O MAIOR DESASTRE AMBIENTAL

18 de outubro de 2019 às 08:32

Gaudêncio Torquato
O maior acidente ambiental no litoral brasileiro em termos de extens&atilde;o parece passar ao largo de nossas consci&ecirc;ncias. Fotos aqui e ali de manchas de &oacute;leo que j&aacute; chegaram em 140 praias do Nordeste s&atilde;o apenas uma pequena amostra do desastre que atinge o litoral nordestino e cujo impacto ser&aacute; sentido por d&eacute;cadas, com danos incalcul&aacute;veis &agrave; natureza e &agrave; economia regional.<br /> <br /> Seja qual for a origem do acidente &ndash; esvaziamento de tanques de navios com petr&oacute;leo da Venezuela ou mesmo um atentado &ndash;, o fato &eacute; que o pa&iacute;s exibe monumental fragilidade na fiscaliza&ccedil;&atilde;o de seu mar territorial.<br /> <br /> O Brasil controla, oficialmente, um territ&oacute;rio mar&iacute;timo de 3,6 milh&otilde;es de km2&ndash; &aacute;rea maior do que as Regi&otilde;es Nordeste, Sudeste e Sul juntas. Nesse espa&ccedil;o de mar, denominado Zona Econ&ocirc;mica Exclusiva (ZEE), o pa&iacute;s monitora e orienta o tr&aacute;fego de embarca&ccedil;&otilde;es e tem direito exclusivo de pesquisa e explora&ccedil;&atilde;o comercial dos recursos existentes na &aacute;gua e no subsolo (petr&oacute;leo, g&aacute;s natural, frutos do mar etc.), at&eacute; uma dist&acirc;ncia de 370 km (200 milhas n&aacute;uticas), a partir n&atilde;o s&oacute; do continente, mas de suas ilhas.<br /> <br /> Ali&aacute;s, o pa&iacute;s pode explorar uma faixa de quase 400 km de largura ao longo dos seus 7.500 km de litoral, tendo exclusividade sobre &aacute;reas localizadas a at&eacute; 1.500 km do continente gra&ccedil;as a pequenas por&ccedil;&otilde;es de terra, como o arquip&eacute;lago de Trindade e Martim Vaz, que nos pertencem.<br /> <br /> Afinal, o que teria ocorrido? Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, especialista em mat&eacute;ria de petr&oacute;leo, aventa a possibilidade de vazamento de um navio petroleiro de passagem na rota entre o sul do Caribe e a &Aacute;sia &ndash; que corre ao longo da costa nordestina. Possivelmente um cargueiro limpando os tanques para carregar &oacute;leo novo na Venezuela. Pescadores explicam que o &oacute;leo vazado &eacute; velho, borra parecendo pl&aacute;stico, enquanto o petr&oacute;leo quando novo &eacute; oleoso.<br /> <br /> Ora, j&aacute; se sabe que o vazamento ocorreu entre os litorais de Pernambuco e Para&iacute;ba a uma dist&acirc;ncia entre 40 e 50 km da costa. Se n&atilde;o &eacute; poss&iacute;vel detectar o que ocorre nesse limite, imagine-se o que poder&aacute; acontecer em espa&ccedil;os mais long&iacute;nquos, caso o Brasil consiga o feito de aumentar em 2,1 milh&otilde;es de quil&ocirc;metros quadrados &ndash; equivalente &agrave; &aacute;rea da Groenl&acirc;ndia &ndash; o tamanho do territ&oacute;rio nacional no Oceano Atl&acirc;ntico, solicita&ccedil;&atilde;o feita &agrave; Comiss&atilde;o de Limites da Plataforma Continental da Conven&ccedil;&atilde;o das Na&ccedil;&otilde;es Unidas sobre o Direito do Mar. Desde 2004, o Brasil luta pela amplia&ccedil;&atilde;o de nossa ZEE para 4,5 milh&otilde;es de km2.<br /> <br /> Enquanto o governo mobiliza estruturas e equipes para estudar o que teria ocorrido, o que se v&ecirc; s&atilde;o arremedos de limpeza: pessoas nas praias puxando &oacute;leo viscoso, tartarugas, peixes bois e aves mortas. Onde est&atilde;o os m&eacute;todos avan&ccedil;ados de limpeza de &oacute;leo? Ora, n&atilde;o &eacute; a primeira vez que esse tipo de acidente ocorre no pa&iacute;s. Antes foram contratadas equipes especializadas de outros pa&iacute;ses, como Holanda. Desta feita, fala-se em ajuda dos americanos. Vir&atilde;o quando? O que poder&atilde;o fazer no curto prazo? <br /> <br /> E se houve a&ccedil;&atilde;o terrorista? &Eacute; poss&iacute;vel chegar-se a uma conclus&atilde;o convincente? E se o &oacute;leo vazado for mesmo proveniente da Venezuela, que medidas o Brasil tomar&aacute; para implicar o vizinho de cima (se for o caso), o dono do petroleiro ou o contratante? O momento exige cautela. Que se fa&ccedil;a completa e acurada investiga&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> J&aacute; ao sofrido Nordeste, um dos mais belos recantos do pa&iacute;s, sobra a desesperan&ccedil;a de ver se transformar em quimera seu sonho de se ser op&ccedil;&atilde;o para turistas que lotam o Caribe (amea&ccedil;ado por furac&otilde;es). Passar&atilde;o anos at&eacute; que suas &aacute;guas mar&iacute;timas e praias se livrem de toneladas de &oacute;leo. &nbsp;<br /> <br /> At&eacute; l&aacute;, se ouvir&atilde;o discursos, muito bl&aacute;-bl&aacute;-bl&aacute;s e aparecer&atilde;o salvadores da regi&atilde;o. A predominarem a resist&ecirc;ncia e a mentalidade das autoridades respons&aacute;veis pela defesa do meio ambiente, a paisagem de devasta&ccedil;&atilde;o, na esteira de enchentes, vazamentos, queimadas e inc&ecirc;ndios criminosos, se expandir&aacute; por todos os quadrantes do territ&oacute;rio.<br /> <br /> Mas um fio de esperan&ccedil;a brota quando nossa gente, a partir das crian&ccedil;as e dos jovens, passa a enxergar com muita convic&ccedil;&atilde;o a m&atilde;e-natureza como parte indissoci&aacute;vel de suas vidas. Vis&atilde;o que acabar&aacute; sendo o lume dos protagonistas da pol&iacute;tica. Vamos dar tempo ao tempo. <br /> <br /> <img src="http://www.novoeste.com/uploads/image/artigos_gaudencio-torquato_jornalista-professor-usp-consultor-politico.jpg " width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> Por <i><b>Gaud&ecirc;ncio Torquato</b></i>, jornalista, &eacute; professor titular da USP, consultor pol&iacute;tico e de comunica&ccedil;&atilde;o Twitter@gaudtorquato