NOSSA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

07 de agosto de 2019 às 10:27

Gaudêncio Torquato
O clima de polariza&ccedil;&atilde;o que se instalou no pa&iacute;s, cuja origem est&aacute; na constru&ccedil;&atilde;o da equa&ccedil;&atilde;o &ldquo;n&oacute;s e eles&rdquo;, de autoria do PT, gera uma bateria de efeitos, nem todos negativos. Se &eacute; verdade que a dose de b&iacute;lis tem escorrido com maior intensidade pelas veias sociais, &eacute; plaus&iacute;vel a hip&oacute;tese de que a conscientiza&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica se expande entre os grupamentos organizados. Fen&ocirc;meno positivo.<br /> <br /> S&atilde;o palp&aacute;veis os sinais de que a pol&iacute;tica passou a fazer parte do menu cotidiano dos brasileiros. A par das duas grandes correntes que se manifestam intensamente, enaltecendo ou criticando as posi&ccedil;&otilde;es do governo Bolsonaro, subgrupos se multiplicam aqui e ali, falando de pol&iacute;tica, discorrendo sobre tem&aacute;ticas variadas em encontros e reuni&otilde;es ou nas redes sociais. O fato &eacute; que o discurso pol&iacute;tico se faz presente na interlocu&ccedil;&atilde;o social, a denotar o interesse dos cidad&atilde;os na constru&ccedil;&atilde;o do pensamento nacional.<br /> <br /> Essa massa expressiva tem escoado para espa&ccedil;os formados pelos movimentos sociais, alguns fortes, outros em est&aacute;gio de crescimento, e todos eles ligados a setores sociais ou a categorias profissionais. S&atilde;o movimentos em defesa de g&ecirc;nero, minorias &eacute;tnicas e raciais, contra ou a favor de determinadas tem&aacute;ticas (aborto, porte e posse de armas, escola sem partido), ou n&uacute;cleos que desfraldam a bandeira de categorias organizadas, como servidores p&uacute;blicos, (for&ccedil;as armadas, policiais militares), professores, ruralistas etc.<br /> <br /> O fato &eacute; que a movimenta&ccedil;&atilde;o dessas categorias passa a influir intensamente na elabora&ccedil;&atilde;o e no ajuste de pol&iacute;ticas p&uacute;blicas, como temos visto nesse ciclo de debates sobre a reforma da Previd&ecirc;ncia. Cada setor quer incluir suas demandas no projeto que vai ao segundo turno na C&acirc;mara, sem esquecer que Estados e munic&iacute;pios tamb&eacute;m criam sua frente de demandas.<br /> <br /> Nunca se viu no pa&iacute;s uma movimenta&ccedil;&atilde;o t&atilde;o forte como a que se assiste no momento. A Constitui&ccedil;&atilde;o de 1988, claro, envolveu intensamente certos grupos, mas a press&atilde;o maior esteve todo tempo na esfera da representa&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica, com destaque para o centr&atilde;o, que acabou imprimindo sua marca na Carta. Hoje, a organicidade social ganha f&ocirc;lego, descendo aos andares mais baixos da pir&acirc;mide social e, de certa forma, constituindo novos polos de poder.<br /> <br /> Essa &eacute; a boa novidade. O processo democr&aacute;tico passa a ganhar a voz das ruas, sendo balizado de forma centr&iacute;peta, ou seja, das margens para o centro. Significa que estamos andando, mesmo devagar, na rota de uma democracia participativa. A mir&iacute;ade de entidades criadas nos &uacute;ltimos anos come&ccedil;a a dar o tom na orquestra&ccedil;&atilde;o das demandas sociais.<br /> <br /> Sob esse prisma, &eacute; lament&aacute;vel ver a desconstru&ccedil;&atilde;o de conselhos e associa&ccedil;&otilde;es que canalizavam a express&atilde;o de grupamentos, fazendo o devido encaminhamento aos &oacute;rg&atilde;os do governo. Medida recente baixada pelo presidente Jair Bolsonaro acaba com um conjunto de entidades representativas da sociedade junto ao governo. Essa modelagem contribu&iacute;a para consolidar nossa democracia participativa.<br /> <br /> A prop&oacute;sito, conv&eacute;m lembrar que na Carta Magna temos tr&ecirc;s instrumentos voltados para firmar a democracia participativa, tamb&eacute;m designada de democracia direta: o plebiscito, o referendo e o projeto de lei de iniciativa popular, este que carece de assinatura de 1,5 milh&atilde;o de eleitores. A larga estrutura dos conselhos formados para colaborar com o governo &eacute;, agora, esfacelada. O presidente prefere governar sem o apito social, o que mostra forte vi&eacute;s autorit&aacute;rio.<br /> <br /> De qualquer maneira, a movimenta&ccedil;&atilde;o social, imune &agrave; decis&atilde;o do presidente ou de outras autoridades, dever&aacute; continuar. Lembremos a gigantesca movimenta&ccedil;&atilde;o de junho de 2013. Por enquanto, os movimentos acompanham, atentos, os programas. Ainda est&atilde;o vivendo o per&iacute;odo de lua de mel. Mas poder&atilde;o, a qualquer momento, encher as ruas. A divis&atilde;o social em duas grandes bandas &ndash; n&oacute;s e eles &ndash; (agora de maneira invertida), sugere que o pa&iacute;s tende a ser um grande palanque, de onde emergir&atilde;o pleitos em muitas frentes. Depois da Previd&ecirc;ncia, teremos a reforma tribut&aacute;ria. E na mira, estar&aacute; a reorganiza&ccedil;&atilde;o do Estado.<br /> <br /> Os programas de hoje e de amanh&atilde; passar&atilde;o pelo crivo social. &Eacute; bom saber que uma decis&atilde;o unilateral, de cima para baixo, n&atilde;o vingar&aacute; sem o cidad&atilde;o aprov&aacute;-la. A democracia participativa avan&ccedil;a, mesmo sob obje&ccedil;&atilde;o de governantes.<br /> &nbsp;<br /> <b><i><img src="/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Gaud&ecirc;ncio Torquato</i></b>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato