Cultura do ódio

27 de setembro de 2019 às 08:46

Ricardo Viveiros
Cultura do &oacute;dio<br /> <br /> A pedagoga e escritora colombiana Yolanda Reyes, em sua coluna no jornal El Tiempo, tratou com brilho, lucidez e preocupa&ccedil;&atilde;o um tema que tamb&eacute;m nos diz respeito. Segundo ela, h&aacute; pa&iacute;ses que est&atilde;o necessitando de tratamento psicol&oacute;gico, sua sa&uacute;de mental est&aacute; em estado de emerg&ecirc;ncia, requerendo terapia intensiva.<br /> <br /> De fato, n&atilde;o pode ser considerado &quot;normal&quot; o clima de irritabilidade, revolta e &oacute;dio explicitado por muitas pessoas nos lares, escolas, empresas, est&aacute;dios, meios de transportes, shoppings, ruas de nosso Pa&iacute;s. As pessoas, desde a campanha eleitoral do ano passado, em minutos v&atilde;o da ofensa pessoal &agrave; agress&atilde;o, sem qualquer limite de bom senso. Do nada, por nada, para nada. Simples descontrole e viol&ecirc;ncia.<br /> <br /> O Brasil sempre visto internacionalmente como um pa&iacute;s pacifico, no qual convivem e buscam a felicidade imigrantes de v&aacute;rios cantos do mundo, tornou-se um campo minado. Um lugar perigoso para quem ousa exercer o direito &agrave; liberdade de opini&atilde;o. H&aacute; registros de feridos e mortos por mostrarem que pensam diferente, que n&atilde;o concordam com radicalismos de qualquer tend&ecirc;ncia pol&iacute;tica. E n&atilde;o fica s&oacute; nesse aspecto, a barb&aacute;rie j&aacute; alcan&ccedil;a as diferen&ccedil;as religiosas, de g&ecirc;nero, de cor e por a&iacute; vai a inconsci&ecirc;ncia quanto ao direito do pr&oacute;ximo.<br /> <br /> Estamos, de modo geral, divididos em dois grupos principais: os contra e os a favor. E se perguntarmos de quem ou do que, alguns militantes dos dois lados nem mesmo saber&atilde;o responder o porqu&ecirc;. A tecnologia, criada para aproximar pessoas pelos telefones celulares, est&aacute; sendo utilizada para acirrar os &acirc;nimos, promover disc&oacute;rdia e gerar conflitos. Jogar uns contra outros. Todos os dias recebemos v&iacute;deos de pessoas sendo ofendidas, agredidas, acuadas em locais p&uacute;blicos por suas posi&ccedil;&otilde;es ideol&oacute;gicas.<br /> <br /> Que s&iacute;ndrome &eacute; essa que faz humanos, at&eacute; ent&atilde;o equilibrados, perderem a calma e atacarem os seus semelhantes? S&atilde;o centenas de falsas not&iacute;cias, imagens montadas, cenas antigas repaginadas, vers&otilde;es de fatos causando rea&ccedil;&otilde;es imprevis&iacute;veis. Erros do passado s&atilde;o lembrados no presente para destruir o futuro. Viol&ecirc;ncia gera viol&ecirc;ncia que gera viol&ecirc;ncia que gera viol&ecirc;ncia... E n&atilde;o acaba mais. Ou acaba sim, em trag&eacute;dia como registra a hist&oacute;ria.<br /> <br /> Estamos nos tornando incapazes de ter esperan&ccedil;a, de acreditar em transforma&ccedil;&otilde;es positivas. O que poderia ser motivador de mudan&ccedil;as para melhor, tem gerado disc&oacute;rdia, inseguran&ccedil;a e sombras. A fil&oacute;sofa norte-americana Martha C. Nussbaum, em seu livro &quot;A monarquia do medo&quot;, um ensaio inspirado na pol&iacute;tica dos EUA, deixa claro que a raiva traz impot&ecirc;ncia e medo, portanto &eacute; um veneno r&aacute;pido para matar a democracia. Porque a&ccedil;&otilde;es irracionais tiram o foco dos verdadeiros problemas, que assim n&atilde;o t&ecirc;m solu&ccedil;&atilde;o. Entusiasmam o surgimento de &quot;salvadores da P&aacute;tria&quot;, que levam a golpes pol&iacute;ticos.<br /> <br /> Quando o prefeito de uma cidade com graves problemas de seguran&ccedil;a, sa&uacute;de, educa&ccedil;&atilde;o, emprego, moradia e mobilidade se ocupa com censurar e apreender livros por raz&otilde;es subjetivas, ignorando leis, limitando o conhecimento, duvidando da educa&ccedil;&atilde;o dada pelas fam&iacute;lias e impedindo o livre debate de ideias, acende-se uma luz amarela de alerta. Da discuss&atilde;o civilizada e da diverg&ecirc;ncia de pensamento surgem as sa&iacute;das, porque tais pr&aacute;ticas permitem a chance de pensar e exercer responsabilidade cidad&atilde;.<br /> <br /> &Eacute; hora de unir, n&atilde;o dividir. Acabar com essa onda de insana delinqu&ecirc;ncia emocional e f&iacute;sica. Precisamos acreditar em n&oacute;s mesmos, manter vigil&acirc;ncia e cobrar resultados dos tr&ecirc;s poderes. O momento exige coragem n&atilde;o para agredir, e sim para permitir a certeza de que nem tudo est&aacute; perdido.<br /> <br /> <i><b>Ricardo Viveiros</b></i>, 69, &eacute; jornalista e escritor. <br />