Quebra cabeça chinês

06 de novembro de 2019 às 16:35

Coriolano Xavier
A prop&oacute;sito da guerra comercial Estados Unidos X China, que j&aacute; dura 18 meses e recentemente ganhou uma ainda nebulosa tr&eacute;gua, &eacute; interessante relacionar alguns fatos que comp&otilde;em o tabuleiro de xadrez por traz dos rituais pol&iacute;ticos e da ret&oacute;rica diplom&aacute;tica reverberada na m&iacute;dia. &nbsp;<br /> &nbsp;<br /> Um dos objetivos dos Estados Unidos com o embate era reduzir seu d&eacute;ficit comercial descomunal com os chineses. Outro alvo era estimular grandes corpora&ccedil;&otilde;es norte-americanas instaladas na China a retornar para os EUA. Mas o d&eacute;ficit continuou crescendo e atingiu o recorde de 419 bilh&otilde;es de d&oacute;lares, em 2018. Quanto &agrave;s empresas, parecem n&atilde;o ter a mesma ideia do governo norte-americano.<br /> &nbsp;<br /> Pesquisa do US-China Business Council (agosto) indica que 87% das empresas com f&aacute;bricas no gigante chin&ecirc;s n&atilde;o pretendem transferir suas unidades e 97% informa que suas opera&ccedil;&otilde;es na China s&atilde;o lucrativas. Mais um detalhe: entre as que mostraram inten&ccedil;&atilde;o de mudan&ccedil;a, s&oacute; 3% pensam em levar sua produ&ccedil;&atilde;o de volta para os EUA.<br /> &nbsp;<br /> Na verdade, o mercado chin&ecirc;s &eacute; uma esp&eacute;cie de sonho de consumo para as grandes corpora&ccedil;&otilde;es norte-americanas (e n&atilde;o s&oacute; para elas, ali&aacute;s) e isto porque a classe m&eacute;dia chinesa cresceu de modo acelerado, hoje estima-se que j&aacute; represente 400 milh&otilde;es de pessoas e continua aumentando. &nbsp;<br /> &nbsp;<br /> A GM, por exemplo, vende mais carros l&aacute; do que nos Estados Unidos. A KFC, famosa no mundo pelo seu frango frito, tem 5.000 lojas l&aacute;, 15% mais do que em territ&oacute;rio norte-americano. E a internacional Starbucks Coffee cresceu 18% no mercado chin&ecirc;s o ano passado, mesmo com a China pressionada pela guerra comercial.<br /> &nbsp;<br /> Soma-se a isso, outro fato: muitas companhias utilizam a China como plataforma de exporta&ccedil;&atilde;o, por suas caracter&iacute;sticas de estrutura e escala. Um exemplo &eacute; a Apple, a segunda marca mais valiosa do mundo (Brand Finance 2019), que tem na China o seu segundo maior mercado e de l&aacute; consegue exportar seus aparelhos para todo o mundo, a pre&ccedil;os competitivos.<br /> &nbsp;<br /> Situa&ccedil;&otilde;es como essas foram comentadas com propriedade em recente artigo da pesquisadora Claudia Trevisan, da Escola de Estudos Internacionais Avan&ccedil;ados da Universidade Johns Hopkins, nos EUA (OESP, 15/10/2019). E, com fatos assim, fica dif&iacute;cil pensar em desfecho sob a l&oacute;gica dos super-her&oacute;is, para essa tens&atilde;o comercial entre as duas maiores economias do mundo. <br /> &nbsp;<br /> O reequil&iacute;brio das rela&ccedil;&otilde;es EUA-China &eacute; tarefa bem mais complexa, pois a globaliza&ccedil;&atilde;o mudou a l&oacute;gica da economia mundial. Por outro lado, se uma tr&eacute;gua negociada n&atilde;o revisar as tarifas impostas, o mundo j&aacute; ter&aacute; mudado bastante. Antes do conflito, a tarifa m&eacute;dia dos EUA sobre produtos chineses era de 3% e chegou a 21%. Um terremoto, considerando-se exporta&ccedil;&otilde;es chinesas de US$ 540 bilh&otilde;es (2018) para os EUA. <br /> &nbsp;<br /> Tudo isso traz alguma ordem de impactos para o Brasil. Pode estimular nossas vendas de soja e carnes para o mercado chin&ecirc;s, como j&aacute; ocorreu. Caso se consolide uma tr&eacute;gua e a China retorne &agrave;s compras de produtos norte-americanos, isso pode ent&atilde;o afetar a mesma soja, levando-nos a buscar outros mercados para a commodity. Por ora s&atilde;o hip&oacute;teses.<br /> &nbsp;<br /> Mas no complexo cen&aacute;rio chin&ecirc;s tamb&eacute;m h&aacute; oportunidade para outros produtos do agro brasileiro, que podem ser turbinados pela afluente classe m&eacute;dia chinesa, hoje rumando para meio bilh&atilde;o de pessoas. Isso mesmo: quase o equivalente a dois &ldquo;brasis&rdquo; inteiros de classe m&eacute;dia, para a qual podemos tentar vender um leque maior de alimentos de maior valor agregado. <br /> &nbsp;<br /> Mas a&iacute; a geopol&iacute;tica &eacute; outra, a diplomacia comercial &eacute; outra, o marketing &eacute; outro e a comunica&ccedil;&atilde;o tamb&eacute;m. Um bom aug&uacute;rio &eacute; a visita j&aacute; pr&oacute;xima da Ministra da Agricultura, Teresa Cristina, ao gigante chin&ecirc;s, pois ela tem mostrado que sabe dar tratos &agrave; bola nesse campo, com propriedade e talento diplom&aacute;tico.<br /> <br /> <img src="/uploads/image/artigos_coriolano-xavier_vice-presidente-de-comunicacao-ccas.jpg" width="60" hspace="3" height="80" align="left" alt="" /><br /> <br /> <br /> Por <i><b>Coriolano Xavier</b></i>, membro do Conselho Cient&iacute;fico Agro Sustent&aacute;vel (CCAS) e Professor da ESPM.