The Intercept, Constituição e Leis

18 de junho de 2019 às 17:08

Martonio Mont’Alverne Barreto
Ap&oacute;s a divulga&ccedil;&atilde;o de conversas entre o juiz S&eacute;rgio Moro e sua for&ccedil;a tarefa do Minist&eacute;rio P&uacute;blico Federal do Paran&aacute;, quest&otilde;es sobre a legalidade da divulga&ccedil;&atilde;o, suas autenticidade e poss&iacute;vel utiliza&ccedil;&atilde;o em favor de r&eacute;us t&ecirc;m aparecido e animam o debate jur&iacute;dico e pol&iacute;tico nacional da &uacute;ltima semana.<br /> <br /> Comecemos a analisar o epis&oacute;dio desencadeado pelo jornal The Intercept a partir da opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato. S&atilde;o 4 anos em que n&oacute;s juristas escrevemos sobre o uso do direito como arma pol&iacute;tica no Brasil para destruir nossa democracia. Quando denunciamos a parcialidade do juiz Moro e a n&atilde;o reforma de suas decis&otilde;es pelas inst&acirc;ncias superiores do Judici&aacute;rio, fomos ironizados por sermos portadores de cegueira em rela&ccedil;&atilde;o a Lula, ao PT e aos partidos de esquerda.&nbsp; Como se vivia diante de uma explora&ccedil;&atilde;o medi&aacute;tica sem precedentes no Brasil, foi-nos at&eacute; f&aacute;cil compreender tudo: Moro e sua for&ccedil;a tarefa utilizavam a m&iacute;dia comercial para intimidar partes, advogados, promotores, ju&iacute;zes e tribunais, que, por covardia, n&atilde;o enfrentaram nem corrigiram as viola&ccedil;&otilde;es contra o estado democr&aacute;tico de direito.<br /> <br /> Era claro que o tempo entre uma opera&ccedil;&atilde;o e outra obedecia a uma cad&ecirc;ncia devidamente planejada pelo juiz e por sua for&ccedil;a tarefa, com execu&ccedil;&atilde;o da Pol&iacute;cia Federal e vazamentos privilegiados para certos meios de comunica&ccedil;&atilde;o. A condu&ccedil;&atilde;o coercitiva do ex-presidente Lula em mar&ccedil;o de 2016 &eacute; um dos bons exemplos deste conjunto de fatos. Sabe-se agora que o tempo dos acontecimentos era controlado, como agora faz o The Intercept. Novidade: S&eacute;rgio Moro reclama dos vazamentos por etapas, quando tal atividade era a mesma que ele orientava.<br /> <br /> Em mar&ccedil;o de 2016, o antigo titular da 13&ordf; Vara, Sergio Moro, divulgou conversa telef&ocirc;nica entre a ent&atilde;o Presidenta da Rep&uacute;blica Dilma Rousseff e o ex Presidente Lula, mesmo sabendo que estava praticando crime previsto no art.10, parte final, da lei 9.696/66. No entanto, invocando um singelo pedido de &ldquo;<b><i>excusas</i></b>&rdquo; como causa excludente da ilicitude, at&eacute; S&eacute;rgio Moro hoje n&atilde;o foi punido. No julgamento perante o Tribunal Regional Federal da 4&ordf; Regi&atilde;o, foi acolhido o seguinte entendimento do Relator:<br /> <br /> <div style="margin-left: 40px;"><i>&quot;&Eacute; que a norma jur&iacute;dica incide no plano da normalidade, n&atilde;o se aplicando a situa&ccedil;&otilde;es excepcionais (&hellip;). Ora, &eacute; sabido que os processos e investiga&ccedil;&otilde;es criminais decorrentes da chamada &quot;Opera&ccedil;&atilde;o Lava-Jato&quot;, sob a dire&ccedil;&atilde;o do magistrado representado, constituem caso in&eacute;dito (&uacute;nico, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condi&ccedil;&otilde;es, neles haver&aacute; situa&ccedil;&otilde;es in&eacute;ditas, que escapar&atilde;o ao regramento gen&eacute;rico, destinado aos casos comuns. Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunica&ccedil;&otilde;es telef&ocirc;nicas de investigados na referida opera&ccedil;&atilde;o servido para preserv&aacute;-la das sucessivas e not&oacute;rias tentativas de obstru&ccedil;&atilde;o, por parte daqueles, garantindo-se assim a futura aplica&ccedil;&atilde;o da lei penal, &eacute; correto entender que o sigilo das comunica&ccedil;&otilde;es telef&ocirc;nicas (Constitui&ccedil;&atilde;o, art. 5&ordm;, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administra&ccedil;&atilde;o da justi&ccedil;a e na aplica&ccedil;&atilde;o da lei penal&quot;.**</i></div> <br /> Pode-se dizer com seguran&ccedil;a que S&eacute;rgio Moro e sua for&ccedil;a tarefa renegam hoje este entendimento que tanto lhe beneficiou. &Agrave; &eacute;poca, conforme provam os di&aacute;logos que travaram antes do levantamento do sigilo dos &aacute;udios de conversas entre Dilma Rousseff e Lula, Moro e sua for&ccedil;a tarefa opinaram para que se tornasse p&uacute;blico o di&aacute;logo, numa evid&ecirc;ncia de que o teor do que era escutado j&aacute; era compartilhado secretamente com a acusa&ccedil;&atilde;o. Se se recorre a este precedente, os editores do The Intercept podem ficar tranquilos. Esta decis&atilde;o equivocada do TRF da 4&ordf; Regi&atilde;o resulta num bom exemplo da covardia que tomou conta do Judici&aacute;rio brasileiro quando o assunto era qualquer decis&atilde;o de S&eacute;rgio Moro. Montaigne j&aacute; anunciava ser a &ldquo;<b><i>covardia a m&atilde;e da crueldade</i></b>&rdquo;. Quando uma sociedade se acovarda diante dos acontecimentos, o que ocorre depois da&iacute; &eacute; a crueldade entre os homens.<br /> <br /> Hoje, Moro e sua for&ccedil;a tarefa da opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato procuram desqualificar o conte&uacute;do do que foi revelado de suas a&ccedil;&otilde;es contra a defesa do ex-Presidente Lula. Condenam fortemente a maneira que foram obtidas: pela suposta a&ccedil;&atilde;o de hackers, enquanto que The Intercept e Telegram afirmam n&atilde;o haver sido invas&atilde;o ilegal de seus aplicativos. Uma significativa corrente de analistas e observadores pol&iacute;ticos atribui a origem dos vazamentos a desentendimentos e insatisfa&ccedil;&atilde;o de grupos da for&ccedil;a tarefa, em disputas internas por prest&iacute;gio e poder pol&iacute;tico.<br /> <br /> H&aacute; quase 3 anos que a defesa do ex-Presidente Lula argui a suspei&ccedil;&atilde;o de S&eacute;rgio Moro. Agora se sabe comprovadamente do conluio entre o &oacute;rg&atilde;o encarregado do oferecimento da den&uacute;ncia e da acusa&ccedil;&atilde;o, de um lado, e do outro o juiz sempre em desfavor do r&eacute;u. S&eacute;rgio Moro questiona a autenticidade das conversas divulgadas. Como Ministro da Justi&ccedil;a, tem dito que a divulga&ccedil;&atilde;o paulatina das mensagens &eacute; um &ldquo;<b><i>crime em andamento</i></b>&rdquo;. Aqui, v&ecirc;-se claramente a senha para uma eventual a&ccedil;&atilde;o do Minist&eacute;rio da Justi&ccedil;a contra o The Intercept. Caso escolha esta op&ccedil;&atilde;o, S&eacute;rgio Moro incorre em improbidade administrativa, al&eacute;m de trazer para si um enorme preju&iacute;zo pol&iacute;tico, j&aacute; que o Ministro da Justi&ccedil;a &eacute; o principal implicado nas divulga&ccedil;&otilde;es do The Intercept e respons&aacute;vel primeiro pela nulidade do processo que julgou contra o ex-presidente Lula.<br /> <br /> Diante de tal panorama, h&aacute; ainda como salvar o estado democr&aacute;tico de direito brasileiro, relegado &agrave; Constitui&ccedil;&atilde;o Federal, que, como muitos de n&oacute;s tem insistido, est&aacute; suspensa? Sim. O primeiro passo &eacute; a anula&ccedil;&atilde;o da senten&ccedil;a que condenou Lula. O c&iacute;nico argumento de que o ele teria sido condenado n&atilde;o somente por S&eacute;rgio Moro, por&eacute;m por mais de 15 magistrados n&atilde;o se sustenta. &Eacute; que a senten&ccedil;a em sua origem &eacute; viciada, porque resulta de um processo cuja den&uacute;ncia n&atilde;o tem prova e os denunciadores agiram em conluio com o julgador. Segundo, porque a senten&ccedil;a foi proferida por um juiz parcial, portanto, suspeito. A legisla&ccedil;&atilde;o processual penal &eacute; clara neste sentido: &ldquo;<b><i>C&oacute;digo de Processo Penal: Art. 564. A nulidade ocorrer&aacute; nos seguintes casos: I - por incompet&ecirc;ncia, suspei&ccedil;&atilde;o ou suborno do juiz</i></b>&rdquo;.<br /> <br /> O segundo passo seria a liberdade do ex Presidente Lula. As conversas divulgadas pelo The Intercept n&atilde;o podem ser usadas contra S&eacute;rgio Moro e sua for&ccedil;a tarefa. Mas podem beneficiar o r&eacute;u, v&iacute;tima da trama entre juiz e procuradores. Trata-se de uma repara&ccedil;&atilde;o necess&aacute;ria e urgente, al&eacute;m de uma forte sinaliza&ccedil;&atilde;o institucional da decisiva vontade de restabelecer o estado democr&aacute;tico de direito.<br /> <br /> O terceiro passo &eacute; mais complexo, demorado e n&atilde;o vir&aacute; sem dores. Quase uma revolu&ccedil;&atilde;o. Consiste na mudan&ccedil;a profunda do Poder Judici&aacute;rio e da burocracia judici&aacute;ria brasileira: Minist&eacute;rio P&uacute;blico, Pol&iacute;cia Federal e &oacute;rg&atilde;os de investiga&ccedil;&atilde;o. Devem ser afastados aqueles que comprometeram a democracia com a cadeia de a&ccedil;&atilde;o resultante das decis&otilde;es da for&ccedil;a tarefa e de S&eacute;rgio Moro. Para que se construa o exemplo, por fim, chegou a hora de o Brasil e todos seus setores pol&iacute;ticos refletirem com frieza sobre a regula&ccedil;&atilde;o econ&ocirc;mica dos meios de comunica&ccedil;&atilde;o. O que hoje se vive resulta tamb&eacute;m da a&ccedil;&atilde;o fundamental da m&iacute;dia mainstream, ator pol&iacute;tico decisivo contra os ex Presidentes Lula e Dilma, contra o PT, contra os partidos de esquerda e centro-esquerda, e impulsionador da for&ccedil;a tarefa e de S&eacute;rgio Moro e de suas arbitrariedades, para que chegassem onde hoje se encontram. Passou da hora de enfrentarmos com maturidade nossos reais desafios institucionais pol&iacute;ticos.<br /> <br /> <div style="margin-left: 40px;"><i>**P.A. CORTE ESPECIAL N&ordm; 0003021-32.2016.4.04.8000/RS. Rel : Des. Federal R&Ocirc;MULO PIZZO- LATTI. Voto do Relator, p. 4/5.</i></div> <br /> Por <i><b>Martonio Mont&rsquo;Alverne Barreto Lima</b></i>, professor Titular da Universidade de Fortaleza e procurador do Munic&iacute;pio de Fortaleza.<br /> Fonte: <a href="https://www.brasildefato.com.br/2019/06/18/the-intercept-constituicao-e-leis/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><i><u>https://www.brasildefato.com.br/</u></i></span></a>