Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema

09 de setembro de 2019 às 15:11

Alberto Maggi/Francisco Corn&a
<div style="text-align: center;"><img src="/uploads/image/img_jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-sistema.jpg" alt="" width="450" height="265" align="middle" /></div> <div style="text-align: center;"><b><i><span style="font-size: x-small;">Cruz (detalhe), Igreja do Esp&iacute;rito Santo e de S. Alessandro M&aacute;rtir, Arquidiocese<br /> de Portoviejo, Equador / Arcabas </span></i></b><i><span style="font-size: x-small;">(Jean-Marie Pirot)<br /> </span></i></div> <table width="500" cellspacing="0" cellpadding="0" border="0" align="center"> <tbody> <tr> <td style="text-align: center;"><span style="background-color: rgb(255, 255, 153);"><b><i><span style="font-size: medium;">Os Evangelhos s&atilde;o clar&iacute;ssimos: Jesus morreu<br /> porque confrontou o Templo, um sistema de domina&ccedil;&atilde;o<br /> e explora&ccedil;&atilde;o dos pobres </span></i></b></span></td> </tr> </tbody> </table> <br /> Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa &eacute; a resposta que normalmente se d&aacute; para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o pat&iacute;bulo da cruz, a morte dos amaldi&ccedil;oados por Deus (Gl 3,13).<br /> <br /> Jesus morreu pelos nossos pecados. N&atilde;o s&oacute; pelos nossos, mas tamb&eacute;m por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, n&atilde;o o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, &eacute; inevit&aacute;vel que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e co&aacute;gulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabe&ccedil;a de Jesus, qualquer um se sinta culpado &hellip; o Filho de Deus acabou no pat&iacute;bulo pelos nossos pecados! Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um t&oacute;xico nas profundezas da psiqu&ecirc; humana, tornando-se irrevers&iacute;veis, a ponto de condicionar permanentemente a exist&ecirc;ncia do indiv&iacute;duo, como bem sabem psic&oacute;logos e psiquiatras, que n&atilde;o param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e dist&uacute;rbios.<br /> <br /> No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as coisas s&atilde;o diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o dom&iacute;nio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada &agrave;s custas da f&eacute; das pessoas.<br /> <br /> A morte de Jesus n&atilde;o se deve apenas a um problema teol&oacute;gico, mas econ&ocirc;mico. O Cristo n&atilde;o era um perigo para a teologia (no juda&iacute;smo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos l&iacute;deres religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre d&aacute;.<br /> <br /> A pr&oacute;spera economia do templo de Jerusal&eacute;m, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente M&eacute;dio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perd&atilde;o de Deus. Era todo um com&eacute;rcio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, gr&atilde;os, tudo para a &ldquo;<i><b>honra de Deus</b></i>&rdquo; e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: &ldquo;<i><b>c&atilde;es vorazes: desconhecem a saciedade; s&atilde;o pastores sem entendimento; todos seguem seu pr&oacute;prio caminho, cada um procura vantagem pr&oacute;pria</b></i>&rdquo;&nbsp; (Is 56, 11).<br /> <br /> Quando os escribas, a mais alta autoridade teol&oacute;gica no pa&iacute;s, considerando o ensinamento infal&iacute;vel da Lei, v&ecirc;em Jesus perdoar os pecados a um paral&iacute;tico, imediatamente sentenciam: &ldquo;<b><i>Este homem est&aacute; blasfemando!</i></b>&rdquo; (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indigna&ccedil;&atilde;o dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perd&atilde;o dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarif&aacute;rio das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em repara&ccedil;&atilde;o pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contr&aacute;rio, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.<br /> <br /> &ldquo;<i><b>Perdoai e sereis perdoados</b></i>&rdquo; (Lc 6,37) &eacute;, de fato, o chocante an&uacute;ncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, amea&ccedil;aram desestabilizar toda a economia de Jerusal&eacute;m. Para obter o perd&atilde;o de Deus, n&atilde;o havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purifica&ccedil;&atilde;o, nada disso. N&atilde;o, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado&hellip;<br /> <br /> O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o ch&atilde;o afundar sob seus p&eacute;s, at&eacute; que, em uma reuni&atilde;o dram&aacute;tica do Sin&eacute;drio, o mais alto &oacute;rg&atilde;o jur&iacute;dico do pa&iacute;s, o sumo sacerdote Caif&aacute;s tomou a decis&atilde;o. &ldquo;<i><b>Jesus deve ser morto</b></i>&rdquo;, e n&atilde;o apenas ele, mas tamb&eacute;m todos os disc&iacute;pulos porque n&atilde;o era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propag&aacute;-la, as autoridades n&atilde;o dormiriram tranquilas (&ldquo;<i><b>Se deixarmos ele continuar, todos acreditar&atilde;o nele &hellip;</b></i> &ldquo;, Jo 11,48). Para convencer o Sin&eacute;drio da urg&ecirc;ncia de eliminar Jesus, Caif&aacute;s n&atilde;o se referiu a temas teol&oacute;gicos, espirituais; n&atilde;o, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, ent&atilde;o brutalmente p&ocirc;s em jogo o que mais estava em seu cora&ccedil;&atilde;o, o interesse: &ldquo;<i><b>N&atilde;o compreendeis que &eacute; de vosso interesse que um s&oacute; homem morra pelo povo e n&atilde;o pere&ccedil;a a na&ccedil;&atilde;o toda?</b></i>&rdquo; (Jo 11,50).<br /> <br /> Jesus n&atilde;o morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela gan&acirc;ncia da institui&ccedil;&atilde;o religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, at&eacute; mesmo o Filho de Deus: &ldquo;<i><b>Este &eacute; o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua heran&ccedil;a</b></i>&rdquo; (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus n&atilde;o &eacute; o pecado, que o Senhor em sua miseric&oacute;rdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveni&ecirc;ncia e a cobi&ccedil;a que tornam os homens completamente refrat&aacute;rios &agrave; a&ccedil;&atilde;o divina.<br /> <br /> *<i><b>Alberto Maggi</b></i>, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pont&iacute;ficias Faculdades Teol&oacute;gicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola B&iacute;blica e Arqueol&oacute;gica Francesa de Jerusal&eacute;m. &Eacute; autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de Jo&atilde;o, Nossa Senhora dos her&eacute;ticos<br /> <br /> *<i><b>Francisco Corn&eacute;lio</b></i>, sacerdote e biblista brasileiro, &eacute; professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossor&oacute; (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, est&aacute; em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontif&iacute;cia Universidade Santo Tom&aacute;s de Aquino), onde fez seu mestrado<br /> <br /> Fonte: <a href="https://www.brasildefato.com.br/2018/03/31/artigo-or-jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-o-sistema/" target="_blank"><span style="color: rgb(0, 0, 255);"><u><i>https://www.brasildefato.com.br/</i></u></span></a>