UM TIRO NA LAVA JATO

25 de junho de 2019 às 08:36

Gaudêncio Torquato
Mais uma vez, o Senhor Imponder&aacute;vel dos Anjos faz uma visita ao nosso ro&ccedil;ado pol&iacute;tico-institucional. Desta feita, para dar um susto no aclamado ministro da Justi&ccedil;a do Governo Bolsonaro, S&eacute;rgio Moro, e puxar o tapete onde desfila, imp&aacute;vido, um dos mais estridentes acusadores da Opera&ccedil;&atilde;o Lava Jato, o procurador do Minist&eacute;rio P&uacute;blico, Deltan Dallagnol. As duas midi&aacute;ticas figuras tiveram conversas publicadas no site The Intercept Brasil, criado pelo jornalista investigativo norte-americano Glenn Greenwald, tamb&eacute;m conhecido por ter ajudado o ex-analista de sistemas Edward Snowden a revelar informa&ccedil;&otilde;es secretas da Ag&ecirc;ncia de Seguran&ccedil;a Nacional dos EUA.<br /> <br /> O vazamento puxa para baixo do alto pedestal o ex-juiz Moro, cuja interlocu&ccedil;&atilde;o com Dallagnol aponta para certa combina&ccedil;&atilde;o de comportamentos. Ora, nem o julgador nem o acusador podem ajustar posicionamentos sobre casos em investiga&ccedil;&atilde;o, muito menos anunciar eventuais caminhos a seguir. Foi o que aconteceu no caso da investiga&ccedil;&atilde;o do ex-presidente Lula, quando Dallagnol tinha d&uacute;vidas sobre a solidez de provas contra ele na primeira den&uacute;ncia em 2016. Houve uma esp&eacute;cie de consulta ao juiz, que teria sugerido ao procurador seguir em frente.<br /> <br /> Estrela mais brilhante da constela&ccedil;&atilde;o Lava Jato, Moro ganhou aplausos da sociedade. Tornou-se &iacute;cone da Moral, a ponto de ser elevado ao patamar de presidenci&aacute;vel,&nbsp; posi&ccedil;&atilde;o que deve sustentar seja qual for o desfecho do caso do vazamento. Conseguir&aacute; o ex-juiz se livrar da enroscada em que foi jogado por hackers que teriam invadido a rede Telegram de membros do MP? H&aacute; grande expectativa sobre o resultado das investiga&ccedil;&otilde;es que come&ccedil;am a ser feitas pela PF (sob o comando de Moro). A depender de novas mensagens prometidas pelos &ldquo;invasores&rdquo;, o imbr&oacute;glio tem potencial para ir longe.<br /> <br /> A frente pol&iacute;tica faz barreiras contra o ex-juiz. Parlamentares tentam formar uma CPI para apurar ilicitude em sua conduta, mas os presidentes da C&acirc;mara e do Senado se op&otilde;em. Moro era uma pedra no sapato de pol&iacute;ticos envolvidos em embara&ccedil;os.&nbsp; Portanto, h&aacute; interesse em fechar a torneira da Lava Jato.<br /> <br /> O que pode acontecer? Vejamos: a) comprova&ccedil;&atilde;o de atitudes anti&eacute;ticas e reprimenda ao ministro, sem maiores consequ&ecirc;ncias; b) anula&ccedil;&atilde;o das decis&otilde;es do juiz pelo STF, com os votos da maioria do plen&aacute;rio (mas como ficariam as condena&ccedil;&otilde;es nas inst&acirc;ncias superiores?); c) sa&iacute;da de Moro do minist&eacute;rio. Qual seja o desfecho, a imagem do ministro da Justi&ccedil;a est&aacute; arranhada. A chance de chegar ao STF perde for&ccedil;a. Outro lado da historia: seu ex&eacute;rcito de admiradores far&aacute; contundente defesa nas redes sociais, enfrentando as linhas de opositores lideradas pelo PT, com sua trombeta denunciando sua parcialidade.&nbsp; Fora ou dentro do governo, Moro n&atilde;o perder&aacute; a condi&ccedil;&atilde;o de &ldquo;guerreiro da moral&rdquo;, permanecendo no ranking presidencial de 2022.<br /> <br /> Quanto a Dallagnol, as alternativas s&atilde;o: a) apura&ccedil;&atilde;o da conduta pelo CMP, com afastamento do cargo na Lava Jato; b) ligeira reprimenda, sem maiores consequ&ecirc;ncias. O juiz e o procurador levantam a tese do crime de &ldquo;invas&atilde;o de privacidade&rdquo;, a par do fato de que a interlocu&ccedil;&atilde;o, com frases apartadas do contexto, n&atilde;o aponta para combina&ccedil;&otilde;es. <br /> <br /> O maior ganho ser&aacute; de Lula, cuja posi&ccedil;&atilde;o de v&iacute;tima de persegui&ccedil;&atilde;o por parte de Moro e dos procuradores ser&aacute; esbravejada pelo PT. Lula tende a reocupar o centro do oposicionismo, enquanto a galera das ruas far&aacute; eco &agrave; sua condi&ccedil;&atilde;o de injusti&ccedil;ado. Se continuar preso, ter&aacute; refor&ccedil;ada a press&atilde;o por&nbsp; liberdade. Se n&atilde;o for condenado em 2&ordf; inst&acirc;ncia no caso do s&iacute;tio de Atibaia at&eacute; setembro, adquire o direito de pris&atilde;o em regime semiaberto ou domiciliar. O PT, glorioso, antecipa o discurso eleitoral de 2022. <br /> <br /> Quanto ao presidente Bolsonaro, a infer&ecirc;ncia &eacute; a de que o tiroteio sobre o ministro da Justi&ccedil;a, um dos dois maiores pilares da administra&ccedil;&atilde;o - o outro &eacute; o ministro Paulo Guedes -, abre fissura no costado governamental, mas n&atilde;o compromete sua imagem. E o futuro? H&aacute; duas vis&otilde;es: a) com a imagem arranhada, Moro perderia a nomea&ccedil;&atilde;o ao Supremo em novembro de 2020, quando Celso de Melo se aposentar; b) Bolsonaro bancar&aacute; a promessa, tirando-o do p&aacute;reo presidencial. O fato &eacute; que o ministro continuar&aacute; a ter o apoio social, podendo at&eacute; arriscar-se a um voo solo na dire&ccedil;&atilde;o do Pal&aacute;cio do Planalto.&nbsp; Dif&iacute;cil adivinhar para onde a biruta apontar&aacute;.<br /> <br /> Resumo: seja qual for a trajet&oacute;ria de Moro e Dallagnol, a Lava Jato levou um tiro. <br /> &nbsp;<br /> <img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <b><i>Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato