Preto, pobre e moro longe!

19 de novembro de 2019 às 18:38

Geraldo Fiuza
Quero dizer para voc&ecirc;, que agora me l&ecirc;: j&aacute; fui &ldquo;preto, pobre e morei longe&rdquo;. Durante toda a minha inf&acirc;ncia ouvi essa express&atilde;o de uma pessoa muito especial, minha m&atilde;e Arlette, hoje, com 83 anos. Longe de ser uma express&atilde;o racista, discriminat&oacute;ria, a inten&ccedil;&atilde;o da minha m&atilde;e era contribuir para a forma&ccedil;&atilde;o do meu car&aacute;ter, com valores essenciais, advindos de sua sabedoria simples, de quem estudou apenas at&eacute; a quarta s&eacute;rie prim&aacute;ria.<br /> &nbsp;<br /> Minha m&atilde;e sempre lembrava a mim e &agrave; minha irm&atilde;, Val&eacute;ria, que precis&aacute;vamos nos comportar bem em todos os lugares. Quando &iacute;amos a alguma festa, passeio, ela dizia: &quot;Meus filhos, ju&iacute;zo, modos e n&atilde;o se esque&ccedil;am: a gente j&aacute; &eacute; preto, pobre e mora longe. Ent&atilde;o, se comportem!&quot; Era a forma dela nos proteger do preconceito. <br /> &nbsp;<br /> Imagino que o motivo da minha m&atilde;e se preocupar tanto com isso se deve ao fato dela ter nos criado sozinha, ap&oacute;s a morte do meu pai, aos 56 anos, v&iacute;tima de um enfisema pulmonar. <br /> &nbsp;<br /> Em 1996, ingressei na Comunidade Can&ccedil;&atilde;o Nova, onde estou h&aacute; 23 anos. Talvez algu&eacute;m pense: &quot;Ser mission&aacute;rio, um cara de igreja foi o que sobrou pra um cara preto, pobre e que morava Longe. Pelo menos n&atilde;o virou bandido&quot;. <br /> &nbsp;<br /> Foi por meio da vida mission&aacute;ria que aprendi n&atilde;o s&oacute; a ter f&eacute; em Deus, mas tamb&eacute;m a acreditar nos outros e em mim mesmo. Eu me descobri um apaixonado pelo ser humano, pelo mist&eacute;rio e pela grandeza que cada pessoa &eacute;. Um universo de possibilidades irrepet&iacute;veis.<br /> &nbsp;<br /> A minha f&eacute; e voca&ccedil;&atilde;o mission&aacute;ria passaram a influenciar diretamente no meu dia a dia, naquilo que fa&ccedil;o, no jeito de lidar com as situa&ccedil;&otilde;es, os acontecimentos, as pessoas.<br /> &nbsp;<br /> Mark Twain j&aacute; dizia: &quot;Os dois dias mais importantes na vida de um homem s&atilde;o: o dia em que ele nasce e o dia em que ele descobre o porqu&ecirc;!&quot; Como mission&aacute;rio, tive a gra&ccedil;a de ter morado nos estados da Bahia, Sergipe, Tocantins, S&atilde;o Paulo e Cuiab&aacute;. Na vida mission&aacute;ria aprendi a dirigir, a falar em p&uacute;blico, a trabalhar com r&aacute;dio, televis&atilde;o, internet, m&iacute;dias sociais, a ser um homem da comunica&ccedil;&atilde;o.<br /> &nbsp;<br /> Acredito que, independente de ser famosa ou n&atilde;o, cada pessoa tem um dom, um talento especial e &uacute;nico, com o qual pode enriquecer a vida das pessoas ao seu redor, se colocando a servi&ccedil;o. E isso independe da cor da nossa pele ou condi&ccedil;&atilde;o social!<br /> &nbsp;<br /> Acredito que a vida &eacute; feita de escolhas e tem a cor que a gente pinta. Tamb&eacute;m tenho consci&ecirc;ncia que, infelizmente, nem todos t&ecirc;m as mesmas oportunidades. Mas n&atilde;o tenho d&uacute;vida que o esfor&ccedil;o e a garra fazem a diferen&ccedil;a. E, ainda que as situa&ccedil;&otilde;es ao nosso redor n&atilde;o mudem ou se tornem melhores, ao menos n&oacute;s mudamos, e sa&iacute;mos fortalecidos dos desafios di&aacute;rios que a vida nos imp&otilde;e.<br /> &nbsp;<br /> Nesse Dia Nacional da Consci&ecirc;ncia Negra, penso que seria oportuno refletir n&atilde;o apenassobre essas diferen&ccedil;as da cor da nossa pele, mas tamb&eacute;m sobre aquilo que temos de melhor, nossos dons, talentos, nossas qualidades, habilidades que podem, na medida em que acreditarmos e nos colocarmos a servi&ccedil;o, mudar o mundo! <br /> &nbsp;<br /> Que nessa data, tomemos mesmo consci&ecirc;ncia do nosso valor como pessoa, ser humano, filho amado de Deus. <br /> &nbsp;<br /> Pode parecer trivial, mas a mudan&ccedil;a do mundo come&ccedil;a em cada um de n&oacute;s, lembrando que &eacute; sempre poss&iacute;vel recome&ccedil;ar, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima.<br /> &nbsp;<br /> No meu caso, saber de onde vinha a frase &ldquo;Preto, pobre e moro longe&rdquo; e entender como ela me era dita, fez toda a diferen&ccedil;a, tanto que mudou a minha vida para sempre. Preto n&atilde;o, negro! Preto &eacute; cor, negro &eacute; ra&ccedil;a!<br /> &nbsp;<br /> Meu nome &eacute; Geraldo Andr&eacute; Fiuza, 44 anos, sou &ldquo;preto, pobre e moro longe&rdquo; e sou muito feliz com a vida que tenho e com as experi&ecirc;ncias que a vida me permitiu at&eacute; o dia de hoje. Um verdadeiro tesouro! <br /> &nbsp;<br /> Feliz Dia Nacional da Consci&ecirc;ncia Negra e boa reflex&atilde;o sobre como podemos fazer a diferen&ccedil;a nesse mundo.<br /> &nbsp;<br /> <i><b>Geraldo Fiuza</b></i> &eacute; mission&aacute;rio da Comunidade Can&ccedil;&atilde;o Nova.