Você sabe o que é a Lei do Cadastro Positivo?

15 de julho de 2019 às 11:29

Marcelo Chiavassa de Mello Pau
Nesta semana entrou em vigor as modifica&ccedil;&otilde;es legislativas em rela&ccedil;&atilde;o &agrave; Lei do Cadastro Positivo, ou seja, a cria&ccedil;&atilde;o de um &quot;score&quot; (sistema de ranking) de cada cidad&atilde;o. Quanto melhor for a nota da pessoa, maior a possibilidade de acesso &agrave; cr&eacute;dito junto &agrave;s institui&ccedil;&otilde;es financeiras (abertura de conta corrente, cart&atilde;o de cr&eacute;dito, linhas de financiamento, juros mais baixos etc.).<br /> <br /> At&eacute; ent&atilde;o, a ades&atilde;o era volunt&aacute;ria (opt-in), de modo que o ranking s&oacute; poderia ser criado se a pessoa expressamente fizesse o pedido de inclus&atilde;o. Estima-se que cerca de 6 milh&otilde;es de pessoas aderiram ao Cadastro Positivo no Brasil, em vigor desde 2011.<br /> <br /> A partir de agora, a ades&atilde;o ao sistema de &quot;score&quot; ser&aacute; autom&aacute;tica (a pessoa deve ser avisada quando for inclu&iacute;da no sistema de &quot;score&quot;), podendo ela pedir sua exclus&atilde;o do programa, se assim desejar (opt-out). O pedido de exclus&atilde;o dever&aacute; ser solicitado perante &agrave;s entidades de cr&eacute;dito, como SERASA, SPC, dentre outras.<br /> <br /> Mas como &eacute; feito o sistema de &quot;score&quot;? Simples, atrav&eacute;s do hist&oacute;rico de bom/mau pagador. As entidades de cr&eacute;dito pegam o hist&oacute;rico de pagamento de contas de &aacute;gua, luz, telefone, cart&atilde;o de cr&eacute;dito, dentre outras, e criam um sistema de ranking que ir&aacute; dar uma nota para cada indiv&iacute;duo do pa&iacute;s. Pessoas com hist&oacute;rico de inadimplemento ter&atilde;o mais dificuldades de obten&ccedil;&atilde;o de cr&eacute;dito (em tese, as que mais precisam), enquanto as que s&atilde;o adimplentes ter&atilde;o facilidade na obten&ccedil;&atilde;o do cr&eacute;dito (em tese, as que menos precisam). Pergunta honesta: o que vai acontecer com as pessoas que tiverem dificuldade - notadamente em in&iacute;cio de carreira - em pagar suas contas? Ou ent&atilde;o, como a maior parte da popula&ccedil;&atilde;o brasileira, com aqueles que vivem com menos de 2 sal&aacute;rios m&iacute;nimos que, infelizmente, vendem o almo&ccedil;o para comprar o jantar? E os milh&otilde;es de desempregados (13 milh&otilde;es de pessoas, aproximadamente)?<br /> <br /> No meio dessas d&uacute;vidas, o &quot;mercado&quot; sorri de alegria, pontuando que a tend&ecirc;ncia &eacute; a diminui&ccedil;&atilde;o dos juros e do &quot;spread&quot; banc&aacute;rio, na medida em que ser&aacute; poss&iacute;vel individualizar o risco de inadimplemento. Sustentam, dessa forma, que a diminui&ccedil;&atilde;o da taxa de juros e do spread banc&aacute;rio beneficiar&aacute; a todos.<br /> <br /> Al&eacute;m dos dados envolvendo o (in) adimplemento da pessoa, o ranking tamb&eacute;m poder&aacute; levar em considera&ccedil;&atilde;o dados de (in) adimplemento de familiares at&eacute; primeiro grau da pessoa. O racioc&iacute;nio parece simples para o &quot;mercado&quot;: se os pais/filhos/c&ocirc;njuge s&atilde;o maus pagadores, ent&atilde;o essa pessoa tamb&eacute;m tem mais chance de ser mau pagador - determinismo.<br /> <br /> A possibilidade de tratamento dos dados pessoais para fins de an&aacute;lise de cr&eacute;dito &eacute; l&iacute;cita pela Lei Geral de Prote&ccedil;&atilde;o de Dados Pessoais, independentemente do consentimento do titular (Lei 13.709/2018, sancionada em agosto de 2018 e que ainda n&atilde;o est&aacute; em vigor), em verdadeira inova&ccedil;&atilde;o brasileira a respeito a este tema.<br /> <br /> A quest&atilde;o - maior - passa a ser o funcionamento do compartilhamento da base de dados entre as institui&ccedil;&otilde;es de an&aacute;lise credit&iacute;cia. Se houver vazamento desses dados, quem responde? Se o titular pedir a exclus&atilde;o e ela for descumprida, sendo procedida de compartilhamento com outra institui&ccedil;&atilde;o de an&aacute;lise de cr&eacute;dito, ambas possuem responsabilidade?<br /> <br /> Como vai funcionar o pedido de revis&atilde;o das notas do score, principalmente levando em considera&ccedil;&atilde;o que elas s&atilde;o automatizadas, baseadas em algoritmos guardados a sete chaves (com grande risco de discrimina&ccedil;&atilde;o, como j&aacute; visto em casos recentes nos EUA)? Quem vai fiscalizar? Autoridade Nacional de Prote&ccedil;&atilde;o de Dados (ANPD), como determina a Lei Geral de Prote&ccedil;&atilde;o de Dados Pessoais, ou os &oacute;rg&atilde;os de prote&ccedil;&atilde;o e defesa do consumidor, como previsto no novo texto da Lei do Cadastro Positivo? Ou seriam ambas, correndo o risco de decis&otilde;es conflitantes e/ou at&eacute; mesmo em duplicidade de san&ccedil;&atilde;o? O que vai acontecer com a lei se os juros e o spread banc&aacute;rio n&atilde;o forem reduzidos? Neste caso, ser&aacute; uma boa oportunidade de entender o escopo da lei. Se n&atilde;o houver nenhuma mudan&ccedil;a no &quot;mercado&quot;, ou a lei dever&aacute; ser modificada ou ent&atilde;o descobriremos que a finalidade foi t&atilde;o somente entregar a algumas empresas a gest&atilde;o dos dados pessoais de algumas dezenas de milh&otilde;es de pessoas no Brasil todo.<br /> <br /> Lembrando que os dados pessoais s&atilde;o a base do sistema financeiro do s&eacute;culo XXI. Pense nas maiores empresas do mundo (Amazon, Google, Facebook) e comece a refletir sobre tudo o que elas sabem sobre voc&ecirc;... agora multiplique o que voc&ecirc; acha que elas sabem por 100 e voc&ecirc; talvez se aproxime da realidade.<br /> <br /> Ali&aacute;s, segue a dica: quem quiser ter uma ideia do seu &quot;score&quot;, basta acessar o site da Serasa Score e fazer a consulta atrav&eacute;s do seu CPF. Aproveite que o cadastro poder&aacute; ser feito pela sua conta do Facebook, atrav&eacute;s do qual voc&ecirc; ceder&aacute; ainda mais dados pessoais para as ag&ecirc;ncias de cr&eacute;dito (sorria, seus passos est&atilde;o sendo monitorados).<br /> <br /> <b><i>Marcelo Chiavassa de Mello Paula Lima</i></b> &eacute; Prof. Direito Civil e Direito Digital e Direito da Inova&ccedil;&atilde;o da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Est&aacute; dispon&iacute;vel para entrevistas. <br />