A Receita Federal e a crise fiscal
16 de setembro de 2019 às 09:11
Geraldo Seixas
A maior crise fiscal da recente história econômica brasileira tem revelado, do ponto de vista das ações necessárias ao seu enfrentamento, diversas características que causam certo espanto. O ponto central na questão se refere à premissa adotada na política econômica para enfrentamento da crise. <br />
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O governo faz, num primeiro momento, uma clara opção pela redução de despesas de toda ordem, no entanto, sem um critério do que seja prioritário. Por outro lado, relega a um segundo plano a questão da receita necessária à manutenção das ações governamentais. A situação imposta à Receita Federal nesse processo é emblemática. A lógica do corte orçamentário gerou uma ampla reestruturação no órgão e resultou na redução de 10 para 5 Superintendências e no fechamento programado de 74 unidades de atendimento em todo o país. Além desse processo, o Ministério da Economia determinou o corte de R$ 366 milhões em seu orçamento, o que também afeta as ações da Receita Federal esse ano. <br />
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O próximo ano também aponta para grandes dificuldades. O Projeto de Lei Orçamentária prevê R$ 1,8 bilhão para o orçamento da Receita Federal, o menor valor desde 2007. Essa redução vai afetar atividades essenciais como atendimento ao contribuinte, a arrecadação e a cobrança de impostos, pode comprometer o controle do comércio exterior com impactos negativos para a balança comercial, e, principalmente, impedir o avanço no combate à sonegação fiscal e a crimes como o contrabando, o descaminho, o tráfico internacional de drogas, o que pode levar ao aumento da violência urbana e agravar a crise da segurança pública que atinge o país.<br />
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Um processo de reestruturação dessa natureza, especialmente em um órgão da magnitude da Receita Federal, não pode ter como indutor somente questões orçamentárias. Ainda que se compreenda a necessidade de uma reestruturação, ter como objetivo tão somente a redução de despesas é um grave equívoco. O governo não pode desconsiderar os riscos inerentes que esse processo gera ao não definir prévia e claramente o modelo de organização da Receita Federal, o que poderá inclusive inviabilizá-la e impedi-la de cumprir sua missão institucional que é prover o Estado dos recursos necessários à execução de políticas públicas. <br />
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Destaca-se que a própria Constituição federal expressou essa preocupação quando em diversos artigos assegura a prioridade de recursos para que a administração tributária cumpra a sua missão, entre eles o inciso XXII, artigo 37: “as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades (...)”. <br />
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Nesse sentido, é evidente a contradição que observamos. Em um momento de crise econômica é fundamental que o órgão responsável pela arrecadação seja ainda mais fortalecido a fim de que, de forma mais eficiente, cumpra seu papel. Não é o que temos observado, o orçamento do órgão vem sendo reduzido ao longo dos anos e isso com certeza afeta a eficiência da instituição. <br />
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Obviamente, consideramos ser fundamental que se estabeleça um processo de modernização e de ganhos de eficiência em órgão de Estado como a Receita Federal. Defendemos, inclusive, mudanças na cultura da instituição de um perfil com foco em uma cultura fiscalista para um modelo baseado em conformidade. O objetivo fundamental desse processo de conformidade, sem dúvida, está em harmonia com uma outra premissa que é a necessária simplificação do sistema tributário, seja na sua matriz tributária, seja nos procedimentos vinculados ao cumprimento de obrigações acessórias. <br />
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Portanto, um processo de reestruturação da Receita Federal deve ter como premissas e objetivos a busca por um melhor atendimento ao bom contribuinte; reduzir o contencioso tributário; acelerar o despacho aduaneiro para tornar nosso comércio internacional mais competitivo sem comprometer a economia nacional e a segurança de nossas fronteiras. Nesse processo, não podemos deixar de considerar que as ferramentas e inovações tecnológicas são fundamentais. <br />
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Também não se pode descuidar do elemento humano no âmbito desse processo de reestruturação por que passa a Receita Federal. Que devemos aumentar a eficiência dos processos de trabalho do órgão, ninguém tem dúvida. Como dissemos, a tecnologia está a gerar novas perspectivas e novos procedimentos operacionais em nosso ambiente, o que, inclusive, exige formação profissional ainda mais qualificada e especializada, o que demanda tempo e investimento. Soma-se a esse cenário, a necessária reposição de mão de obra qualificada na Receita Federal. <br />
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De fato, o que se percebe é que, mesmo diante da sua relevância para o Estado, a Receita Federal é o único órgão dentre os mais importantes da Esplanada a passar por essas restrições. Mais recentemente, na última reforma ministerial, perdemos a nossa escola de formação profissional. A Escola Superior de Administração Fazendária (ESAF) foi retirada do Ministério da Economia e agregada à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), que historicamente tem cuidado da formação dos servidores públicos com cursos de capacitação com perfil de transversalidade, ou seja, formação genérica. A necessidade de formação específica para atividade essencial ao funcionamento do Estado – a administração tributária – com certeza restará prejudicada.<br />
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Por fim, é de conhecimento público que o governo prepara sua reforma tributária e esta seria uma ação que se somaria às medidas que estão alinhadas com uma visão que trata a questão da crise econômica pelo lado da receita. No entanto, compreendemos que essa ação não poderá ter como foco a redução de receitas, muito pelo contrário, deve, certamente, buscar o aumento da base de arrecadação sem o crescimento da carga tributária.<br />
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O que buscamos é alertar para o papel da Receita Federal e de seus servidores nesse momento de crise fiscal. É fundamental que se compreenda que ao promover um processo de reestruturação baseado na redução de custos o governo corre o risco de comprometer a atuação da Receita Federal, que sem as condições materiais e sem recursos humanos, não terá como contribuir para assegurar os recursos necessários à manutenção e implementação de políticas públicas e para o enfrentamento da crise fiscal. <br />
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<i><b>Geraldo Seixas</b></i> - Presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita)