oportunidade
12 de junho de 2019 às 17:42
Elton Duarte Batalha
A turbulência política tem marcado os primeiros meses do governo Bolsonaro, suscitando diversas questões acerca da orientação ideológica da atual gestão em comparação aos demais mandatos presidenciais desde a redemocratização. Diante disso, algumas reflexões devem ser feitas sobre o espectro ideológico e o posicionamento prevalecente no Brasil de hoje.<br />
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O conservadorismo como visão de mundo, diferentemente do que é dito por muitas pessoas, não está no polo diametralmente oposto à visão progressista, posição ocupada pelo reacionarismo. Enquanto progressistas e reacionários baseiam seus planos políticos em utopias (aqueles olhando para o futuro e estes para o passado), o conservador adota visão mais cética da realidade e desconfia de projetos que não se pautem pela realidade, a qual deve ser modificada de forma gradual, respeitando-se as tradições. A imperfeição humana, pressuposto de um raciocínio conservador, não permite que haja sacrifício social na busca de versão edênica da realidade, diferentemente das outras visões referidas. No que atine ao que existe, em vez de destruir (ou desconstruir, estranho termo cada vez mais utilizado no debate público), busca-se reformar, conservando a base já testada e aprovada pelo tempo. Não há, portanto, solução final para os problemas (diferentemente da visão que entende que a história progride para um futuro perfeito), mas a resolução possível em face da complexidade da vida.<br />
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Diante de tal posicionamento, parece claro que o governo federal adota, muitas vezes, posturas mais próximas do reacionarismo, ao discutir questões que deveriam somente interessar a historiadores. A importância de Paulo Freire para a educação e a homenagem em relação ao movimento político que tomou o poder em 1964 são tópicos que não são relevantes para a maioria da população brasileira, a qual claramente apresenta, em diversos assuntos, postura conservadora e não reacionária. A visão típica da Guerra Fria, contrapondo-se a supostos comunistas do outro lado da trincheira ideológica, não se coaduna com o momento atual e com as urgentes necessidades da sociedade, fato que tem se refletido na queda da popularidade do presidente da República. O discurso utilizado no processo eleitoral como forma de marcar território diante do petismo que predominou no país por mais de uma década perde a razão de ser durante a gestão administrativa, pois sem função na condução dos interesses públicos. A identificação do atual governo (por ele mesmo ou por parte da opinião pública) com o conservadorismo é um desserviço a esta visão de mundo. <br />
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A decepção com a falta de pragmatismo nesse primeiro período presidencial deixa aberto um flanco importante para o surgimento de uma outra força no cenário político nacional. Diante da exaustão nacional com a visão de esquerda e o rápido esgotamento da lua de mel da gestão federal com boa parte da comunidade, há espaço para o surgimento de algum elemento político que represente uma postura verdadeiramente conservadora, nos termos explicados, pleiteando determinadas reformas e a manutenção dos valores socialmente prestigiados. O cansaço popular com o sistema político, o histórico vitorioso do populismo e a cultura do personalismo no Brasil são elementos que compõem uma receita temerária para o futuro do país. A fragilidade da cultura democrática na sociedade, historicamente marcada por autoritarismos em suas mais diversas instituições, é terreno fértil para o surgimento de figura supostamente redentora da tragédia nacional. <br />
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A eleição de Bolsonaro parece representar, nesse primeiro momento, a continuidade da experiência populista experimentada pelo Brasil durante a gestão petista. Mudaram-se as cores, mas a essência maniqueísta permaneceu. Em uma sociedade que se nega a dialogar, embora goste de vislumbrar um espectro democrático ao mirar-se no espelho, é urgente o surgimento de movimento político que reforce o valor das instituições na construção de um país que busca se desenvolver. As turbulências no seio do poder, ao que parece, continuarão. Edmund Burke e Michael Oakeshott ainda esperam, fleumaticamente, quem os represente na política nacional. O espaço para o surgimento de uma visão conciliadora e humilde diante da complexidade da vida real está em aberto.<br />
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<i><b>Elton Duarte Batalha</b></i> é professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Doutor em Direito pela USP.